O Benficanet bateu um papo com o artista plástico Lúcio
Rodrigues, nascido na zona norte de Juiz de Fora, que
desde os quatro anos de idade começou a desenhar e hoje com
merecido reconhecimento, tem belos trabalhos, entre exposições e
projetos, mostrando suas pinturas com estilo próprio.
Lúcio que é um dos idealizadores do projeto "Pontos de
Arte", aprovado pela Lei Murilo Mendes, recebeu em
dezembro de 2009, do IAB-MG, Instituto dos Arquitetos do Brasil
Departamento Minas Gerais, o
Prêmio Gentileza Urbana.
Atualmente faz parte da administração do Centro Cultural de
Benfica e nos conta um pouco sobre seu envolvimento com a arte.
Seu estilo é bastante marcado pelo desenho por onde ele começou,
mas também pela idéia do grafite e da rua. Através de seus
trabalhos captamos um pouco dos seus olhares, suas preferências
e percebemos que aprecia estilos importantes como por exemplo o
Expressionismo.
BN - Mesclando estilos e influências você
acredita que criou também o estilo Lúcio Rodrigues?
LR - Estilo Lúcio Rodrigues, não acredito,
mas acho que tem o Desenho Lúcio Rodrigues, porque o meu
desenho já é identificável. Estilo é algo complicado, são
aquelas coisas de academia. Teve uma época que viveu isso
outra que viveu aquilo, acho que ninguém vai me copiar de
verdade, o meu desenho é bem próprio e é mutante, eu
trabalho forçando isso. Hoje eu desenho o nariz de um jeito,
amanhã de outro, eu vou desconstruindo aquilo que construi.
Mas acaba você imprimindo alguma coisa do traço, não sei se
fica marcado, mas acho que isso existe.
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BN - A Universalidade de seu projeto
aprovado pela Lei Murilo Mendes, reduz consideravelmente a
distância que existe entre a grande população e a Arte. O
que esse projeto significou para você? Como é ter a
oportunidade de certa forma de se transformar em instrumento
pra levar Arte a todos?
LR - O projeto Pontos de Arte é meu e do
Thiago Campos e a idéia de universalizar a arte é dividir
paixão. Eu e o Thiago gostamos de arte, e a gente dividiu
isso. A questão de ser num ponto de ônibus, eu sempre quis
pintar aqueles pontos, sempre olhei aquilo como um aparato,
porque os vejo como um aparato pra pintura. Aí você sai do
papel, sai da da tela, direto de casa e vai dividir isso com
as pessoas na rua. Eu acho isso muito bacana e democrático.
A Lei Murilo Mendes foi a catapulta pra esse projeto
acontecer. A idéia rolou entre eu e o Thiago e juntos
conseguimos esse apoio da Prefeitura. Apesar de termos
disputado com vários projetos, dois anos seguidos, nós
ganhamos e hoje em dia fui contratado pra fazer novos
autorais, por conta da Funalfa. Além da importância dessa
oportunidade de transformar, colocando muita gente em
contato com a arte, nós ganhamos o Prêmio Gentileza Urbana.
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BN - Com todas estas figuras, estas
variações de habitantes que você pinta e que habitam sua
mente, em algum momento você desejou que parte de tudo isso
que você enxergava fosse diferente? Tudo que você vê você
pinta tal qual você encontra ou você altera as coisas?
LR - A criatividade faz isso comigo, às
vezes eu penso num tema, por exemplo, num circo, o circo me
remete ao palhaço, trapezista e na hora de pintar eu mudo a
figura, eu trabalho mais com o instinto, deixo a parede me
mandar, no caso ali o ponto de ônibus, onde eu chego às
vezes com alguma coisa concebida, uma idéia, mas na hora eu
mudo e faço outra coisa. O último que pintei foi "o homem e
a cidade na cabeça", eu comecei uma pintura que não tinha
nada, de repente eu vi que na cabeça dele sobrava um espaço,
então uma coisa remeteu a outra. A minha criatividade é
muito expansiva e ela mesma me transforma, não consigo
projetar e depois seguir o projeto que fiz.
Eu não crio os personagens, eles já existem, os habitantes
estão aí, eu os transformo em traço.
BN - Você sempre fez muitas coisas
interessantes e sempre esteve trabalhando muito. Agora mais
do que nunca temos visto um Lúcio mais engajado socialmente,
cheio de projetos, recebendo merecidos prêmios. O que esse
momento tem proporcionado a você?
