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Recordar é Viver!

por Asséde Paiva
(rosarense), bacharel em Direito e Administrador. Autor de Organização de cooperativas de consumo (premiado no IX Congresso Brasileiro de Cooperativismo, em Brasília); Brumas da história do Brasil. RIHGB nº 417, out./dez. 2002; Possessão, São Paulo: Ícone Editora, 1995; O espírito milenar, Goiânia: Editora Paulo de Tarso, s.d. Trabalhou na CSN 35 anos.

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A   C I G A N I N H A

A MAGIA DO NÚMERO SETE  E  ESTE CORDEL

 

Deus criou o mundo em seis dias e descansou no sétimo...

Este ano de 2011 completei 77 anos; este cordel, que ora apresento, tem 77 estrofes. E sou privilegiado, pois, o Σ (somatório) dos números da data de meu nascimento se reduz a 7, conforme nos ensina a numerologia: 23/3/1934 =2+3=3+1+9+3+4=25. Reduzindo nos dá 7. Considerando estes casos, é lícito apresentar algo relativo ao significado e poder místico do número 7 (sete): Sete as maravilhas do mundo antigo; sete as cores do arco-íris; sete notas musicais; sete pecados capitais; sete colinas de Roma; dança dos sete véus; sete dias da semana; o sétimo céu; os sete chacras; Seu Sete da Lira (manifestação de exu, um orixá das religiões afro-brasileiras); na cultura cigana as mulheres usam sete saias; na Bíblia, em Apocalipse de João, temos: os sete selos; sete trombetas; sete cálices; os sete portentos; a besta de sete cabeças; sete anjos. Séries de julgamentos de Deus, que são diferentes e consecutivos. O sete mede o tempo da história, o tempo da peregrinação terrestre do homem. Segundo santo Agostinho O homem é convidado pelo número sete a voltar-se para Deus a fim de descansar somente nele.

Certo dia, São Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou: "Senhor, quantas vezes devo perdoar a meu irmão, quando ele pecar contra mim? Até sete vezes?” Respondeu Jesus: “Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete” (Mt 18: 21-22).

Por sete dias sete sacerdotes com sete trombetas investiram sobre Jericó, e no sétimo dia cercaram a cidade sete vezes.

Sete é o número da totalidade... O número de Deus.

Cordel em sextilhas e rimas em septilhas: xa, xa, xa. As em x não rimam entre si.
1
Ó Deus de eterna luz
E com toda sua glória
Me ajude, eu vos peço
A contar a minha estória
Vou falar de improviso
Trago tudo na memória

Quando viemos ao mundo
Temos programa traçado
Carregamos uma cruz
Às vezes muito curvado
Pois é madeira de lei
O lenho muito pesado

Eu tinha tranquila vida
Um amigo tão maneiro
Estudava em bom colégio
Não amava, era escoteiro
Não fumava ou jogava
E curto era o dinheiro
Na pensão em que morava
Conheci três fazendeiros
Vindos de rica família
Todos grandes vaqueiros
Frequentávamos as festas
Porque éramos solteiros

Ó cruel fatalidade
Que marcou a minha sina
Ter queimando o meu peito
Amor que me alucina
A irmã dos meus colegas
Aquela doce menina

Quando vi a graciosa
Na sacada de pensão
A pele moreninha
Os olhos de carvão
Meu coração disparou
Que ‘morri’ de emoção
Cabelo negro ondulado
Espraiado pela costa
Com jeitinho de sereia
Se banhando contracosta
E me olhou feiticeira
Ela é minha quem aposta?

Ela fugiu pro salão
Fiquei enamorado
Triste vida, triste lida
Estava apaixonado
As pessoas me gozavam
Ele está mesmo gamado

Menina espaventada
Acreditei estouvado
A surpresa me pegou
Quando fui defenestrado
Um sofrer profundo
Não pôde ser evitado
2
Andava em desalento
Vi cigana na estrada
Mudei minha direção
E segui a caminhada
Ela tomou-me à frente
Imóvel, cristalizada

A boêmia estática
Esbelta quase levita
Com os olhos cintilantes
E o sorriso catita
Perguntei à belezinha
O que queres senhorita?

