Matéria Especial Benficanet
Paraíba do Sul – O Testamento de um Rio - 12/11/2014
Autora: Izabel Nascimento
Aracaju - Sergipe - Setembro/2014

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Foto mostra um cavalo deitado em local que costuma ser banhado pelo rio Paraíba do Sul que enfrenta seca
no Rio de Janeiro (fotos reproduzidas - fonte: internet)
Este é um trabalho da poetisa Izabel Nascimento, que fez lindo poema de cordel retratando o sofrimento do rio Paraíba do Sul. Seguindo sugestão de nosso amigo colunista Asséde Paiva, postamos aqui no Benficanet, mostrando essa grave situação de nossos rios.
I
Extraordinariamente
Eu convoco esta nação
Para um Solene Ato
De grande repercussão
Sei que causo estranheza
Porque com muita tristeza
Decepção e lamento
Trago um aviso sombrio:
A primeira vez que um Rio
Escreve seu Testamento.

II
Convocados: a União
Estados e Capitais,
Peço ao Rio de Janeiro
São Paulo e Minas Gerais
Ouçam bem o que eu digo
Estou correndo perigo
E já não tenho esperança
Como um ato derradeiro
Deixo ao povo brasileiro
Amaldiçoada Herança.

III
Sei que tentei resistir
A todas as desventuras
Mas, hoje predestinado
À pior das sepulturas
A mim, só resta a certeza
Que minha Mãe Natureza
Presenciou meu afã
Pra morrer com maestria
Convidei a Poesia
Para ser Tabeliã.

IV
Declaro aos devidos fins
Por negligência, definho
Mas quando perece um Rio
Ele não morre sozinho
Num fatal golpe de cunha
Escolho por Testemunha
Este imenso Céu Azul
Que diante deste corte
Vai presenciar a Morte
Do Paraíba do Sul.
V
Talvez pouco se comova
Quem não conhece a História
Ou quem nunca acompanhou
Toda a minha trajetória
Porém este Testamento
Retrata um falecimento
Que não foi um incidente
Faz de cada brasileiro
O meu legítimo herdeiro
Mesmo sendo, ele, inocente.

VI
Alguém poderá contar
Que um Rio brasileiro
Passou por São Paulo e Minas,
Pelo Rio de Janeiro
Nasceu por ação divina
Na Serra da Bocaina
Território paulistano
E antes mesmo que se pense
Foi ao Norte Fluminense
Desaguar no Oceano.

VII
"Paraíba" que em Tupi
Quer dizer um "mar ruim"
Nunca imaginei que um dia
Dissessem isto de mim
Eu que fui tão importante
Considerado um gigante
Com imensuráveis brios
Lembro com profundas mágoas
Nasci da fusão das águas
De dois respeitáveis Rios.

VIII
Quero deixar registrado
Pela voz da Poesia
A extinção deste Rio
Todo o país sentencia
Portanto, neste momento
Lavro o meu Testamento
Do qual farei a leitura
Sinto que meu leito morre
Como alguém que percorre
A estrada pra sepultura.
IX
Para iniciar a lista:
O meu principal herdeiro!
Eu deixarei ao Sistema
Político Brasileiro
A imensa Podridão
De toda poluição
Como mórbida lembrança
Talvez finja que não veja
Pois quem sabe ela lhe seja
De alguma semelhança.

X
Caso seja questionado
Por tão drástica atitude
Deixo claro que fui rio
Hoje, imenso ataúde
Mesmo com toda beleza
Independência e riqueza
Nunca fui um pioneiro
O meu penar constatou:
O rio qu'ele preservou
Foi somente o de dinheiro.

XI
Às Indústrias deixarei
Um belo Plano Piloto:
Rio de produto químico
Enxurrada de esgoto
Finalmente a punição
Já que a fiscalização
Dos crimes ambientais
Nunca foi suficiente
Eis aqui o meu presente
Desta vez, tarde demais.

XII
Boa parte da herança
Vai pra quem não merecia
Deixarei à Medicina
Algo que não gostaria:
O gigantesco tormento
Para cura e tratamento
Das doenças que hão de vir
Muita gente irá penar
E o Brasil, remediar
O que não quis prevenir.
   
   
XIII
Deixo à Tecnologia
Algo que não é matéria
Receba como herança
A sede, a fome e a miséria
Eu que hoje silencio
Posso afirmar que um rio
Do infortúnio, refém
No entanto, questiono:
Quem de fato é o seu dono?
És a serviço de quem?

XIV
Para a Juventude, deixo
Algo decepcionante
O calor insuportável
Temperatura escaldante
Deixo também o lamento
Por não ter um argumento
Nem ter sido preservado
E ainda peço perdão
A esta nova geração
Por meu atual estado.

XV
Aos Milhões de Brasileiros
A quem eu abastecia
Deixo um córrego vazio
Sem nenhuma serventia
E nele fica a memória
Dos Puris cuja história
Nos grita a cada manhã
Os Índios colonizados
Que aqui foram dizimados
Sob os olhos de Tupã.

XVI
Para os Professores deixo
As manchetes dos jornais
Artigos, fotografias
Notificações gerais
Diante deste sinistro
Eu entrego o meu registro
Aos Reis do Conhecimento
Estes grandes aliados
Também já desenganados
Por falta de investimento.
XVII
Para as Crianças eu deixo
Um lindo Sonho Infantil
Elas que serão privadas
Das belezas do Brasil
Eu deixo a cada criança
As Sementes da Esperança
Dentro de um cofre seguro
Assim, quando germinar
Poderão acreditar
Que este país tem futuro.

