Junho, 2016, revisado
em fevereiro de 2018
Totus Atomus, o Absoluto, reinava no
princípio de todas as coisas Como era o todo, estava em cima e embaixo, aqui
e ali; flutuante em imensidão de matéria escura. Diz a lenda que o ponto
brilhante era o ovo de um ganso mitológico.
Após a eclosão do ovo cósmico, nasce Orbe-caos que dilata
e contrai continuamente, em face de forças centrífugas e centrípetas.
No Universo recém-criado, Caos, coexistem trevas, luz e
silêncio assombroso. De repente, formidável sopro vivificador fiat.
Atomus age... Lux e Lúmen, mestres de luz, em sistema espaçotemporal agrupam
num campo gravitacional, partículas elementares a que chamam bola e a chutam
em planisfério. Quando passa entre dois aglomerados de estrelas limitados
por trave de plasma é gol.
Eles vão a Atomus ou Totus, o compositor das coisas
visíveis e invisíveis.
— Aleluia! Heureca! Inventamos fiquibol, mestre!
— Genial ideia! Fiquibol é palavra feia sugiro balípodo
ou pebol; hum-hum, estranhos verbetes, football é mais bonito, tem
eufonia e inspirado em Álbion; nacionalizo o termo para futebol, conforme o
gênio da língua. Vejo invejosos por aí conjurando para proclamar república,
instalar regime presidencialista e sufrágio universal; porém, a monarquia é
firme qual rocha, o gentio me ama e sou da sua grei. Chamem Cloro, Flúor,
Carbono (CFCs) para jogar e cuidado, amálgama dos três, o diabo fez; eles
interagem, fazem furos na camada de ozônio, acarretam efeito estufa. Vou
criar no organograma da alta administração, uma Fundação Orientada
a Módulos Esportivos (FOME), e pôr Argentino Argênteo Prata
como diretor.
Futebol é sucesso no Planeta Azul, santo Graal do
entretenimento; paixão... alheamento. Todos se encantam: crianças, moços,
moças jogam na meninice e na mocidade; os talentosos idosos mantêm a forma
no campinho dos seniores: — Mente sã em corpo são — tal é a lei. Futebol é o
estopim da catarse coletiva: pátria de chuteiras, e outros lemas
altissonantes. Brotam equipes em várzeas; nas cidades realizam-se torneios.
São campeões em distantes plagas, menos no próprio berço, infelizmente.
Vige o ciclo da bola. Manuscritos registram, no espelho
distante da história, a saga de outros ciclos que trouxeram riqueza,
projeção e poder para poucos.
Como sempre, há controvérsias: Totus ordena, e agentes
antioxidantes saem à caça dos detestáveis anarquistas (radicais livres) e os
põem na cadeia; não adianta nada, eles oxidam as células, fogem e insuflam a
plebe dizendo: monarquistas dão pão e circo. Estes retrucam: promovemos o
bem comum, através do esporte solidário.
Totus decide realizar o clássico das multidões, nunca
visto no país encantador; jogo relâmpago, padrão vapt-vupt, em arena (antes
estádio) monumental do Valência, com atletas bons de bola e de técnica
aprimorada; são craques advindos das Unidades de Medidas Físicas, contra
Elementos da Tabela Periódica.
Falta verba para obras de mobilidade urbana e de
estádios... quem se importa? Sem problemas: repassam-se $$$ (bilhões) a
fundo perdido para os esportes. Cria-se na estrutura orgânica do reino o
cargo de adjunto financeiro, e nomeia Prata, que adota a rubrica Ag (de
Argentum), para assinar o papelório com mais rapidez.
Ti-ti-ti de Ti (Titânio), elemento durão que adora uma
órtese.
–– Prata é alpaca, é ‘umseteum’ (número fatídico no
inconsciente coletivo dos súditos).
Argos Panoptes, o que tudo vê, joga lama no ventilador
redigindo panfletos apócrifos, acusando áulicos de desvio de conduta e
malfeitos.
E a mídia pede providência.
Argentino, acusado, constitui o advogado Avogrado, que
apresenta contratos, aditivos, faturas, duplicatas, enfim, todos os
documentos, sem convencer ninguém... E há uma gravação comprometedora
autorizada pela justiça.
“Prata é argentário”, ressoa o povo. “Superfaturamento,
majestade”, sussurra o insidioso Césio. Será tunga de Tungstênio? Não, não!
Ele é duro, sim, e do bem. A acusação é inconsistente. É muito fumo e pouco
lume. O processo é arquivado por falta de provas.
–– Ai de quem pisar na bola! Malfeitos não serão
tolerados. Palavra de monarca.
Do alto do trono sabe dos descaminhos e não está
satisfeito. Cria Grupo de Trabalho (GT), formado por Protactínio, Sódio e
Cálcio: os Pa-Na-Ca, que acusam Arsênio, elemento de péssima reputação, por
compor água-tofana. Mas a polícia de Chumbo inocenta os três elementos e
indigita Carbono “C” que, sob grande pressão, cristaliza-se em forma
alotrópica de diamante; melhor pra ele, pois é engastado em diadema.