— Estenda sua mão, moço
Sou cigana do Egito
Quero ler o seu futuro
Que espero ser bonito
Por que está tão distante
A olhar pro infinito?

Ela leu meus olhos tristes
Teve um estremecimento
Viu um ser desnorteado
Em fundo padecimento
Seu semblante anuviou
Anteviu o sofrimento

E insistiu amorosa
— Me dá sua mão, senhor
Sua alma, sua palma
Passará por muita dor
Impossível descrever
Desprezo e desamor
E a cigana a falar:
— Nunca vi tanta paixão
Mas vai sair dessa livre
É minha opinião
Não é senhor do destino
Riscado na sua mão

— Vejo no anel de Vênus
Traço fino, arrevesado
Ele quer dizer espere
Ódio encaminhado
Por amar cegamente
Será por ela esnobado

— Na sua mão tá escrito
E que fique inteirado
É triste o teu futuro
De amar sem ser amado
Não morrerá de paixão
Viverá desesperado

— Da sua linha da vida
Eu também quero falar
Ela é longa e profunda
Dos oitenta vai passar
Vencerá os obstáculos
A bom termo vai findar

— Nem sei se vale a pena
Sua vida a carregar
Tanto dinheiro no bolso
E não ter a quem mimar
Carma é carma, sou palmista
Se deve tem de pagar
— Sigamos à minha tenda
Na forquilha da picada
Baterei carta pra ti
Depois de muito trançada
A dama é sua guia
Na trilha enfumaçada

— Mas no baralho da vida
És a carta que sobrou
Meu amigo, tenho dó
A dama de paus falou
Não há corte que dê jeito
A morena o rejeitou

— Aqui, o rei de espadas
Naipe de muito azar
Diz que aquela família
Vai te desacreditar
Dirá que é um ninguém
Que mal tem onde morar

— E quando picado fores
Pela ‘coral’ venenosa
Vá ao meu acampamento
Procurar cigana Rosa
Cuidarei da sua alma
Pois sou muito poderosa

— Difícil é me achar
Meu povo é movimento
Vamos pro sul ou pro norte
Escolhemos o momento
Pergunte a meus irmãos
Somos os filhos do vento
3
— Leve este lenço contigo
Ponha sobre o coração
Dará conforto e paz
Em hora de comoção
É para lembrar de mim
Quando fizer devoção

Tendo batido as cartas
A gitana levantou
— Você deve ir agora
Seu ‘bem’ o vento levou
Você deve ser guerreiro
Pois sua sorte acabou

— Aceito os seus trocados
Pessoa tão generosa
Se receber um convite
Mude o rumo da prosa
O que tem que ser tem força
Sua via é amargosa

E a gitana se foi
Discreta como chegou
Tal e qual um passarinho
Bateu asas e voou
Queria ler outras mãos
Onde o povo acreditou

Tinha razão a sortista
Vi meu drama acontecer
Fui convidado então
A herdade percorrer
Comi do bom e melhor
Como era doce viver
Meu amor me viu alegre
Afagou a minha mão
Montei num cavalo xucro
Galopei pelo sertão
Fazenda Gália era
Um enorme casarão

Namoramos escondidos
Do controle em rebeldia
Sentávamos na canastra
Relíquia da família
Estrela-guia mostrou
Tudo isto acabaria

Me deu seu retrato lindo
Que queimou minha visão
Oh! em hora malfazeja
Escrevi carta de mão
Eu lhe mandei sem temor
Pelo tropeiro João

Falei coisas bonitas
Amor, paixão, candura
Não pensava no agravo
Vindo dessa criatura
Não sei, só Deus sabe
Quem pôs água na fervura

