por Asséde Paiva
(rosarense), bacharel em Direito e Administrador. Autor de Organização de cooperativas de consumo (premiado no IX Congresso Brasileiro de Cooperativismo, em Brasília); Brumas da história do Brasil. RIHGB nº 417, out./dez. 2002; Possessão, São Paulo: Ícone Editora, 1995; O espírito milenar, Goiânia: Editora Paulo de Tarso, s.d. Trabalhou na CSN 35 anos.

 
CONFIRA OUTRAS
POSTAGENS DE
 
...................................................................................................................................................................
A C I R
(1943-2007)
UM HOMEM DE BEM
(Vidência cigana. Bem que ela avisou, mas ele não acreditou)
  

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Faz a trouxa e se vai... Entra na vida
Pela mão do destino conduzida...
Errar!... Que destino triste o da cigana!
Onde irá seu romance concluir?
..............................................................
É seguir sem ter bússola, seu vagar...
- Correr mundos, andar de plaga em plaga,
Até que a morte a venha surpreender...
(In Risos e lágrimas)

Local: Volta Redonda, março de 2008. Revisado em 23 de junho de 2008 e 7 de setembro de 2009.

Estrofes (124) de seis versos (sextilhas), de sete sílabas (septilhas). Esquema de rimas: xaxaxa.

Observação: As letras repetidas indicam os versos que rimam entre si. Indicam-se com x os versos que não rimam com nenhum outro.

As estrofes são de autoria do poeta Geraldinho & Asséde Paiva, com revisão deste. Foram escritas em homenagem a Acir Reis dos Santos, falecido recentemente e bom amigo dos autores.

Acir foi poeta, seresteiro, teatrólogo, ótimo empregado e sobretudo humano. Extremamente crítico, muito modesto dizia não saber nada. Teve convivência muito boa com amigos, colegas e parentes. Cuidou pessoalmente da mãe por nove anos e de um irmão com doença muito grave, terminal. Olhou a todos de uma maneira geral e sempre carinhoso. Foi o esteio da família, segundo sua irmã Therezinha. Trabalhou na CSN, Cobrapi, Cecisa e fábrica de papel, em Piraí. Sempre foi muito estimado e sua passagem nos trouxe grande sofrimento. Por isso, através deste simples cordel, tentamos dar pálida idéia do que foi este amigo do peito.

 Dados biográficos dos autores:

A. Paiva nasceu em Rosário de Minas. É bacharel em Direito e Administrador. Autor de Organização de cooperativas de consumo (premiado no IX Congresso Brasileiro de Cooperativismo, em Brasília); Brumas da história do Brasil. RIHGB. no 417, out./dez. 2002; Possessão, São Paulo: Ícone Editora, 1995; O espírito milenar, Goiânia: Editora Paulo de Tarso, sd. Trabalhou na CSN 35 anos.

 

Geraldo Veríssimo Cunha Filho (Geraldinho), nasceu em Santa Rita de Jacutinga, em 1939. Mora em Volta redonda desde 1942. Estudou até a 5a série do primeiro grau. Trabalhou na CSN de 1961/1992, aposentando-se como balanceiro-anotador. É poeta temporão e compositor.

Fala Geraldinho
1
Quando tento escrever
Peço minha proteção
Ao senhor deus dos poetas
Conforta meu coração
Ilumine minha mente
Para pensar com emoção

2
Meu amigo Asséde Paiva
Pediu com delicadeza
Pra que eu contasse em versos
Usando minha proeza
Um pouco do senhor Acir
Eu aceitei com certeza

3
Do companheiro Asséde
Acir será bem lembrado
No apê nove zero dois
Era muito bem chegado
Essa perda imensurável
O deixou balanceado

4
E Acir era generoso
Verdade não se encobre
Amigo de toda hora
Tinha um coração nobre
Ajudava muita gente
Principalmente o pobre

