Neste artigo iniciam-se estudos da
problemática do povo cigano, onde se apresentará os pontos mais
importantes da cultura cigana e sua via crucis pelo mundo afora,
inclusive no Brasil. Correlaciona sua influência em setores importantes
da nossa Pátria. Conclamam-se todos a repensarem a maneira como tratam
esta etnia, que nada mais quer senão passar, isto é, ir-e-vir e estar,
ao seu talante, tal como sempre fez desde que o mundo é mundo.
Vamos conversar um pouco sobre a raça mais
incompreendida, mais misteriosa e mais excluída de todas. Gostaria de
estabelecer uma premissa para que possamos dialogar francamente, preciso
de sua compreensão, solidariedade e principalmente de seu senso de
justiça, para que possamos nos entender razoavelmente. Sei que é
dificílimo abstrairmos certos preconceitos arraigados milenarmente em
nosso coração e mente, que nos vieram de nosso antepassados e assim
fazem parte de nosso arquétipo. Vamos fazer um esforço, admitamos, só
por hipótese, para fim de raciocinarmos friamente, que somos
alienígenas, isto é, viemos do espaço sideral e que tudo que vimos no
planeta Terra é novidade para nós. Daí, veremos nos ciganos, pessoas
exatamente iguais a todos os outros seres humanos. Concordemos, em
princípio, que um allien veria
apenas homens e mulheres sem questionamentos de qualidade e defeito
inerentes aos povos deste Planeta Azul. Você topa este esforço? Se não
concorda, pare por aqui, mude de assunto. Se concordar continuemos,
então.
Preliminarmente leiamos o que diz o Dicionário Aurélio, Séc. XXI, p. 470
sobre o verbete cigano:
cigano. [do grego bizantino athinganos, pelo fr. tzigane ou tsigane.] S.
m. 1. Indivíduo de um povo nômade, provavelmente originário da Índia e
emigrado em grande parte para a Europa Central, de onde se disseminou,
povo esse que tem um código ético próprio e se dedica à música, vive de
artesanato, de ler a sorte, barganhar cavalos, etc. [Designam-se a si
próprios rom, quando originários dos Balcãs, e manuche, quando da Europa
Central.] Sin.: boêmio, gitano, calom.
Aceitando esta definição como válida podemos conversar. O Aurélio admite
que este povo vem da Índia, nós podemos afirmar que é verdade. Não há
mais dúvida, estudiosos historiadores, antropólogos, etnógrafos e
filólogos esclareceram definitivamente: Ciganos vieram do noroeste da
Índia onde hoje é o Paquistão e derramaram-se pela Europa lá pelos idos
de 1300. Depois para o mundo inteiro e no Brasil também, onde hoje são
trezentos mil, em avaliação conservadora, ou quase um milhão em
projeções mais elásticas. Se temos este povo tão numeroso entre nós,
precisamos compreendê-lo melhor. Examinemos, pois, dezesseis pontos
importantes na cultura cigana. Ficaremos admirados de saber que
desconhecíamos quase tudo sobre eles. Seguiremos um círculo, porque,
simbolicamente representa a roda, que nos traz a imagem de uma carroça,
eis que a vida cigana é um eterno ir e vir sobre rodas.
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Leiam e meditem sobre o epigrama
no 7, de Cecília
Meireles:
A tua raça de
aventura/ quis a terra, o
céu, o mar./ Na minha, há uma delícia obscura/ em não querer, em não
ganhar.../ A tua raça quer partir,/ guerrear, sofrer, vencer, voltar./ A
minha, não quer ir nem vir./ A minha raça quer passar//
O POVO
Todos os povos têm seus ícones, sua religiosidade, suas crenças, e os
ciganos também têm, por isso hoje vamos escrever sobre a religiosidade
dos ciganos. Para entendê-los melhor, vamos recuar no tempo até 2000
anos e tanto, até Nosso Salvador, Jesus. Desde já estabeleçamos que a
religiosidade cigana é incontestável. Creem em Deus (Devel) e na entidade do mal (Beng).
Fazem grandes peregrinações em 24/25 de maio a
Saintes-maries-de-la-mer (França), em honra à santa Sara, onde
promovem a slava a festa da
Santa. No Brasil são devotos de N. Sra. Aparecida, se forem católicos.
