Dias atrás, fui
convidado a assistir na Câmara Municipal da cidade, a um encontro de
advogados do Sul-Fluminense, onde aqueles doutores, no pináculo, no topo do
sucesso e da glória, trocariam experiências entre si e as passariam, ao
mesmo tempo, para os mais novos ou iniciantes na profissão. Os ilustres
causídicos da região tomariam assento no lugar no alto da tribuna, como de
praxe e de lá poderiam conversar sobre os vaivéns da profissão, e “ouvidos”
pelos presentes ao encontro. Dei olhada panorâmica no plenário, que para
minha decepção estava pleno de vagas; seja, quase totalmente vazio, faltavam
os ouvidores. A maioria dos presentes era composta dos familiares; aliás, a
coordenadora expressou claramente, duramente seu despontamento com o pessoal
do ramo.
Que pena! Sei que é assim mesmo, nós, os brasileiros,
somos avessos a encontros de qualquer natureza, mesmo que sejam para
banquete de graça. Advogados não se interessam pela experiência alheia,
talvez tenham até ciúmes ou inveja dos vencedores na profissão. No caso
presente, estava a nata dos advogados da região. Olhando num espelho bem
distante, relembrei que só fui à Câmara, em caráter comemorativo, três
vezes: uma para assistir ao lançamento de livro de um velho companheiro de
labuta na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN); na segunda vez, para
assunção do doutor Eto, meu amigo, na Academia de Letras do lugar.
Finalmente, para assistir à reunião do momento. Assim, deduzi que sou um
cidadão omisso das lides políticas e desinteressado sobre as magnas decisões
que os edis tomam para o bem ou para o mal de nossa cidade. Todos, de pé,
mão no coração, cantaram o Hino Nacional. Iniciou-se a troca de experiências
entre os advogados convidados, através de respostas às questões previamente
formuladas pelos coordenadores do encontro. Num intervalo, tocou-se música
popular americana para desestressar, aliviar e alegrar o plenário. Um
pensamento contraditório me aflorou: “se estamos num local público, formal,
numa cidade brasileira, por que não tocar música brasileira?” Aquarela
do Brasil, cairia bem. Dizem que somos o povo mais musical do
mundo. Aí, eu pergunto: O samba dominou o mundo? Acho que não. A reunião
prosseguiu insossa, e eu como não sou da noite retirei-me às dez horas; não
à francesa, porque todos viram, e meu amigo deu um sorriso compreensivo,
noblesse oblige. Saí na rua principal, que apresentava forte trânsito de
veículos; atravessei-a rápida, para evitar acidente. Pretendia pegar um táxi
na outra rua, no ponto de táxi de um supermercado. Entrei na rua transversal
Desembargador Tal, a qual apresentava zero transeunte, exceto eu; apenas um
cansado vigia, em outra rua, bocejava na altura do prédio do SEBRAE.
Desemboquei na praça, que dá visão ampla ao palácio da Prefeitura, e o
deserto de pessoas continuou. Já na rua do supermercado, olhei “prum” lado,
olhei pra outro, nadinha de táxi. Então, decidi ir em direção ao Magazine
“R”, onde esperava encontrar o táxi da ansiado. A poucos metros do destino,
já sabia que não havia carro algum no ponto e parei indeciso: quê fazer?