5
Antônio nosso porteiro
De um óculo precisava
Tava com receita médica
Mas o salário não dava
Acir pagou pelos óculos
Para o Antônio doava
  6
Foi bom amigo um esteio
Da família cuidadoso
Se alguém adoecia
Punha-se à frente bondoso
Pagava dívida de uns
Pra todos atencioso

7
Foi um filho exemplar
Um irmão sempre presente
Cuidando de todos eles
Estando perto ou ausente
Todos unindo a conselho
Ele era muito diligente

8
Conduzia o seu clã
Com liderança maneira
E também era descendente
Do comendador Ferreira
Um homem de honraria
Em Bananal na fronteira

9
Theresa telefonava
Acode aqui meu irmão
E Acir pegava o carro
Ia veloz na direção
Levava pro hospital
Primeiro da região

Fala Asséde

10
Vou contar alguma coisa
Que não me sai da memória
Analisando meus textos
Revendo nossa história
Acir em bom português
Alcançava a vitória
  11
Era amante das letras
Revisava meu trabalho
Debulhava português
Como cartas dum baralho
Percorrendo as estradas
Não gostava de atalho

12
Ao terminar novo texto
Pedia-lhe revisão
Tinha opinião sincera
Erros não escapam não
E quando me devolvia
Era cheio de xis a mão

13
Pois ele sabia de tudo
A tal de ortografia
E corrigia as palavras
Sentindo a eufonia
E me dizia sorrindo
Eu vejo eurritmia

Falou Acir

14
Tu queres ser beletrista
Escreva com o sinônimo
E se tiver que rimar
Aí então use um parônimo
Com este ensinamento
Autor não fica anônimo

15
Ponha vírgula e dois pontos
E a tal interrogação
Faltam aqui ali além
Aspas e exclamação
Colchetes barras parêntesis
Asterisco travessão
 
16
Se às vezes discordávamos
Sem sair de um lugar
Consultemos o Aurélio
Pai-dos-burros vai falar
Tira-teima nossas dúvidas
Voltamos dialogar

17
Maiúscula letra rara
A use com muito respeito
Minúscula o tempo todo
Ainda em frase de efeito
Se for caso ressaltar
Use o itálico perfeito

18
Falta aqui um circunflexo
Ali um acento agudo
O verbo e o sujeito
Devem concordar, contudo
Este grave não existe
Degole já o papudo

19
E cuidado com a crase
Ela é casca de banana
Onde tem escorregado
Muito professor bacana
Se você a usar direito
Vencerá qualquer gincana

20
Olha as reticências aí
Três pontos fadigosos
Que deixam algo no ar
Pra leitores cuidadosos
Difíceis de decifrar
Pois são misteriosos
  21
Cuidado com o hífen
Que indica união
Ele é escorregadio
E finge de travessão
Que tem dobro do tamanho
Indica separação

22
O infinito pessoal
Que coisa dificultosa
Eu o aplico mais ou menos
Quem discorde faça glosa
O nosso idiotismo
Tá com tudo não tá prosa

Fala Asséde
23
Pra provar que o amigo
Faz uma falta danada
Tudo isto foi escrito
Quase sem ponto sem nada
Se ele quiser desça cá
Faz correção adequada

24
Acir e Roberto Sanches
Comigo em parceria
Auto de Natal criamos
Bonito sem correria
Foi um trabalho perfeito
Que peça que galhardia

25
Acir criança mostrou
A marca de oratório
E mestre em português
Poeta com repertório
Do professor indicado
Orador do auditório
  Fala Geraldinho

26
E assim era o Acir
Homem de bom coração
Já foi músico seresteiro
Tocador de violão
Com bela voz afinada
Ele cantava emoção

27
Quando abria o gogó
Parecia se transformar
A feição modificava
Ele tomava outro ar
Ao terminar a canção
Retomava seu lugar

28
E dizia com sentimento
Não posso cantar mais não
Perdi o timbre da voz
Nem toco mais violão
Nas cordas do instrumento
Meus dedos triscam em vão