LR - Muito trabalho e muito esquecimento de
mim mesmo. Eu fico nessa de me engajar com outras coisas e
me torno relapso de minha pessoa, às vezes da minha família.
Mas acho legal, não consigo viver de outra forma. Costumo
entrar na guerra e não saio dela de jeito nenhum. Gosto de
pintar, de ter novas idéias, gosto de levar projetos
adiante, tenho um monte de coisa na cabeça pra fazer e eu
não gosto de perder tempo. Gosto de canalizar energia pra
esses tipos de coisas, porque é o que me mantém de pé,
vivo.
BN - Você conhece muito bem nosso bairro e
região. Você acredita que as pessoas aqui estão mais
conectadas com Arte e mais em busca deste caminho?
LR - Bom, é difícil dizer se as pessoas do
bairro estão conectadas com arte, isso é muito complicado.
Se a pessoa realmente está conectada com arte ela tem que
fazer arte ou alguma coisa ligada a cultura. Agora o
conhecimento, a busca, isso é uma coisa que parte das
pessoas e hoje em dia, pelo menos, as pessoas se dizem mais
interessadas. Eu vejo que tem mais galerias, mais pessoas
indo até às galerias. Meu trabalho tem visibilidade por
conta de estar na rua, acho que tem reconhecimento, às vezes
a pessoa não reconhece o artista que pintei, mas vê aquilo
como uma coisa legal. Por exemplo, uma senhora falou comigo
que viu nuns quadros, o que tinha visto nuns livros de
quando ela estudava, no caso é o Abaporu da Tarsila. Então
hoje em dia, tem gente que conhece a Tarsila, o Picasso, por
causa disso. E arte é busca, conhecimento é busca. Tem um
monte de informação por aí, que a gente recebe, televisão,
show, música, agora conhecimento você tem que querer, se
interessar por aquele determinado assunto e ir atrás, porque
isso não vem de graça pra você.
BN - Seus trabalhos emocionam muita gente,
eles emocionam muito você? Como você lida como isso?
LR - Minha questão pessoal com meus
trabalhos, não é que me emocionam, meu trabalho me instiga,
me mantém vivo, me alimenta, não sei se me emociona. Às
vezes, eu faço alguma coisa que não gosto muito no dia, eu
esperava mais daquilo, mas eu me emociono com algo que fiz
há muito tempo, dou de cara com aquilo então penso: poxa
isso até que é bacana! Eu tenho um pouco de autocrítica,
espero um tempo pra que fique palatável pra mim, porque no
meu caso, acho que não emociona muito na hora.
BN - Provavelmente você deve gostar muito
de todas as cores já que elas formam parte de seu Universo,
existe a cor que mais você gosta, talvez sem ela fosse
impossível pintar?
LR - A cor preta. Tudo meu tem que ter
preto, tem que ter contorno, tem que ter limite de uma coisa
pra outra, meu trabalho é chapado mesmo, não tem que ter
aquela coisa de parece que é real, porque eu não quero nada
que é real, o que é real está por aí, todo mundo já viu. Eu
quero uma coisa que seja chapada, quadrinho, que pareça
estar ali na parede, e está mesmo. Tem cores que não gosto
muito, uso pouco, mas hoje eu me policio pra usar mais,
verde e azul por exemplo. Mas gosto das coisas pretas mesmo,
com o preto consigo fazer tudo. Preto e branco, é simples
assim.
BN - Sabemos que artistas sempre enfrentam
dificuldades. Alguma vez você teve dúvidas se era este o
caminho pra você, pintou momentos de cansaço? O que te
coloca pra frente, que te motiva?
LR - Dificuldade acho que todo mundo tem.
Grana pra viver todo mundo tem que ter. Mas eu sempre
consegui viver disso. Eu não sei se sou artista porque eu
vivo disso, ou se sou artista mesmo de verdade igual falam.
Dificuldades já tive, houve época em que eu falava que não
desenharia mais. Tem uma coisa que trocaria, se eu pudesse
eu ficaria lendo o tempo inteiro porque eu gosto muito de
ler. Mas o desenho me impulsionou. Acho que sou o que sou
hoje, legal, correto, tenho um pouco de ética e moral, por
causa da arte, por causa do desenho mesmo. Se eu não fizesse
isso seria outro personagem, outro Lúcio Rodrigues.
