por Asséde Paiva
(rosarense), bacharel em Direito e Administrador. Autor de Organização de cooperativas de consumo (premiado no IX Congresso Brasileiro de Cooperativismo, em Brasília); Brumas da história do Brasil. RIHGB nº 417, out./dez. 2002; Possessão, São Paulo: Ícone Editora, 1995; O espírito milenar, Goiânia: Editora Paulo de Tarso, s.d. Trabalhou na CSN 35 anos.

 
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Milagre em Rosário
(Só podia ser em Rosário...)

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80 anos após meu nascimento

    __ Pois é, meu amigo! Fui a Rosário de Minas, minha terra natal.
    __ Mas então você esteve de novo em Rosário?
   __ Sim. Claro, sou rosarense do papo amarelo, isto é, de carteirinha, há pelo menos setenta e sete anos morei em Rosário, na fazenda velha de minha bisavó Dona.
     __ E daí o que se passou?
    __ Bem, vai escutando: peguei um táxi em Juiz de Fora, pus minhas três irmãs (Aura, Norma e Noeme) nele e fomos viajar. A surpresa: o taxista se identificou e descobrimos ser nosso parente, filho do doutor João Carlos de Oliveira (da família Lulu). Que bom? Aura foi logo dizendo que doutor João a curara de um problemão na coluna.
    __ Foi então uma boa e alegre viagem?
   __ Claro, passamos por Valadares onde eu nasci e não paramos, embora tenhamos alguns primos no lugar; não chegamos também à casa de meu avô, desta vez. Sabíamos que meu primo havia se mudado e apenas voltava uma vez por semana para cuidar das abelhas e retirar mel; assim, sem motivo para chegar, fomos adiante. Aura lembrou que certa vez nós dois e nossa mãe fomos à fazenda São Mateus e, na saída vovó deu um queijinho para levarmos ao nosso irmão, Expedito. Eu e Aura, serelepes e arteiros como quê, comemos o queijo (um rendeiro pequenino) logo que chegamos ao topo do morro Grande. Quando em casa mamãe perguntou pelo queijo e nós confessamos tê-lo comido, levamos algumas chineladas para correção de nosso feio ato.
    E seguimos viagem. Fui dando explicações ao taxista. Enquanto subíamos o morro Alto, mostrei-lhe o local onde morávamos e disse-lhe que aos três anos já fugíamos dali para a casa de nosso avô. Falei com o taxista sobre nossa avó, Nhanhá, que foi mãe para nós, tanto é que a chamávamos de mãe. Minha irmã, Noeme, lembrou-me das pimentas que enfiávamos no chuchu e os dávamos aos porcos. Caíamos de riso ao vê-los bufando... Artes de crianças.
    Contei também ao taxista que do outro lado do morro morava, outrora, tio Camilo Novais, casado com tia Ovídia. Relatei a ranzinice de tia Ovídia que era muito brava, e que o avô dela, portanto meu bisavô (Neneca de Almeida) foi o dono da fazenda dos Arrependidos, próximo a Penido, um arraial que deixáramos para trás.
    Até Rosário, nenhum tropeço digno de nota. Em minha querida terra, visitamos a prima Lucila e o primo Laudelino. Lucila estava encantada com o novo grupo escolar e pediu-nos para visitá-lo, pois era de primeiro mundo. As pessoas veem com olhos de seu derredor. O colégio era interessante sim, mas nada especial. Decidimos não entrar, porque guardava a sua entrada um cachorro sarnento e minha irmã, Norma, tem medo incrível de cães. Assim voltamos e decidimos ir à Igreja de Nossa Senhora do Rosário, fechada como sempre, porque só se abre dia de missa e o arraial não tem padre residente, nem quem abra a igreja.
    Assim, vivem os moradores pachorrentos, descansados, sentados, ou de pé perto de suas casas, trocando um e outro bom-dia e falando sobre enterros, doenças e casamentos. Aliás, no alto de um morro fica o cemitério e disseram-me que está muito bem cuidado. Lucila informou-me adicionalmente que Rosário, o arraial, é mais velho que Juiz de Fora, a que pertence(é seu Distrito), e que no cemitério há um túmulo com a data anterior à fundação de Juiz de Fora. Não quis verificar o túmulo, não só porque não gosto de ir a cemitério, mas também pelo aclive a subir até ele... É, estou ficando velho...
    Passeamos pelo adro, pelo cruzeiro, onde minha irmã colheu pétalas de rosas (sagradas) para mim. Resolvi, num ato súbito, colocar minha mão na porta da igreja e pedir saúde e paz a Nossa Senhora do Rosário, minha santa devocional, e dizer que estava pronto para ir quando ela quisesse me levar (pro céu), certo!
    Voltei ao bate-papo com prima Lucila e ela decidiu levar-me ao posto de saúde onde estava sua irmã Glorinha e filha. Afinal são sessenta anos sem nos ver. E fomos bem devagarzinho ao posto já que Lucila não pode andar acelerada, porque fez operação recente nos quadris (quebrou a bacia num tombo).
    À cerca de duzentos ou trezentos metros adiante chegamos ao posto, e a alegria foi grande ao nos revermos. Bem, até aí tudo a contento. Chamaram-me o escritor de Rosário o que me envaideceu bastante. Voltamos todos devagar e conversando. Lá longe, vi um cara esbravejando e falando algo inaudível, ininteligível em nossa direção. "Certamente um doido, pensei". Não entendi nada e continuamos. Afinal, os loucos agem assim. Ouvidos mais afinados de minha prima Lucila traduziram o falar do gesticulador: "Boi bravo, boi bravo, boi bravo!"
    E então desesperamos, porque de um lado e de outro, as casas eram coladas umas nas outras. Lembro de que Lucila não podia correr. "Ah, meu Deus"! Que seria de nós? Como era muito cedo, não havia uma porta ou janela aberta para pedirmos proteção ou asilo, naquele aflitivo momento. Então, me preparei para ser atacado. "Fim de linha", pensei. Foi aí que vi, num vão, entre duas casinholas, um portão de ferro, enferrujado. Atravessamos a rua estreita e fomos a ele lentamente, aterradoramente em slow motion (por mim, teria voado), mas não podia deixar as primas e Lucila que, com a bengalinha, se arrastava. Havia uma corrente e cadeado no portão entre duas casinhas. Só 10 metros nos separavam, foram os 10 metros mais longos da minha vida, agônicos 10 metros. Rezei para que pudéssemos entrar ou, puxa vida, estaríamos fritos... Não, graças a Deus! A corrente não abraçava o portão. Entramos e fechamos justo no momento que passaram correndo bois, cavalos, cachorros e boiadeiros. Ufa! Foi por pouco, muito pouco mesmo... Sim, claro, saímos detrás do portão salvador são e salvos; assustados, mas ilesos e coração aos pulos.
    As manas deram sorte também. Elas estavam sentadas num banco, na pracinha,minuto antes da boiada passar. Noeme levantou-se e sugeriu que entrassem no coreto para matar a saudade. Neste crucial momento passou a boiada e o touro bravo. O coreto foi a salvação delas.
    Tudo acontece quando tem que acontecer, esta é a lei. Concluo, pela enésima vez, que cada qual tem sua hora. Não era nossa hora. Já pensou em sermos manchete de jornal? "Visitantes rosarenses, em Rosário, foram atacados por bois..." etc., etc.
    __ E daí, tudo acabou bem, foi só um susto e que susto.
    __ Mas não acabou ainda. Passaram por nós bois, cachorros, cavalos e vaqueiros e como bom brasileiro, deduzi que deveria jogar no bicho. Não joguei, porque detesto este jogo, mas fiz megassena com números dos animais e o da casa de minha prima, Lucila. Ei-los: 1-6-11-21-25-48.
    Nossa Senhora do Rosário deve ter pensado:
    "Cara já fiz teu milagre hoje; agora, espere um pouco tá!"
    Se não era dia de ser vítima, também não era dia de ganhar... Se eu dei sorte na vida, não dei no jogo. Ainda estou pensando em repetir o palpite. Vamos ver...
    Por pouco deixei de rever meu primo Heleno, filho de Irani, que não vejo há 60 anos. Bom sinal para joga na mega: 60 ou 6. Faça uma fezinha...
    Tentemos porque é semana de meu aniversário.