29
E também era teatrólogo
Sem dúvida, muito bom
E mostrou grande talento
Em Um rastro de batom
Foi premiado no Rio
Diziam este tem dom

30
Cine Nove de Abril
Onde tudo aconteceu
Com Judas no Tribunal
Defensor escafedeu
Então o espectador Acir
Assumiu e o defendeu
 
31
Falou com tal veemência
E tinha mortal palor
Disse o crime é atroz
Contudo Deus é amor
Iscariotes absolvido
Pela defesa com ardor

32
Pois nenhum deles sabia
No auditório lotado
Que o Homem de Nazaré
Deu a todos um recado
O perdão dos pecadores
Como pediu ao Pai amado

33
E o juiz tão encantado
Quem és tu ó defensor
Eu sou o Paráclito
Ou Jesus o salvador
O Verbo que se fez carne
Pra trazer paz e amor

34
Tá Preso por ter cachorro
Preso por não ter cachorro
Encenado no Umuarama
Recebeu aplauso em jorro
Ele escreveu e participou
Era o artista com o gorro

35
Seqüestro das cebolinhas
No Gacemss apresentado
Na primeira tentativa
Deste trabalho encarnado
Foi aplaudido de pé
Um sucesso alcançado
  36
Acir era muito crítico
E também contestador
Do golpe em meia quatro
Foi um desafiador
Somente não foi preso
Por aviso do professor

37
Culpado foi dom Waldyr
De sobrenome Calheiro
Com os direitos humanos
Deu para ser fogueteiro
Mas Acir só foi cantar
E se meteu num vespeiro

38
Asséde Acir e Roberto
Saíram numa tardinha
Para passear e conhecer
Uma tal de fazendinha
Se realmente era fazenda
Ou uma cidadezinha

39
Pararam na portaria
Pra pedir informação
E eu fui bem educado
Senhores não vão lá não
É um pouco complicado
Enfrentar aquele chão

40
O lugar é pros senhores
Muito inconveniente
Bandidos lá andam soltos
Como cobra ou serpente
Matam os seres humanos
Como se não fossem gente
  41
Eu disse podem parar
Vão pra lugar recatado
Ou voltem lá para cima
Pra conversar sossegado
No apê do senhor Asséde
Tudo está arranjado

42
E eles voltaram atrás
Não queriam ser rescaldo
Olhe o que iam fazer
Se não fosse eu Geraldo
Se eles fossem até lá
Beberiam o seu caldo

Fala Asséde
43
Na Siderúrgica Nacional
Onde Acir trabalhou
Na Cecisa e na Cobrapi
Por estas empresas passou
Só não foi para Dupont
Porque Itacy não deixou

44
Ela gostava tanto dele
E nele levava fé
E disse você não sai
Nem que lhe segure o pé
Vou arranjar um lugar
Pra mostrar quem você é

45
Acir na siderúrgica
Destacou dos funcionários
Fez muitos companheiros
Com amigos operários
Sempre dizia estudem
Para ganhar bons salários
 
46
Foi exemplo na CSN
Duas vezes foi fichado
Embora a siderúrgica
Recuse ex-empregado
Ele foi exceção à regra
Homem probo e honrado

47
Pois é assim conseguiu
A ser readmitido
Porque a empresa viu
Seu valor reconhecido
Voltou pro mesmo lugar
De onde havia saído

48
Então ele voltou pro DOT
Pessoal selecionado
Pois era a nata da empresa
Trabalho organizado
Ele fazia organograma
E com boa letra traçado

49
Desenhava fluxogramas
Rotina procedimento
Burocracia sem vez
Pois reduzia o tempo
Falava este sistema
É um simples movimento

50
Na descrição do trabalho
Salário e função
E pesquisa de mercado
Viagem reunião
Em tudo participava
E dava opinião

  51
Nas confraternizações
Figura imprescindível
E era sempre intimado
Apresentar show de nível
Pois tinha voz de barítono
E por todos era audível