Nisso, um veículo desgastado pelo uso, com indivíduos duvidosamente
mal-encarados, xexelentos, parou ao meu lado e pressenti que me avaliavam se
valia ou não a pena me assaltar, sequestrar ou outra coisa. Percebi
mentalmente que corria perigo (transmissão de pensamento ou premonição). De
norte a sul, de leste a oeste, não se via um guarda municipal, um PM; nem
uma patrulhinha da polícia civil, nem um segurança particular. Nós estamos
nas mãos de Deus, meu Deus! Pensei. Saquei meu cartão de velhote, o famoso
0800 (o da passagem gratuita) e dei alguns passos, em direção ao ponto de
ônibus. Os indivíduos foram céleres ou “celerados”. Um deles desceu, chegou
a mim e bateu com a mão no abdômen numa mensagem muda, de que estava armado,
e com a cabeça sinalizou que eu entrasse no carro. Mediante a convincente
comunicação silenciosa, não tive jeito e entrei. Eram quatro meliantes; bons
homens não eram. Tive tempo de, num gesto salvívico, jogar meu 0800 ao chão,
antes de entrar no carro. Antes da partida, pude ver um velho se curvar e
apanhar o cartão. Meus sequestradores fugiram em alta velocidade; pediram-me
o cartão de crédito, respondi que não tinha; pediram-me o cartão do banco;
também, não tinha. Dei-lhes meu dinheiro, que era pouco e documentos de
identidade e de motorista. Eles estavam indignados com minha pessoa tão
inútil tão vazia de recursos. Deram uma volta redonda, na cidade enquanto
decidiam o quê fazer comigo. Enfim, fomos para uma “barra pesada” com nome
pomposo de Belo Monte. Lá tiraram minhas roupas para evitar minha tentação
de fugir. Isto nunca me passou pela cabeça, eu tremia de medo. Logo chegaram
mais dois elementos: um, armado, conduzia outro, como refém, e dava-lhe
coronhadas. Pois bem, fiquei ciente que o indigitado havia dado um golpe na
quadrilha, como “endolador e mula”, subtraindo alguns “papelotes e bagulhos”
da gangue. Agora, havia dois, ameaçados: eu e o novato.
Houve um julgamento bufo no parlatório, e o “chefe da
boca”, que exercia também os cargos de promotor, juiz, e advogado prolatou a
sentença com a maior pompa, circunstância e solene:
–– Vocês vão jogar dados. Ao que fizer maior número de
pontos será dado uma arma e deverá atirar para matar o outro; que também
terá oportunidade de escapar e viver, se for bem esperto. O revólver está
carregado com uma só bala. Boa sorte! rárárá.
E os dados foram lançados... Na primeira vez, fiz seis
pontos, na segunda, só dois e na terceira, um ponto. Meu adversário fez
seis, cinco e quatro pontos. Eu perdi.
Azar meu...
–– Pai vamos colocá-lo no micro-ondas e assá-lo de uma
vez, ele perdeu! Disse um comparsa mais açodado.
Outro (com sintoma de larica) sugeriu a serra elétrica.
–– Vamos “partir” em quatro e jogar no rio.
–– Não é o caso, este infeliz merece uma chance, não
pisou na bola com a gente.
O viciado em crack ao derredor, numa platitude atroz,
viajava e puxava sua fumaça. Era um zumbi no ambiente.
O Smith & Wesson com uma só bala, foi posto sobre uma
pedra.
Fui liberado e o chefe decretou:
–– Você tem cinco segundos para correr morro abaixo e
desviar do tiro, se puder.
Não precisou segunda ordem: desabalei em carreira
alucinante, quase superando um carro da Fórmula um. Escutei um tiro e a bala
arrebentou minha orelha, arrancando parte do pavilhão e o lóbulo. Escutei
mais vários tiros: pá, pá pá e nada me aconteceu. Talvez, desta vez, não
atirassem em mim.
Quando cheguei à planície, com o coração a mil, não
aguentei mais e sentei-me num banco, respirando dificultosamente. Ninguém
veio atrás de mim.
Aconteceu o inesperado: chegou uma patrulhinha e parou
perto. Contei aos policiais o sucedido, e eles me disseram que meu cartão
0800 fora analisado e localizaram minha família. Depois de devidamente
abastecidos com dinheiro da minha gente, abasteceram o carro e saíram à
minha procura.
Não há vento favorável para quem não sabe aonde vai, mas
eles (policiais) sabem que um dos bairros mais perigosos, pelo tráfico
intenso é Belo Monte. Foram, então, para lá (sabem das coisas), e me
encontraram desolado, assustado e de cueca. Cobriram-me com um capote e me
levaram ao hospital para curativo da orelha destroçada.
Tudo terminou mais ou menos bem e olhando para o lado
positivo desta dramática experiência, agora sou referência: “Tá vendo aquele
homem de meia orelha?”
É alguém apontando para mim.
Quanto aos bandidos, soube que foram para o além numa
noite do cerol.