Aquele nome estava arrasado, abatido e arruinado.
Era charmoso, de classe importante: chamava-se
Substantivo Próprio, todos de mesma linhagem exigiam primeira letra
maiúscula para mostrar status. Até agora, não mais. Talvez, nunca
mais...
Caminhava pesaroso e pensativo por sinuosa Via
Vernácula, quando topou com Numeral marchando em sentido contrário: “um,
dois, um, dois, feijão com arroz…”
Pararam sem se tocar, afinal Substantivo Próprio tinha
borogodó. Numeral parou de contar e perguntou:
–– Por que anda tão cabisbaixo, colega Substantivo?
–– Estou triste, porque roubaram ou sequestraram meu
Adjetivo e agora sou Substantivo desqualificado.. Pior, assoberbado por esse
fato, nem me dei pela falta de meu companheiro Artigo, que me dava cobertura
e me definia. Logo Artigo Definido! Imagine que falta estão me fazendo: de
Substantivo Próprio passei a Substantivo Comum ou menos; na verdade, minha
tendência atual é ser Abstrato.
–– Não se amofine caro amigo, ser Substantivo Abstrato é
megachique em Paris. –– Numeral tenta dar força. –– Você tem muitas capas:
pode ser singular, plural, simples, composto, concreto, sobrecomum, comum de
dois gêneros e mesmo andrógino, seja: masculino e feminino.
–– Quero meu Adjetivo Qualificativo, iletrados me põem
em nova classe, dos Obscenos, em vez de Epicenos. Estou na pior, com astral
muito baixo. Eu sei que esta tipificação é anacrônica, porém gosto de ser
assim. Em Portugal ainda me amam. Ai de mim?
–– Por isso está sorumbático, de crista caída?
–– Nada me interessa hei de achar meus companheiros!
Acabrunhado estou, não me importa derredor. Tirei soneca em baile de
Estilística, acordei sem Adjetivo; quando olhei pros lados, até Artigo
Definido tinha sumido, volatizaram-se, desapareceram, sumiram. Tenho dúvida
atroz: fui furtado ou deletaram meus companheiros? Que fazer? Ninguém
presente no baile assumiu culpa pelo desaparecimento de meus acompanhantes.
Dormi demais logo após aquele chá sabor “lúcida loucura”, servido por
Oxímero, creio que estava oxidado de oxicoco. Saí por aí, em estrada
vernacular, procurando meus asseclas, digo assessores ou anexos. Pobre de
mim: desqualificado, indefinido. Eu, “senhor” Substantivo, agora, sou apenas
Substantivo inominado.
Numeral apenas para colaborar sugeriu que substantivo
contratasse detetive para investigar tal quiproquó, se não perderia o posto
entre as classes de palavras substantivas.
–– Vá procurar Verbo, que tem bom trânsito em orações e
sem verbo é difícil entendê-las, talvez possa dar alguma luz.
Bom conselho germinou em terra fértil, e Substantivo
saiu procurando verbo aqui e acolá. Achou operando em modo
mais-que-perfeito.
O Verbo intransitivo, perguntou ríspido:
–– Que quer?
Na verdade, Substantivo arrepiara com modo imperativo do
verbo, lembrava imperativo categórico, arrogante. Entretanto, respondeu
estar à procura do qualificativo sumido, bem como, do guarda-costas
assumido, a famosa letra “O”.
–– Quero contratá-lo doutor Verbo para essa
investigação. Tenho boas referências suas como detetive, dizem-no
Verbo-Divino.
Após ouvir lengalenga já conhecida, verbo abre verbo, ad
verbum:
–– Tá bem, eu estou aqui desde o princípio, vou
investigar. Você é tremendamente importante por designar seres em geral,
precisamos de sua presença, vou cair em campo, quero dizer em tempos e
modos. Tenho disponível Adjetivo Superlativo. Serve?
–– Você é detetive? Vendedor? Charlatão?
–– Tempos bicudos me fazem distribuidor de toda
nomenclatura. Ofereço-lhe Interjeição? Adotando-a, você se chamará
“Substantivo Alvíssaras!” Pensando bem, “Substantivo Oxalá” é melhor, gosta?
–– Com devida vênia: nããão! Estou irritado, pronunciei
esta partícula tão negativa, prerrogativa de Advérbio.