52
Saudades daquele tempo
Que imensa nostalgia
Nas casas de uns e outros
O grupo se reunia
Bebiam comiam riam
Em completa harmonia

Fala Geraldinho

53
Ele cansou da siderúrgica
Pediu pra se demitir
Trabalhar numa empresa
Em Barra do Piraí
Era sempre muito livre
Serenatas ir e vir

54
Ele entendia de tudo
Nunca ficava pra trás
Fez concurso e passou
E disse sou bem capaz
De ser um fiscal de renda
No estado de Goiás

55
Passou entre os primeiros
Muito bem classificado
Não o admitiram porquê
O concurso foi anulado
Tinham melado a prova
E ele foi prejudicado
  56
Mudou-se pra Santanésia
Fabricou papel de cor
Ativo e considerado
Pelo seu empregador
E treinava todo mundo
Era bom supervisor

Fala Asséde

57
E Acir ficou na CSN
Até se aposentar
Agora descansaria
Sem precisar trabalhar
Foi aí que recomeçamos
Novamente encontrar

58
Ele vinha em minha casa
Tomar café almoçar
Saborear um bom vinho
E também tagarelar
Eu passava em sua casa
Quando ia caminhar

59
Éramos dois bons amigos
E mais do que dois irmãos
Sempre nos comunicando
Com fala de antemão
Qualquer acontecimento
Nos punha de prontidão

60
A minha esposa Cecy
E meu filho Assedinho
Gostavam muito de Acir
E o tratavam com mimo
Quando vinha a nossa casa
Pra tomar o cafezinho
 
61
Três dias antes da morte
Olhem bem o sucedido
Meu filho ouviu no radio
Que Acir tinha morrido
Meu filho assustou muito
Deste fato ocorrido

62
Ligou para mãe Cecy
E foi lhe recomendando
Vê como conta pro pai
A nota foi lhe passando
Mas eu já tinha saído
E estava caminhando

63
Cecy muito assustada
Ligou pra casa de Acir
Pra confirmar o enterro
Que lugar devia ir
Mas para sua surpresa
Atendeu o irmão Adir

64
Riram muito do engano
De fato tinham que rir
Quem havia falecido
Era um xará de Acir
Foi bom ela ter ligado
Pra saber e conferir

65
Contudo dia seguinte
Acir nos apareceu
Contou tintim por tintim
Como foi que aconteceu
Disse não me assustem
Assustado eu fiquei

  66
Acir vivinho da silva
Riu muito antegozando
Ele disse já é três vezes
Alguém anda me matando
Mas eu continuo vivo
Almoçando e jantando

67
Na saída Cecy disse
Não nos deixe meu rapaz
Disse não preocuparmos
E podem dormir em paz
Deus está me dando fôlego
Vou mostrar que sou vivaz

68
Obrigado pelo afeto
Que vocês estão me dando
Cecy disse é verdade
Não estamos te enganando
Amigo é pra estas coisas
Aconselha avisando

69
Nós te amamos muito
És do nosso coração
E se você nos faltar
Nós vamos ficar na mão
Quem vai nos dizer sempre
Estou muito forte e são

70
Ele tinha alto astral
Bom-humor inteligência
A Cecy lhe adorava
Só por vê-lo com freqüência
Quando entrava na sala
Fazia café com urgência

  71
Na véspera de sua morte
Falou-me ao telefone
Nós vamos tomar um vinho
Ou então mudo de nome
É combater os remédios
Que a gente tanto consome

72
Eu respondi é verdade
Não saia daí agora
Precisa me esperar
Tô indo aí sem demora
Antes que a vontade voa
E o vinho se evapora

73
Mas não vai evaporar
Pode deixar comigo
Em menos de dez minutos
Eu estarei aí contigo
Levarei então o claret
Que parece ser antigo

