80 anos após meu nascimento
__ Pois é, meu
amigo! Fui a Rosário de Minas, minha terra natal.
__ Mas então você esteve de novo em Rosário?
__ Sim. Claro, sou rosarense do papo amarelo, isto é, de carteirinha,
há pelo menos setenta e sete anos morei em Rosário, na fazenda velha de
minha bisavó Dona.
__ E daí o que se passou?
__ Bem, vai escutando: peguei um táxi em Juiz de
Fora, pus minhas três irmãs (Aura, Norma e Noeme) nele e fomos viajar. A
surpresa: o taxista se identificou e descobrimos ser nosso parente,
filho do doutor João Carlos de Oliveira (da família Lulu). Que bom? Aura
foi logo dizendo que doutor João a curara de um problemão na coluna.
__ Foi então uma boa e alegre viagem?
__ Claro, passamos por Valadares onde eu nasci e não
paramos, embora tenhamos alguns primos no lugar; não chegamos também à
casa de meu avô, desta vez. Sabíamos que meu primo havia se mudado e
apenas voltava uma vez por semana para cuidar das abelhas e retirar mel;
assim, sem motivo para chegar, fomos adiante. Aura lembrou que certa vez
nós dois e nossa mãe fomos à fazenda São Mateus e, na saída vovó deu um
queijinho para levarmos ao nosso irmão, Expedito. Eu e Aura, serelepes e
arteiros como quê, comemos o queijo (um rendeiro pequenino) logo que
chegamos ao topo do morro Grande. Quando em casa mamãe perguntou pelo
queijo e nós confessamos tê-lo comido, levamos algumas chineladas para
correção de nosso feio ato.
E seguimos viagem. Fui dando explicações ao taxista.
Enquanto subíamos o morro Alto, mostrei-lhe o local onde morávamos e
disse-lhe que aos três anos já fugíamos dali para a casa de nosso avô.
Falei com o taxista sobre nossa avó, Nhanhá, que foi mãe para nós, tanto
é que a chamávamos de mãe. Minha irmã, Noeme, lembrou-me das pimentas
que enfiávamos no chuchu e os dávamos aos porcos. Caíamos de riso ao
vê-los bufando... Artes de crianças.
Contei também ao taxista que do outro lado do morro
morava, outrora, tio Camilo Novais, casado com tia Ovídia. Relatei a
ranzinice de tia Ovídia que era muito brava, e que o avô dela, portanto
meu bisavô (Neneca de Almeida) foi o dono da fazenda dos Arrependidos,
próximo a Penido, um arraial que deixáramos para trás.
Até Rosário, nenhum tropeço digno de nota. Em minha
querida terra, visitamos a prima Lucila e o primo Laudelino. Lucila
estava encantada com o novo grupo escolar e pediu-nos para visitá-lo,
pois era de primeiro mundo. As pessoas veem com olhos de seu derredor. O
colégio era interessante sim, mas nada especial. Decidimos não entrar,
porque guardava a sua entrada um cachorro sarnento e minha irmã, Norma,
tem medo incrível de cães. Assim voltamos e decidimos ir à Igreja de
Nossa Senhora do Rosário, fechada como sempre, porque só se abre dia de
missa e o arraial não tem padre residente, nem quem abra a igreja.
Assim, vivem os moradores pachorrentos, descansados,
sentados, ou de pé perto de suas casas, trocando um e outro bom-dia e
falando sobre enterros, doenças e casamentos. Aliás, no alto de um morro
fica o cemitério e disseram-me que está muito bem cuidado. Lucila
informou-me adicionalmente que Rosário, o arraial, é mais velho que Juiz
de Fora, a que pertence(é seu Distrito), e que no cemitério há um túmulo
com a data anterior à fundação de Juiz de Fora. Não quis verificar o
túmulo, não só porque não gosto de ir a cemitério, mas também pelo
aclive a subir até ele... É, estou ficando velho...