–– Calma! Acho que a indefinição deixou você
emocionalmente instável. Vem cá!
–– Sim, vou, claro, me desculpe, preciso reencontrar meu
ego, estou em crise de identidade. Afinal, quem sou? Comum, Concreto,
Abstrato Coletivo, Simples… quero ser Próprio e ter de volta meu companheiro
Artigo Definido. Sentia-me tão importante: “Lá vem Substantivo Próprio”,
diziam uns. É dos bons... Ninguém vive sem mim em frase, exceto verbos
representativos de fatos naturais como: chove, troveja. Fora disso, só nas
frases tortas e/ou incompletas. Falta-lhes algo, talvez alma. Sou nome de
oração.
–– Tem algum sujeito suspeito?
–– Há Pronome, ele quer tomar meu lugar, sempre quis, e,
muitas vezes faz isso com certa petulância, porque na frase dá sonoridade e
eurritmia.
–– Talvez Pronome deva ser interrogado, quem sabe
avançou sinal e tomou seu sobrenome Próprio. Pronome faz estas coisas, é de
sua natureza.
–– OK! Pronome pode ter feito asneira, estou sempre de
olho nele, mesmo nas formas “eu”, “tu”, “ele”, “nós”, “vós”, “eles”, tão
próximas de você, Verbo.
Nisso, vai passando pela mesma estrada vernácula, um
escabreado Artigo Indefinido que é chamado pra depor.
–– Sou Indefinido, por definição estou fora, sem
pistas, ó meu!
Contesta o Verbo:
–– Ei, viu Substantivo Próprio, sim! Afinal, formava
trio com Substantivo e Adjetivo.
–– Juro que nada sei! Sou indefinido, Ad perpetuam
rei memoriam.
E Verbo foi procurar Advérbio, que por nome é quase
anexo (ad+verbo) e tem como diversão modificar verbo, adjetivo e ele mesmo,
advérbio. Sempre mudando, mudando.
Advérbio, seguramente sabia das coisas, astuciosamente
se fingiu de morto.
Em seguida, Verbo acompanhado de Substantivo, capenga,
visita dona Preposição, bem relacionada com fraseologia, pondo duas orações
lado a lado explicadinhas, sem adiantar nada na problemática do Adjetivo
desaparecido.
Procuraram e questionaram dona Conjunção; ela
desconversou dizendo estar coordenando duas copulativas, entretanto,
concessiva, informou ter visto Adjetivo passar de fininho à medida que ela
proporcionava uma integração.
Seguiram adiante, havia ainda variáveis consideráveis. E
Verbo deixou de lado precauções indo direto investigar Interjeição, mas ela
reagiu:
–– Vote! Meu caro, comigo é no grito, não vai dar.
Basta! Pinica daqui!
–– Senhora Interjeição, por favor, acalme-se;
intramuros, Sujeito Oculto a apontou dizendo que tens simbiose com
substantivos como em oh! Deus; demônio! E outros.
E Interjeição, agora em crise introspectiva, perdeu
sinal peculiar sinal (!), saiu de fininho para limites das classes de
palavras. “Sobrei”.
Verbo esgotara todos meandros gramaticais, e voltou a
perquirir Conjunção, que disse não poder perder tempo, tinha muito afazeres
para coordenar outras orações ou subordiná-las a sua liderança.
Verbo, num beco sem saída, acusou Preposição de
imiscuir-se em assunto alheio, fazendo ligações inconvenientes com
partículas “de”, “para”, “por” “entre”, roubando a oportunidade de Adjetivo
e Substantivo.
Para assegurar total isenção, Verbo formou comissão de
notáveis figuras de sintaxe: Hipérbole, Metáfora e Metonímia, todas
incorruptíveis. Após marchas e contramarchas, muitas reuniões e aliterações
de posições, chegaram finalmente a veredito inesperado:
Falou Hipérbole:
–– Após extensa e exaustiva análise de provas e ovas,
fatos e relatos, esta muitíssima honrada comissão concluiu definitiva,
inapelável, inafiançável e venerável, que:
–– Fala logo! Tô morrendo de vontade de saber
tudo, hiperbólica Hipérbole. –– Reiterou Substantivo.
Silêncio retumbante, constrangedor.