74
Pus telefone no gancho
Para Cecy perguntei
Onde está o vinho velho
Ela me disse eu guardei
Peguei o dito na adega
Pra casa dele voei

75
Bebemos muito felizes
Alegres brindamos vida
Sem pensar que no momento
Saudamos a despedida
Acir num copo de vinho
Acenou com sua partida
 
76
E foi um tintim solene
Veja quanta ironia
Em setenta e duas horas
Acir do mundo partia
Deixando-nos com saudade
Levando sabedoria

77
A lembrança de Acir
Mexe muito com a gente
Ele era um ser humano
Alegre sempre contente
De repente eu o vi
Ficando muito doente

78
Um dia li seus exames
Brinquei com ele dizendo
Acir com tanta saúde
Você acaba morrendo
Será que exagerei
Por isso até arrependo

79
Ele não se aborreceu
Aceitou a brincadeira
E rimos gostosamente
Por falar esta besteira
A maldita diabete
Complicou a sua carreira

80
Laboratórios médicos
Diziam está tudo bem
Não tem nada no coração
Nos rins pâncreas também
E seu fole sopra forte
Parece de um neném

  81
O pulmão parece um fole
O coração é um tambor
Da próstata nem se fala
Macia como um amor
O fígado funciona bem
E a visão é de condor

82
Intestino preguiçoso
Não liga pra isso não
Tome logo um laxante
Resolve a situação
Pra rouquidão e tosse
Use pó de açafrão

83
Foi por isto que gozei
Pois parece brincadeira
Será que tinha levado
Paulada na moleira
Ele estava definhando
E os doutores de bobeira

84
Os doutores alertavam
Diabetes é traiçoeiro
Doença silenciosa
Ataca o corpo inteiro
Quando menos se espera
Joga no despenhadeiro

Fala da cigana

85
E um dia ele ia passando
No viaduto pro aterrado
Uma cigana chegou a ele
E pediu algum trocado
Ele apiedado falou
Tome e coma um bocado
  86
A cigana com filhinho
Disse vou ler sua mão
Você é um homem de bem
Não lhe cobro um tostão
Virou a palma pra cima
Ele diz não quero não

87
Cigana do Oriente
Do deserto de Tar
Atravessei vales montes
E aqui eu vim parar
Antes de seguir viagem
Deixa-me te ajudar

88
Eu tenho sabedoria
Herdei dos meus ancestrais
Leio no fundo dos olhos
Vejo suspiros e ais
Como pode sofrer tanto
Sem reclamar jamais?

89
Vamos viajar no tempo
Conhecer o firmamento
Só assim esquecerá
Angústias e sofrimento
Pode até reavivar
A alegria e sentimento

90
Nas linhas do destino
Na palma da sua mão
Tudo está enviesado
Vejo sem hesitação
E vossa a linha da vida
Quebrada de supetão
 
91
E ela falou para ele
Meu Deus! vai já pro doutor
Você tá com urina-doce
E a morte é um horror
Pois a linha da saúde
Prenuncia muita dor

92
Sou uma pobre cigana
Que vive de ler a sina
Você foi gentil comigo
Condoeu-se da menina
E vou rezar para você
Livrar do mal da urina

93
A você vou avisando
Não leve a saúde em vão
E resolva seu problema
Que ainda tem solução
Não pode demorar muito
E nem fazer reflexão

94
Eu tenho premonição
E vivo de déu-em-déu
Gostei muito de você
No meio do povaréu
Se você não se cuidar
Vai ficar um cacaréu

Falou Acir

95
Você leu buena dicha
Por favor pra mim não minta
Alimente sua filha
Porque ela está faminta
E vai embora daqui
Que a patrulha lhe dá tinta

  Fala Asséde

96
Acir contou para mim
Estava muito ridente
Mas eu fiquei muito sério
Ele ’tava mesmo doente
Eu pedi a Deus do céu
Pra salvar o padecente

97
Olha a força do destino
Aconteceu foi comigo
O lance da despedida
Não passou despercebido
Em julho dois mil e sete
Acir foi pro outro abrigo