O time dos Químicos tem nome antiquado de Chimico
Football Club. Graphia anachronica traz um quê de nobre.
Titulares: Ferro, Silício, Carbono, Tântalo, Ouro/Au,
Germânio, Hidrogênio, o primeiro entre pares e capitão; Promécio, Polônio,
Estrôncio e Térbio. Reservas: Césio, Cobalto, Germânio e Lutécio. Comissão
técnica: treinador, Mercúrio; massagista é Mercurocromo. Sódio, o médico,
sempre junto a Cloro.
Pensam afastar Ouro (Au), por se cobrir com película de
ganga, mas ele toma um banho de solimão e volta auriluzir o esplendor de
seus 24 quilates. Assim, tem a escalação confirmada.
O Time dos Físicos é este: Mho (capitão), Rad, Newton,
Hertz, Gauss, Farad, Volt, Joule, Kelvin, Ohm e Watt. Reservas: Weber,
Henry, Tesla e Siemens, no posto de Angström, contundido. Seleção estupenda,
a melhor jamais formada. Treinador Pascal, doutor Maxwell substitui Dina,
doente; Torr, massagista; e Sievert, roupeiro.
Ampere, descoberto espionando para os químicos é
desligado e usa tornozeleira de amperômetro.
Erg é o juiz, Túlio e Tálio, bandeirinhas; gandulas do
prélio, Nó e Mach.
O equilíbrio físico-químico é notável, e prenúncio de
disputa empolgante.
Quiloton, cartola arrogante, sinistro, ameaça todo mundo
com o cogumelo-mor, se os físicos perderem. Ademais, exige mordomias
inerentes à cartolagem.
O locutor esportivo inicia a transmissão. Ele é o famoso
radialista Rádio, a irradiar de norte a sul, de leste a oeste, na crista das
ondas hertzianas.
— Serei olhos e ouvidos dos radiouvintes. Nas engrenagens
da fantasia, infinitas emoções nos aguardam no horizonte de eventos; físicos
são alviverdes e trazem ao peito a letra “F” sobre raio. Químicos são
rubro-negros e têm monograma “CH”, dourado sobre retorta, na lista preta da
camisa. A dupla Ósmio/Irídio avaliará se o juiz tem norte ou se está perdido
no campo. Há eletricidade no ar. O estádio Valência dois ondula com a ola,
sem perigo estrutural, segundo Richter, meu consultor. Galera dos químicos
agita braços em histeria realmente hipnótica: Ahá, uhu, tererê! Hip-hip-hip,
hurra! As saltitantes meninas Caloria, Frigoria e Termia são animadoras;
abanam pompons, dão gritos estridentes: “Eia-eia-eia”! Na equalização
atômica, mantêm a temperatura amena.
O juiz Erg, com estilo altaneiro, dá panorâmica no campo
e ajusta o cronômetro. Priirriim!
O amistoso começa a megavelocidade: jogadores “Fi” atacam
em rolo compressor; bola de pé em pé. Ohm, elétrico a Kelvin, que atrasa a
Hertz; este, mais ainda a Watt, em diagonal a Joule, de trivela a Ohm, que
dá o sensacional drible da vaca no venenoso Polônio e avança, sendo contido
no instante fatal por Hidrogênio, que tem gênio explosivo e manda bola e
jogador para fora do campo. Rad toma cartão amarelo, bem feito! Carbono, o
diamante negro, recebe por cobertura; dá meia bicicleta... por pouco, pouco,
muito pouco mesmo, a bola está na rede de Mho. Ferro, fora de forma dá
chutão para fora, pixotada. Reposição pelo gandula Nó. Tesla bate escanteio
é gol! Olímpico... anulado. Empurraram o goleiro. Siemens joga muito e
desloca Ferro e Estrôncio; dribla Newton e Hertz, faz fila, manda na trave;
no rebote, Germânio estoura o véu da noiva de Mho, é gol! Um a zero para
químicos.
O treinador dos físicos, na base dos gestos e no grito
ordena: Lance na linha de fundo! Cai pra direita, pra esquerda, aperta no
meio, inimigo aí! Vai que é tua! Ah, lambança de Farad.
Na intermediária, Kelvin cai; o juiz pede socorro, é
défice de potássio, câimbra. Maqueiros, Fahrenheit e Réaumur levam Kelvin
para fora do campo. O caso é mais grave, Kelvin quebrou o rádio, é
substituído por Weber.
As saltitantes meninas Caloria, Frigoria e Termia,
animadas abanam pompons, dão gritos estridentes: “Eia-eia-eia!” Na
equalização atômica (o jogo é neste nível) a temperatura é elevada.
Lances maravilhosos: bicicleta, canetada, lençol, chapéu,
bate-pronto, chicote, voleio, cavadinha, embaixada. E também antijogo:
carrinho, tesoura-voadora, calça-pé, solada; enfim, futebol arte & manha.
Desespero de Mercúrio incitando Promécio servir ao Au: ao Au, ao Au, idiota!
