Diálogo surreal:
Os três naquele velho
automóvel passavam por sinuosa estrada vicinal. Falavam
sobre velhos tempos, parentes distantes, lugarejos
abandonados e silenciavam quanto ao destino final, porque
não sabiam o resultado.
Alguém os esperava...
“Eles vêm, estão bem
próximos acabaram de subir o Morro Alto. Ele, a irmã e a
prima. Coisa estranha, ao longo de anos comparecera a festas
em Rosário e passaram diretos por mim. Às vezes, sem dar uma
simples olhada seguiam adiante, para a casa de nossa mãe.
Hoje não vai ser assim: intimei-os a me visitar, afinal,
tenho meus poderes. Já os esperei demais”.
Não demorou nada e um
carro parou num declive suave, que dava início à rua
Principal, daquele povoado. Saltaram um homem e duas
mulheres, subiram devagar as escadinhas até o topo e
visualizaram o portão de ferro entreaberto; a porta do
templo fechada a cadeado.
— Perdemos a viagem.
Não podemos visitar a ermida — disse o homem de cabelos
brancos.
Materializou-se um
senhor ainda novo, de barba rala, ar bondoso; dele emanava
aura de santidade. Trazia uma chave muito antiga.
Convidou-os com voz suave:
— Entrem comigo, eu os
esperava há muito...sabia que viriam algum dia.
E, ao sinal afirmativo
dos recém-vindos, dirigiu-se ao templo, abrindo as bandeiras
de par a par. A luz do Sol entrou com eles, e outra Luz os
envolveu em atmosfera devocional, daí resultou conversa
extraordinária, a nível telepático:
— Até que enfim! Vocês,
sempre de passagem, retos a casa de Maria, no grande templo.
Nesta capelinha abandonada, esquecida, nenhum dos três me
visitou jamais, pensem bem poderia ser uma manjedoura.
Gostam do que veem? tudo muito pobre? sem ícones?
— Sim — disse o
viajante. — Viemos de longe, acho estarmos pagando a
prestação duma dívida enorme.
— Talvez o morador
daqui tenha zelado por vocês e pelas suas famílias, mesmo
que não soubessem. É possível, é possível, quem sabe?
— Será que teremos
perdão por nossas faltas, e pela ingratidão?!
— Acho que perdoados
estão, mas pensem em alguém sempre os ajudando a vencer os
obstáculos ao longo da estrada da vida.
— E foram grandes
nossos problemas; não os superaríamos sem auxílio poderoso,
porém vejo tantos que parecem bonançosos desde o dia em que
nasceram... Como dizem por aí, sempre chovendo na horta
deles.
— Quem está na casa
sabe onde tem goteira, assim dizem os antigos. As aparências
enganam. Muitos sofrem com um sorriso nos lábios, só para se
mostrarem felizes. Por dentro, no fundo da alma, estão
desesperados.
— Concordo com o que
diz: eu entre outros problemas tenho uma dúvida atroz: por
que não consigo aceitar que sou imagem e semelhança do
Criador.
— Os desígnios do Pai
são inescrutáveis. Aceitando ou não a semelhança, ela está
gravada no Livro sagrado, é uma realidade da vida que
independe de seu querer. Cada qual no seu canto sofre seu
tanto. Sua irmã e prima, ao seu lado, têm seus sofrimentos
íntimos terríveis. Sei o que se passa e se passou com elas.
Contudo, nunca lhes faltei com meu apoio. Sua mãe, uma doce
pessoa, lhe disse certa feita que ao entrar pela vez
primeira em uma igreja pode fazer três pedidos. Aproveite o
momento: quais são eles?
— Desculpe-me, nada vou
pedir... Tudo o que eu queria fazer já fiz. Tive vitórias e
derrotas, agora, meu horizonte é curto, só desejo uma boa
hora de...
— Pare! Sua hora não
chegou. Você tem ainda muita estrada pela frente.
— Quanto tempo, senhor?
Já passei de oitenta.
— Oitenta não é nada.
Que é um século? Que é um milênio? Veja bem, anote aí: há
quem tenha mais de dois mil anos.
— Oitenta para mim está
pesando...
— Então, está no local
certo. Aqui, os cansados e oprimidos têm consolação.
— Então é fim de nossa
viagem? ou seguimos adiante?
— Sim, claro, vão à
frente, pois atrás vem gente. Cada qual tem sua hora.
Continuem seu destino, visitem a Senhora do Rosário. Eu sei
que gostam dela, e ela ama a todos. Vou com vocês e os
protegerei como sempre protegi...
As mulheres que
acompanhavam o viajor não desconfiaram, pois achavam que ele
mexia os lábios em oração.
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E, os viajores partiram
comovidos, levando três flores colhidas no jardim da
capelinha.
Ao chegaram ao largo da
Matriz, foram à igreja. O homem de cabelos de neve era o
mais contrito, quedou-se junto à porta e solfejou um hino em
homenagem à mãe universal:
QUEM PODERÁ?
Quem poderá definir o encanto
Que há no espelho do teu olhar,
Ó mãe de Deus, eu te amo tanto,
E cada vez mais te quero amar.
Teu rosto é sol que brilhando aquece
As horas tristes da solidão,
Ao teu sorriso de mãe parece
Abrir-se em flor nosso coração.
Tu és a mais santa das mulheres,
Tu és do céu a mais bela flor,
Faze de nós o que bem quiseres,
Somos escravos do teu amor.
Teu belo nome, nome divino,
Parece um sonho feito de luz.
Abre o teu caminho, e o teu destino
Há de levar-nos até Jesus.
Findo o hino de louvor, murmurou emocionado:
— Mãe! Estou a seu dispor.
Faça de mim o que bem quiser. Eu cumpri minha
missão...
...então ficou pensando: eu não queria vir; agora que
cheguei, quero ficar... e não posso... Vim para o mundo sem
saber o porquê e dele saio como o vento a toa, que nunca
sabe pra onde vai soprando...
Mãe Santíssima rogai por nós!
E os viajantes se foram abençoados pela
Mãe de Deus.
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