98
Não veremos mais Acir
Seu sorriso seu semblante
As palavras de consolo
A grandeza dum gigante
Na terra Acir Reis dos Santos
Nos céus estrela brilhante

Falou-me antes da morte
Dos medos e do pavor
Primeiro quando morrer
Não queria exalar odor
Segundo não dar trabalho
Aos parentes ou quem for

99
Deus ouviu o seu clamor
Foi encontrado sem vida
Ao lado do sofá cama
Bateu asas em despedida
Com o telefone na mão
Comunicando a partida
  100
Pedindo talvez socorro
Para fugir do jazigo
Possível que no momento
Quisesse estar comigo
E fazer a transição
Nos braços do amigo

101
Ângela o viu deitado
Chamou não teve resposta
O carro estava de fora
A mesa estava posta
Precisou adivinhar
Pois ele estava de costa

102
Chamou a mim e vizinhos
Arrombamos o portão
Vimos ele dentro de casa
Caído naquele chão
Meu Deus que aconteceu
Com aquele meu irmão

Fala Geraldinho

103
Sou o poeta Geraldinho
Vou reverenciar Acir
Aprendi a respeitá-lo
Desde quando o conheci
Pois com ele em pouco tempo
Muitas coisas aprendi

104
Às vezes aqui sentado
E junto ao aparador
Eu perguntava pra ele
Como se passa o senhor
E ele dizia meu filho
A perna está um horror
 
105
E suspendia a calça
Membros sem circulação
Pernas gordas amarelas
Pé achatado no chão
E dizia eu morro disto
Pois tenho muita aflição

Falou Acir

106
Estou muito estressado
O calcanhar azulado
O fôlego está pouco
Eu estou todo inchado
Pois o pé embora fraco
Me carrega no mercado

107
Tô na taboa-da-beirada
Acho que estou no fim
Meus irmãos então sozinhos
Precisam tanto de mim
Estou tombando de lado
Arrastando o borzeguim

108
A barra está pesada
Eu num beco sem saída
São mãozadas de remédios
Diabete não contida
Estou nesta enrascada
Não saio dela com vida

109
O doutor recomendou
Comer com pouca gordura
Contudo eu sou chegado
A comida com fritura
Não resisto a um torresmo
Nem queijo com rapadura

  110
Sou louco por arroz doce
E por leite condensado
Musse de maracujá
Balas de coco raspado
Como quindins de iaiá
Doce de cidra ralado

111
Broa de fubá e ovos
Adoçada com tal qual
Isto eu como guloso
E acho muito legal
Pois este tipo de bolo
Eu sei que não me faz mal

Fala Geraldinho

112
Vou lhe dar conselho amigo
Do fundo do coração
Vai procurar curador
Pra ver a situação
Pois sua perna redonda
Parece mão-de-pilão

113
Sô Acir faça regime
Sério não cace indaca
Açúcar no sangue ai
Cura com pata-de-vaca
E siga suas receitas
Evite deitar na maca

114
Sentei-me pertinho dele
Até pra lhe confortar
E ele estava tão triste
Comecei lhe perguntar
Como que o senhor consegue
Sapatos para calçar
  Falou Acir

115
Os sapatos meu amigo
Não estão postos à venda
Somente em Juiz de Fora
São feitos por encomenda
Pra fazer o meu calçado
Desfalco a minha renda

Fala Geraldinho

116
Dias antes de partir
Andava devagarzinho
Eu abri o portão para ele
Recebi-o com carinho
Encostou-se no balcão
Conversava bem baixinho

117
Eu descansarei um pouco
O fôlego tá sumindo
Sentei-me ao lado dele
Ânimos foram surgindo
“Pode ligar pro Asséde
Diga que estou subindo”

Foi última vez que o vi
Isso não me sai da memória
Descanse em paz Acir
Fique no reino da glória
Tua lembrança permanece
Presente em nossa história