XVIII
Para o Ambientalista
Deixarei com alegria
Toda a minha gratidão
Minha completa energia
Que sirva de instrumento
Para dar prosseguimento
A sua importante ação
Na luta pelo ambiente
Eu prometo estar presente
Nesta reivindicação.

XIX
Para os Pescadores deixo
A plenitude da alma
O profundo som das águas
Que transforma e que acalma
Sinto um desgosto profundo
Pois o homem deste mundo
Nosso cruel predador
Deixou imenso vazio
O pescador sem o rio
O rio sem pescador.

XX
Deixo para os Nordestinos
Compromisso singular
Acolher os compatrícios
Que poderão imigrar
Eis que o povo hospitaleiro
Do nordeste brasileiro
Com força e superação
Vai mostrar o que acontece
O quanto o povo padece
Quando o mar vira sertão.
XXI
E com este Testamento
O mundo vai lamentar
Confesso que já não tenho
Mais nada para deixar
Fui fiel aos meus princípios
Digo adeus aos municípios
Os quais pude percorrer
Submerso em aflição
Desejo pedir perdão
Pouco antes de morrer.

XXII
Eu peço perdão a Deus
Perdão ao Pai Oxalá
Perdão a Mamãe Oxum
Jesus Cristo, Jeová
Perdão imenso Universo
Por este final perverso
Uma sentença perdida
Perdão à Humanidade
Pela incapacidade
De permanecer em vida.

XXIII
À minha Mãe Natureza
O meu último pedido:
Devolver algo sagrado
Que a mim fora concedido
Já que é chegada a hora
Devolvo a Fauna e a Flora
Que existiram no meu leito
Pois aqui todos esquecem
Estes seres não merecem
Ser tratados deste jeito.

XXIV
Há algo para levar
Que jamais abrirei mão
Eu levo as bênçãos da Santa
Senhora da Conceição
Que há quase 300 anos (1717)
Das humildes mãos de humanos
Sob um lindo céu anil
A sua estátua emergia
Ela se consagraria
Padroeira do Brasil.
     
     
XXV
Neste solo brasileiro
Brotei na beira do chão
E lavei com minhas águas
Manchas da escravidão
Locomotiva e suporte
Fui pelo dia transporte
E fui provimento à noite
Eu que fui alento e vida
Também servi de guarida
A quem fugia do açoite.

XXVI
Sumiram as minhas águas
As belas aves partiram
Definhou minha grandeza
As matas também sumiram
Acabou o alimento
Caí no esquecimento
O meu nome é extinção
Aguardem um contratempo
Não será por muito tempo:
Vocês também sumirão.

XXVII
Escreva, então, Poesia
Aqui no leito de morte
Ter nascido brasileiro
Foi meu azar ou foi sorte?
Neste final de jornada
Não valeria mais nada
Meu pensamento romântico
Finda aqui a minha história
Eu encerro a trajetória
Morro nos braços do Atlântico.
XXVIII
Que registrem nos cartórios
Noticiem nos jornais
O Paraíba do Sul
Aqui não existe mais
Secaram suas vazões
Para o sofrer de milhões
E o findar das esperanças
Não resistiu ao tormento
Deixou neste Testamento
A mais triste das heranças.

XXIX
Que seja este documento
Devidamente exercido
Notifique cada herdeiro
Dê ciência do pedido
Neste ano, mês e dia
Diante da Poesia
E do imenso Céu Azul
Morre um Gigante Menino
Aqui, lavro e assino:
Eu, Paraíba do Sul.

XXX
Quando cessam as palavras
A arte supre a lacuna
Mais forte do que a rocha
Supera qualquer fortuna
Quando nela se acredita
É a coisa mais bonita
Que poderia surgir
Arte é forte aliança
Prova cabal que a Esperança
Nunca deixa de existir.
XXXI
Eu servi de instrumento
Para narrar breve fato
Mas desejando que ele
Nunca faça este relato
No entanto, pelo que vejo
Este meu vivo desejo
Tem imenso desafio
Então, como garantia
Fiz, das mãos, a Poesia
E do pensamento, o Rio.

XXXII
Ao Paraíba do Sul
Eu desejo longa vida
E que sua existência
Por nós, seja garantida
Anseio pela bonança
Pois receber esta herança
Me seria um desalento
Aqui finda uma pesquisa
De uma humilde poetisa
A Izabel Nascimento.
       
Comentários:

Assede de Paiva  - Volta Redonda - 09/12/2015
Faz um ano e um mês que esta maravilha de poesia foi escrita por Izabel a meu pedido. Nada se fez até agora, em benefício do Rio... nem farão!

Silvio Fagundes de Almeida - Curitiba - Pr. Bairro Cachoeira - 03/10/2015
É maravilhosa essa poesia. Será que as autoridades políticas lêem?. Abraço

Guilherme - Santa Cruz - Juiz de Fora - 19/04/2015
Conheço esse rio de Juiz de Fora até Sobragi, tem lugares lindos mas o descaso com o meio ambiente esta acabando com o pouco que resta, é uma pena.

Hudson Cardoso de Santana - Bairro Luzia - Aracaju - SE - 09/03/2015

Quem constrói uma obra de arte assim é extremamente importante para a natureza e para a vida. Se torna uma cidadã do mundo. Parabéns querida amiga Izabel Nascimento.
  
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