–– Substantivo é considerado culpado fazer ligações
frágeis, volúveis, efêmeras e perfunctórias com variadas palavras. Classe...
Sinceramente, ele nunca se preocupou em construir compromisso duradouro e
certo com palavra alguma. E agora vem reclamar que foi abandonado por
companheiros de jornada.
–– Protesto! –– Tentou reagir substantivo. Sou obrigado
por usuários da língua a ser ora masculino, ora feminino, ora singular, ora,
ora… alternativas me sufocam, me fazem perder o ponto e o juízo.
Hipérbole continuou:
–– Sim, usuários devem e podem usá-lo como convier.
Aceite condição de comum ou abstrato, plural ou singular, macho ou fêmea,
com regalias inerentes, apenas cumpra seu papel. Mais importante do que você
é a comunicação entre pessoas, seja como quiserem que seja! Cada qual tem
artigo e adjetivo que merece.
Metáfora cortante:
–– Você é “vadio”, “arroz de festa”, “vai quem quer”,
promíscuo, sua condição de macho é questionável.
–– Alto lá! Retrucou Substantivo. Não precisa ofender
minha moral. Quer dizer que Substantivo Próprio já era?! Tudo será Comum?
Impossível aceitar. Ora, ora, não posso concordar com veredito
insustentável.
Substantivo saiu mais desolado e confuso do que nunca da
fatídica decisão. Em consequência, Verbo foi demitido por ter sido
imperfeito em investigar. Todavia, ele contestou garantindo que em futuro
próximo seria mais diligente, incondicional, afinal estava investigando
desde pretérito tempo.
Substantivo, irredutível, ciente de seu poder, mais
concreto do que nunca, contratou Adverbio, tão amigos em locuções
adverbiais.
Jactou-se advérbio:
–– Posso adverbializar qualquer classe, principalmente
Substantivo, mas Artigo não dá!
Substantivo desaba:
–– É o meu fim… esse mundo relativista, sem moral e sem
ética, nos transforma em seres sem identidade, sem definição, apenas
vocábulo perdido na multidão.
Contudo, investigações posteriores localizaram os
desaparecidos. Na devassa, Artigo Definido brincava carnaval, travestido de
Interjeição, usando chapéu circunflexo e bengala, perfeito Arlequim;
Adjetivo foi localizado felicíssimo, com atributo superlativo absoluto
sintético. Disse ser muito valoroso e que sua definição como qualificativo
estava fora de moda.
–– Vocês queriam tirar sarro de mim? –– inquiriu
substantivo.
–– Sim, chefe.
–– Quase me acostumei sem vocês, ninguém sentiu falta do
a e o. Quanto ao adjetivo, fiquei inseguro, desqualificado
mesmo. Quanto ao Artigo, nesta aventura apareceu raramente. Alguém sentiu
sua falta? Foi omitido deliberadamente. Será expletivo...
–– Agora, estamos juntos novamente. É lindo isso. ––
Apaziguou Adjetivo.
–– Sim, o belo reencontro, a alegre união, a verdadeira
amizade, a clareza, sem indefinição. –– Poetizou o Artigo que reapareceu com
pompa e circunstância e prolatou:
O objetivo foi subverter a norma, não segui-la, daí,
sequestramos, na história, o Artigo (O, A) e adjetivos, algumas frases
ficaram bem claras; outras, um tanto truncadas. Os sábios estavam sugerindo
preconceito linguístico.
Substantivo encerrou a história:
–– O desaparecimento de vocês me ensinou uma coisa: se
tudo é discutível, devo aceitar desvios da regra. Se tudo se transforma
continuamente, devo aprender com mudanças. Amigos, a presença de vocês me
dava uma falsa sensação de segurança, de que cada coisa estava em seu devido
lugar, como se o mundo fosse perfeito e todas as palavras felizes. Eu me
achava melhor que os outros, era O Substantivo Próprio, o centro das frases,
o umbigo da língua, o insubstituível. Agora, percebi o liame que interliga
todos nós na infinita teia da comunicação, que é a teia da vida. Na verdade,
somos conjuntamente responsáveis pela realidade que construímos a nossa
volta.
Sintaxe/semântica em paz, e fim com sinal medieval de
fim de texto. –––––––––