Passeamos pelo adro, pelo cruzeiro, onde minha irmã
colheu pétalas de rosas (sagradas) para mim. Resolvi, num ato súbito,
colocar minha mão na porta da igreja e pedir saúde e paz a Nossa Senhora
do Rosário, minha santa devocional, e dizer que estava pronto para ir
quando ela quisesse me levar (pro céu), certo!
Voltei ao bate-papo com prima Lucila e ela decidiu
levar-me ao posto de saúde onde estava sua irmã Glorinha e filha. Afinal
são sessenta anos sem nos ver. E fomos bem devagarzinho ao posto já que
Lucila não pode andar acelerada, porque
fez operação recente nos quadris (quebrou a bacia num tombo).
À cerca de duzentos ou trezentos metros adiante
chegamos ao posto, e a alegria foi grande ao nos revermos. Bem, até aí
tudo a contento. Chamaram-me o escritor de Rosário o que me envaideceu
bastante. Voltamos todos devagar e conversando. Lá longe, vi um cara
esbravejando e falando algo inaudível, ininteligível em nossa direção.
"Certamente um doido, pensei". Não entendi nada e continuamos. Afinal,
os loucos agem assim. Ouvidos mais afinados de minha prima Lucila
traduziram o falar do gesticulador: "Boi bravo, boi bravo, boi
bravo!"
E então desesperamos, porque de um lado e de outro,
as casas eram coladas umas nas outras. Lembro de que Lucila não podia
correr. "Ah, meu Deus"! Que seria de nós? Como era muito cedo, não havia
uma porta ou janela aberta para pedirmos proteção ou asilo, naquele
aflitivo momento. Então, me preparei para ser atacado. "Fim de linha",
pensei. Foi aí que vi, num vão, entre duas casinholas, um portão de
ferro, enferrujado. Atravessamos a rua estreita e fomos a ele
lentamente, aterradoramente em
slow motion (por mim, teria voado), mas não podia deixar as
primas e Lucila que, com a bengalinha, se arrastava. Havia uma corrente
e cadeado no portão entre duas casinhas. Só 10 metros nos separavam,
foram os 10 metros mais longos da minha vida, agônicos 10 metros. Rezei
para que pudéssemos entrar ou, puxa vida, estaríamos fritos... Não,
graças a Deus! A corrente não abraçava o portão. Entramos e fechamos
justo no momento que passaram correndo bois, cavalos, cachorros e
boiadeiros. Ufa! Foi por pouco, muito pouco mesmo... Sim, claro, saímos
detrás do portão salvador são e salvos; assustados, mas ilesos e coração
aos pulos.
As manas deram sorte também. Elas estavam sentadas
num banco, na pracinha,minuto antes da boiada passar. Noeme levantou-se
e sugeriu que entrassem no coreto para matar a saudade. Neste crucial
momento passou a boiada e o touro bravo. O coreto foi a salvação delas.
Tudo acontece quando tem que acontecer, esta é a lei.
Concluo, pela enésima vez, que cada qual tem sua hora. Não era nossa
hora. Já pensou em sermos manchete de jornal? "Visitantes rosarenses, em
Rosário, foram atacados por bois..." etc., etc.
__ E daí, tudo acabou bem, foi só um susto e que
susto.
__ Mas não acabou ainda. Passaram por nós bois,
cachorros, cavalos e vaqueiros e como bom brasileiro, deduzi que deveria
jogar no bicho. Não joguei, porque detesto este jogo, mas fiz megassena
com números dos animais e o da casa de minha prima, Lucila. Ei-los:
1-6-11-21-25-48.
Nossa Senhora do Rosário deve ter pensado:
"Cara já fiz teu milagre hoje; agora, espere um pouco
tá!"
Se não era dia de ser vítima, também não era dia de
ganhar... Se eu dei sorte na vida, não dei no jogo. Ainda estou pensando
em repetir o palpite. Vamos ver...
Por pouco deixei de rever meu primo Heleno, filho de
Irani, que não vejo há 60 anos. Bom sinal para joga na mega: 60 ou 6.
Faça uma fezinha...
Tentemos porque é semana de meu aniversário.
Asséde Paiva (23/03/14)
Texto publicado no Benficanet em 25/03/2014
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