Asséde Paiva (23/03/14)

Texto publicado no Benficanet em 25/03/2014

Comentários:

Geane - Aeroporto - Macaé - 25/04/2017
Quase todos são meus parentes em Rosário de Minas, me senti dentro da narração.

Asséde de Paiva - Volta Redonda - RJ - 23/11/2015
Inês! Eu tenho foto de nosso bisAVÔ. Posso lhe mandar uma cópia. Você tem foto da fazenda dos Arrependidos?

Inês Resende - Santa Maria/Juiz de Fora - 21/04/2014
Neneca de Almeida era meu bisavô... descubro essa história.. mundo pequeno!

Asséde Paiva - Volta Redonda - RJ - 13/04/2014
Edmilson! Na minha genealogia aparecem Tia-avó Olímpia Aquino de Oliveira cc Manoel Jacinto Oliveira (Manequinho LULU); e Ambrozina Aquino de Oliveira cc Francisco LULU de oliveira.

Edmilson Esteves - Nova Iguaçu - RJ - 03/04/2014

Você sempre encontra um Lulu. Nunca entendi porque meu pai tinha sobrenome Lulu se meus avós eram Aquino de Oliveira. Disseram que foi para homenagear o tio, que era Lulu. Sempre por aqui, Asséde. Abraço.

Joalser - USA - 01/04/2014
Primeiramente ao nosso Escritor de Rosário, parabéns e felicidades pela passagem de seu aniversário e segundamente gostei do causo legal!
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