Mas Ouro foge do sarrafo e os físicos não perdoam: “ouropel!” Mho encaixa
bomba de Hidrogênio e manda a Newton; ele é um artista, entorta Tântalo com
drible de corpo. Mão na bola na pequena área; ouve-se o apito acusando a
infração. O pênalti é batido e perdido por Tesla. Na intermediária, Germânio
sola Joule; é falta. Autorizado a cobrar, Gauss dá folha-seca perfeita,
incrível curva de Gauss. Ferro fundido ao chão só vê a bola no fundo da
rede. Gol! Um a um.
Os químicos incentivam: “Com’é, com’é, que é? É big, é
big, é big-big-big! É hora, é hora, é hora-hora-hora; rá, tchibum!
Qui-qui-qui!”
Torcedores dos físicos rebatem: “O Rad e o Newton, olelé,
olalá! Resolveram combinar, olelé, olalá! Não deixar bola passar, olelé,
olalá! Para os físicos ganharem!”
Newton dá carretilha em Silício, a galera vem abaixo
óóóó. Volt faz partida eletrizante, de repente, entra em curto, há estrondo
e fogo; ei-lo jogando contra o patrimônio. Pascal incita: Volte Volt! Volte!
Ah, Volt, estúpido! O clarão do arco voltaico ofusca a arquibancada.
Aplausos, pois pensam que o iluminamento é parte do espetáculo. Pane geral:
“arquibaldos” e “geraldinos” abandonam a arena.
Erg ergue os braços e aponta para o centro do campo,
encerrando o jogo valendo pelos dois tempos.
Zi/Gálio, ex-jogador e ex-treinador famoso, prolata que o
empate é bom resultado para os times.
Os neutrinos, mais velozes que a luz, passaram antes do
jogo. Apressados comem quente.
O histórico jogo, cravado a ferro e fogo, jamais será
esquecido. Súditos mais antigos baterão no peito: meninos, eu vi! Tudo
registrado nos pergaminhos, folhetins e cordéis, lidos e cantados em prosa e
verso, de pai para filho, ao escoar dos séculos.
Pascal afirma aos repórteres que combateu o bom combate.
À noite, festa apoteótica: Lux e Lúmen iluminam a cena ao
derredor com cem velas; Caloria, Bária, Atmosfera, Candela, Dioptria e
outras meninas brincam de roda parafraseando cirandas:
Dizei bela Candela, com quem vós quereis casar; / se é
com o filho de Mho, ou com o filho de Bar, Bar, Bar. / Não quero nenhum dos
dois, pois eles não são para mim, / meço fonte luminosa, querendo brilhar
sem fim, / ai de mim! // Sou de fóton, fóton, fóton / de marré, marré, marré,
/ e de quanta, quanta, quanta, de marré deci.
Gadolínio da família Terrarrara, na sanfona, anima o
bródio. Magnésio fotografa tudo: clique, flash; clique, flash;
daí cisma ser roda, se liga a Alumínio, seguem estrada afora, cumprindo o
destino das rodas...
Argentino puxa a quadrilha: anarrié.
O rei aborrece-se com os desviantes do reino e reflete:
“Há iniquidades ao meu derredor, vejo corrupção e crimes
aborreço-me, meu desencanto exige correção de rota”.
Muitos pressentindo o drama fogem da festa: Enxofre
tresanda ovo choco e desperta os primitivos terrores do inferno.
Aristocratas da confraria dos gases nobres: Hélio, Argônio, Xenônio sobem às
nuvens e desaparecem em céu plúmbeo, tragados por buraco negro. Mercúrio
trinca o bulbo, volatiliza e envenena indiscriminadamente. Ouro chape-chape,
chapinha na poça de água-régia e se dissolve. HoHoHo! Gozação de Hólmio a Au
liquefeito. Fósforo ama Platina, mas não rola química. “Oh, dor! sou fósforo
riscado no bar de Bar”. KKK! É Potássio escarnecendo da desgraça alheia. Os
quatro cavaleiros do apocalipse: Cobre, Chumbo, Cádmio e Níquel, do clã dos
metais pesados efluem, refluem, poluem terra, mar e ar. Drama ecológico a
vista.
Bário parodia guarânia famosa, Meu primeiro amor:
–– Meu primeiro Raio-X / tão veloz passou, / só chapa
tirou / deste gastro meu.
Imbróglio siderúrgico em convertedor: Ferro, Carbono,
Manganês, Cromo e Oxigênio a 13000C, a clarões de estrelas
liquefazem-se em estrondeante metalurgir. Da sopa flogística nasce o aço
inoxidável.
Há sinergia entre Sódio e Cloro. Eles se abraçam e
transmutam-se em coluna de sal.
Plutônio, espoleta, com Urânio enriquecido (U-235) sopra
ruindades no ouvido do rei Atomus:
“Exploda, já! Exploda! É hora da rosa das rosas.”
Totus Atomus expande e expande, revoluteia. No limite do
espaço-tempo, o grande colapso, big-crunch acontece em contrações; em
vez de explodir, implode e volta ser um ponto brilhante na energia escura em
eterno devir.
Memento quia pulvis es et in pulverem reverteris
(És pó e ao pó voltarás)