Eu só fui naquele bródio
Para tentar reatar
Estava desesperado
Tentando recomeçar
Ela me deixou na sala
A ver navio no ar
Eu nem sei o mal que fiz
O meu crime foi amar
João-bobo só queria
Ter ombro pra descansar
Sentir o calor da vida
Olhar pro céu, suspirar

Não seria muita coisa
Não a beijei eu bem sei
Foi a desculpa da raiva
Seu pontapé eu levei
Me machucou para sempre
Quanta dor eu carreguei

Fiquei banzo, inseguro
Nunca mais amei ninguém
Sua enorme maldade
Matou minh’alma também
Brada ao céu pela verdade
Nua e crua, sem porém

Minha alegria acabou
A fé desapareceu
Meu olhar ficou sem brilho
Tanta lágrima verteu
Mas ela era maldosa
Do amor escarneceu

E com mágoa profunda
Afoguei-me no traçado
Dizia pra uns e outros
Que eu estava acabado
Meu destino definido
Na sarjeta fracassado
4
Eu caí em depressão
E minha mente sofreu
Consultei mais de dez médicos
Ninguém viu o que se deu
Só um acertou em cheio
“O homem ensandeceu”

E perdi anos de vida
Vivendo em noite escura
Parecia ir sem volta
Direto à sepultura
Só um doutor competente,
Saneou minha loucura

Me lembro do carnaval
Que brincava animada
Aspergi lança-perfume
Recuou desaforada
E foi no primeiro dia
Acabou-se a foliada

Fracassei no benquerer
Muito melhor para mim
Da derrota fiz vitória
Mas tinha que ser assim
Ao bom Deus, Divino Pai
Dirigi preces sem fim

É escrito lá no alto
Que vou desaparecer
Revirar mundos e fundos
Dar combate pra valer
Me puxar pelos cabelos
Meu lema: Hei de vencer!
E fui para longes terras
Para tentar esquecer
As células do meu corpo
Vibravam pelo seu ser
Ó que dor de cotovelo!
Dia e noite até morrer

E trabalhei muito duro
Para cabedal dispor
Me arrodiei de bens
Alguns de grande valor
O dinheiro compra tudo
Menos o tal de amor

Eu lutei valentemente
Até mesmo sem ter renda
O meu estreito caminho
Nunca me levou à venda
Não pensei em me vingar
Sublimei esta contenda

Me responda, eu imploro
Ó sibila de Endor
Aquela que adorei
Merecia meu amor?
— Não valia um centavo
Era pedra sem valor

— Olhe pra frente seu moço
Naquele espelho distante
Ela nunca gostou de ti
Não se engane um instante
Deve amar quem te ama
E que seja arrebatante
No caso dela pesou
Matéria pouco nobre
Como pode moça rica
Namorar um moço pobre
O mundo dá muitas voltas
Amanhã será sem cobre

Vou encarar a verdade
Proclamar aos quatro ventos
Que foi falsa, fraca, má
Encantou-me por momentos
Me deixou na solidão
Com pesares e tormentos

Alijei falsos amigos
Desisti da boemia
Lavrei estudei demais
Era o homem que não ria
O senhor ensimesmado
E a fortuna me sorria

Ela sequer imagina
A paixão me despertada
Passei sede, fome e frio
Em terra muito afastada
Tristeza imensa fez
No meu coração, morada

Engessou a minha vida
Num grande cubo de gelo
Eu era alegre e feliz
E caí em desmazelo
Espezinhou o meu sonho
Mudou-o em pesadelo
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Esteja onde estiver
Muito obrigado, vivi
Pois, com sua rejeição
Na luta sobrevivi
Pudesse eu abraçá-la
Diria vim, vi e venci!