BN - O que mais fascina Lúcio Rodrigues?
LR - Tem coisas que me fascinam, por
exemplo, literatura me fascina, gosto muito de ler; o cinema
me fascina; a natureza é uma das poucas coisas que eu
respeito muito nesta vida, eu sendo um cético, a natureza é
algo que respeito bastante. Eu gosto de árvore, árvores me
fascinam, eu vejo essas paineiras, tem umas na avenida
Brasil que acompanho há um tempo, época que elas são só
galhos, só flores, só folhas.
BN - Você tem sonhos? Qual a idéia que você
tem de sucesso, você vive isso?
LR - Não tenho sonho de fama, de
reconhecimento. Sonho mesmo é viver do jeito que eu vivo,
conseguir viver do que eu faço, já o reconhecimento acho que
tenho, não precisa mais que isso. Só de ter conquistado um
pouco de respeito, tem pessoas que vive a vida inteira e
nunca conquistou respeito nenhum, por nada, nem pelo
trabalho. Quando a gente leva a vida só em busca do
dinheiro, do eu, ou do próprio umbigo, não propicia isso pra
pessoa. Acho que sucesso é você viver bem, costumo dizer que
não sou muito alegre, mas eu sou feliz, muito feliz com o
que faço e as minha tentativas e erros. Então eu não me
cobro muito, não cobro perfeição no meu trabalho, não quero
ser o cara, o não me considero o melhor desenhista do
planeta ou melhor que o outro, não considero meu trabalho
tão diferente dos outros, não acho que ele tem tanta
importância assim. Isso é a minha vida, é a minha passagem
por aqui, eu tenho que fazer isso e é só.
BN - Você prefere cidade ou campo?
LR - Prefiro cidade, sou muito urbano.
BN - Bairro ou centro?
LR - Acho que uma mescla dos dois. Às vezes
preciso estar na cidade pra sentir aquele caos todo, aquele
monte de gente e às vezes eu preciso do bairro. Benfica por
exemplo é um bairro que gosto mais durante o dia, com
comércio aberto, as pessoas nas ruas, acho mais bacana, não
gosto dele à noite.
BN - Noite ou dia?
LR - Pra trabalhar dia e noite, mas prefiro
a noite. O dia é legal assim, pra fazer as outras coisas,
outras responsabilidades, como cuidar do Centro Cultural,
andar de bicicleta, mas eu faço isso à noite também.
Eu gosto da noite pra trabalhar, pra relaxar em casa, é a
hora que eu vou desenhar, vou ler, a hora que vou assistir
televisão. A noite é mais minha. O dia é mais pra dividir
com todo mundo.
BN - Em que ordem você coloca essas três
palavras? TATUAR, CACHORRO, PINTAR
LR - Pintar, cachorro e tatuar. Em outra
época eu só pensava em tatuagem e eu não tinha cachorro.
Hoje em dia eu prefiro pintar, eu tenho que pintar e
desenhar todo dia. Cuidar dos cachorros eu tenho que cuidar
porque tenho um monte, são treze, fora os agregados. Então é
o que me prende nesta cidade, não tenho como mudar amanhã e
levar todos os cachorros.
BN - Salvador Dali ou Pablo Picasso?
LR - Picasso pra mim é um mestre, um grande
gênio. Eu gosto dele por causa da sua loucura de produção,
ele produziu a vida inteira loucamente, teve uma vida muito
longa, então pra mim Picasso é o cara mesmo.
O Salvador Dali foi mais aquela coisa da viagem, do
surrealismo, ele tem muito do academismo que não é muito
interessante pra mim, ele foi mais marqueteiro, mas gosto
das loucuras do Salvador também.
BN - O que faz Lúcio Rodrigues sorrir?
LR - Às vezes uma piada sem graça que eu
mesmo falo. Sou aquele cara que conta piada e eu mesmo fico
rindo, a piada não tem a menor graça, faz sentido só pra mim
mesmo, aí me faz rir. Eu sorrio também quando estou com a
cachorrada, os cachorros me deixam bem feliz. Me sinto feliz
com essas coisas.
Veja alguns trabalhos do artista.
Oficina no
Projeto_protagonistas
Exposicao "Habitantes"
Exposicao de
grafite no MAMM
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