118
Pois ele hoje é uma lenda
Venceu a morte numa boa
De noite oramos pra ele
É o seu passo que ressoa
E nos fala zangado
Eu sou fênix que avoa
 
119
Assim meninos e meninas
Amigos irmãos que tais
Acir está no empíreo
Cantando com seus iguais
Abraçando seus amigos
Lendas não morrem jamais

Fala Asséde

120
Teve justa homenagem
Da FOA e Roberto Guião
Grande salva de palmas
Ressoou na multidão
E foi um tributo póstumo
Para Acir na ocasião
  121
Vou findar a distinção
Pois sofro profundamente
Onde estará Acir?
Será a alma ardente
Ensinado artes cênicas
Pros santos e Deus clemente

122
Ó Divino Pai Eterno
Expressão do sumo bem
Acolha Acir no céu
Porque é seu filho também
Veja o caminho da luz
Por Jesus Cristo Amém

  Fala Acir, no plano espiritual

123
Ah, meus irmãos dotianos
Não chorem por mim em vão
Deus me concedeu entrada
No celestial portão
Toco pra anjos e santos
Solando meu violão

FIM, FINIS, THE END, C’EST FINIE, FINITO — ADEUS, ACIR!

Como disse Santo Agostinho:

A morte não é nada,
Eu somente passei para o outro lado do caminho.
Eu sou eu, vocês são vocês.
O que eu era para vocês, continuarei sendo.
Me dêem o nome que vocês sempre me deram.
Falem comigo o que vocês sempre fizeram.
Vocês continuam vivendo no mundo das criaturas, eu estou vivendo no mundo criador.
Não utilizem um tom solene ou triste, continuem a rir daquilo que nos fazia rir juntos.
Rezem, sorriem, pensem em mim, rezem por mim.
Que meu nome seja pronunciado como sempre foi, sem ênfase de nenhum tipo, sem nenhum traço de sombra ou de tristeza.
A vida significa tudo que ela sempre significou.
O fio não foi cortado. Por que eu estaria fora de seus pensamentos, agora que estou apenas fora de suas vidas?
Eu não estou longe, apenas do outro lado do caminho...
Você aí que ficou, siga em frente!
A vida continuará linda e bela, como sempre foi.

Homenagem dos irmãos de Acir

Em 13 de janeiro de 1991, Acir visitou um amigo em Belém do Pará. O amigo chamava-se Joaquim Mendes do Nascimento “Rei da Tapioca” e poeta de cordel. Assim, ele versejou em homenagem a Acir ipsis litteris verbis:
Bom-dia, senhor Acir
Como vai, como é que está?
Por favor, seja bem-vindo
A nossa Belém do Pará
É um prazer para mim
E na casa do Benjamim
Muito feliz até voltar.

Que seu regresso aconteça
Com plena satisfação
E Jesus o acompanhe
No carro ou no avião
E leve de nossa gente
O feto sorridente
E do Pará boa impressão.

Leve de um velho poeta
Inclusa admiração
E deixe aqui conosco
Sincera recordação
Estimei em conhecê-lo
Mais uma vez quero vê-lo
Mesmo em outra geração.

  O seu Acir saiu do Rio
Bem disposto e bem sadio
Pra conhecer o Pará
E também saborear
O pato no tucupi
Provar nosso açaí
Maniçoba e tacacá
Vatapá e caruru
Pudim de cupuaçu
E suco de tapererebá.

E agora seu Acir?!
Se achou algo ruim
Procure o seu Benjamim
Para melhor se explicar
E antes de regressar
Vá conhecer Marajó
Para ver um carimbo
Numa noite de luar.

Vá ver a ponte do Outeiro
Mas não esqueça a do Mosqueiro
E dê um pulo em Marudá
A praia deusa do Pará
Com topless sem osso
Sem espinho e sem caroço
No jeitinho de mascar.

Texto publicado no Benficanet em 07/08/2015

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