Em artigo de jornal
Notícia dolorida
Por motivo de intriga
Foi por prima agredida
Internou-se em hospital
Sangrando, muito ferida

O delegado anotou
A briga imotivada
Ela bonita e rica
E por outros desejada
Justo naquele lugar
Que nasci de madrugada

Gostaria de ser Fênix
Pra ter o dom de voar
Voejava para ela
Só para lhe confortar
Dizer apesar de tudo
Meu colo é pra chorar

Eu disse verdades duras
Não deu pra se seletivo
Falei palavras sensíveis
Porque não sou vingativo
No saldo desta equação
O valor é positivo
O balancete da vida
A ela repassarei
Na conta de resultados
Debitei e creditei
Deus me deu o merecido
Mas não foi o que sonhei

Nos meus sonhos e visões
Ela vivia ao meu lado
Cuidando de nossos filhos
Mas nisso fui logrado
Pelo aço do punhal
No meu peito enfiado

Ela não vou condenar
Porque foi tão caprichosa
É verdade que nós dois
Fomos como cravo e rosa
Somos da mesma essência
Sob a esfera luminosa

Dando o braço a torcer
Esta é hora a partida
Feitas contas e recontas
E a raiva subtraída
Confesso que ela foi
O amor da minha vida

Esta é minha confissão
E tendo desabafado
Não dá pra continuar
O meu corpo fadigado
Pedindo pra repousar
E desobrigar do fado
No outono, já no fim
Abatido, dou conselho
Eu fugi, bati, sofri
E venci Pedro Botelho
Não implore por amor
Jamais fique de joelho

E quando o dia raiar
Eu ouvirei de uma luz:
“Não tenha medo de nada
Deponha aqui sua cruz
E fique com muita paz
Seja irmão de Jesus”

Agora que contei tudo
Minha vida repassar
Aqui faz, aqui se paga
É semear e ceifar
Você vai aos quatro cantos
Nunca vai me encontrar

Onde está a ciganinha
Com beleza peregrina
Queria dizer pra ela
Teu saber é papa-fina
Acertaste cem por cento
Ao ler mãos não desafina

De todos seus vaticínios
Não escapo, vou cumprir
E está nas mãos de Deus
Livremente decidir
Me levar pra junto Dele
E deste mundo partir
 
6
Hoje estou convencido
Que amei pessoa errada
Devia ser a cigana
Que tem o pé na estrada
Moça de olhar profundo
Como a noite estrelada

Pudesse voltar atrás
Seria bem diferente
Teria cigana Rosa
Ao meu lado certamente
Amor ao calor do fogo
Proteção de sua gente

Ao som de um violino
Deveria requebrar
Bateria castanholas
Só pra me enamorar
Viveríamos na tenda
Sob luz do sol e luar

A meus ouvintes atentos
Das queixas do sonhador
Se falhei, pequei demais
Por meu primeiro amor
Já superei todas as travas
Do esprito obsessor
Se cumpri minha missão
Adonai pode dizer
Se machuquei, ofendi
Desculpe, foi sem querer
Perdoo, sou perdoado
Vou embora sem dever

Não tenham pena de mim
Nem aqui, nem no além
O que aconteceu comigo
Foi pro meu próprio bem
Só peço a salvação
Que anjos digam amém

E quem achar que lamento
Enganou com afoiteza
Eu dei a volta por cima
Fui leal, tive nobreza
Só perdi uma batalha
No fim, ganhei, na certeza

Adeus, pessoas amáveis
Sairei com dignidade
Sei que não farei falta
Eu só disse a verdade
Deixo abraço pra todos
E vou viver na saudade
Eis comovente poesia de
Vieira da Silva


Cigana

Era uma vez uma cigana. Um dia
Laura pediu-lhe que lhe lesse a sina
E ela, a cigana, de contente, ria
Ante a mãozinha delicada e fria.

Fita-lhe o olhar e, débil e franzina,
Linha por linha, atentamente, lia
Um futuro de rosas à menina;
Tudo o que Laura desejasse podia...

E disse aos pais: "Três vezes, meus senhores,
Aquele ipê se cobrirá de flores
Para a menina se cobrir de um véu".

Laura riu-se e corou. E um ano corre,
Outro mais... e mais outro... E Laura morre...
— Foi com certeza se casar no céu! —


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A poesia supra me deu vontade de chorar.
publicado no Benficanet em 16/07/2012
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