Ressaltamos que os ciganos adotam a religião do país que os acolhe. No
Brasil temos ciganos católicos, evangélicos; testemunhas de Jeová,
protestantes, espíritas, adventistas, umbandistas e outras. E os ciganos
são sinceros na crença que adotam.
Sara, diz a lenda, era serva egípcia de Maria Jacob e Maria Salomé, tias
de Jesus, que se crê terem sido levadas miraculosamente para as margens
do Ródano, poucos anos depois da crucificação. Só nos meados do século
XIX a presença dos ciganos entre outros peregrinos foi notada em
Les-Saintes-Maries e, muito mais recentemente que começaram a dominar o
primeiro dos dois dias (24 e 25 de maio).
Está em livro, cujo título é
O segredo do código, [da
Vinci], editado por Dan Burstein, Sextante, 2004, pp.47/48:
“São muitas as lendas que dizem
ter Maria Madalena viajado à França (ou Gália na época) depois da
crucificação de Jesus, acompanhada de um variado grupo de pessoas que
inclui uma jovem serva negra chamada Sara, Maria Salomé e Maria Jacobina
— supostamente tias de Jesus — além de José de Arimateia, o rico
proprietário do sepulcro onde Jesus foi colocado antes da ressurreição,
e são Maximino, um dos setenta e dois discípulos mais próximos de Jesus
e primeiro bispo de Provença. Embora os detalhes da narrativa variem de
versão para versão, parece que Madalena e seu séquito foram obrigados a
fugir da Palestina em condições mais que precárias [...] Reza a lenda
que eles desembarcaram (sem dúvida muito agradecidos, depois de vagarem
por águas salgadas durante semanas) no que hoje é a cidade de
Saintes-maries-de-la-mer, nas terras úmidas da Camargue, onde o Ródano
deságua no Mediterrâneo. As três Marias — Maria Madalena, Maria Jacobina
e Maria Salomé — são objeto de grande veneração na igreja que se ergue
dos charcos circundantes como uma imponente vela de navio, ao passo que
na cripta há um altar dedicado a Sara, a egípcia, a pequena serva negra
de Maria Madalena, hoje a adorada santa padroeira dos ciganos que afluem
à cidade no feriado de 25 de maio, quando milhares de fieis devotados
conduzem a estátua de Sara até o mar, para sua imersão cerimonial. O
fato de a tradição medieval considerar os ciganos originários do Egito —
egypsies — confere sentido à sua veneração da menina egípcia
Sara...”
As lendas têm muitas versões por
isso são lendas ficamos com uma adaptação que seria a seguinte: Maria
Madalena era o cálice sagrado (Santo Graal), porque trazia em seu ventre
o sangue real, a semente de Jesus. Ela teria passado alguns anos em
Alexandria, no Egito e Sara seria sua filha e de Jesus, constituindo-se
na linhagem sagrada. Maria Madalena por motivo desconhecido (perseguição
talvez), fugiu para a Gália, com Sara e José de Arimateia. Lá foram
acolhidos pelos ciganos. Sara é venerada pelos ciganos, até porque
Madalena, sua mãe, também é conhecida por Madalena Egipcíaca. Isto faz
sentido, os ciganos seriam os verdadeiros guardiões da linhagem sagrada
através de veneração à Santa Sara. Curioso é o fato de que a Igreja
(católica) não considera Sara como santa em sua hagiografia. Por quê?
Que nos respondam os que sabem! Sara seria, portanto, para nós a Santa
das Santas e os ciganos seus filhos diletos. Que bom!!!
Encontramos em livro muito badalado, elogiado e criticado, texto que nos
conta algo que até agora desconhecíamos sobre o Mestre. Está no livro O
código da Vinci, de Dan Brown, editora Sextante, 2004. À página 272,
extraímos este diálogo entre os três personagens principais: Langdon,
Teabing e Shofie:
O importante aqui — disse
Langdon, voltando à estante — é que todos estes livros apoiam a mesma
premissa histórica.
— Que Jesus foi pai — Sophie ainda estava
insegura.
É — disse Teabing. — E que Maria Madalena foi o
ventre que transmitiu sua linhagem sagrada. O Priorado de Sião, até
hoje, ainda venera Maria Madalena como a Deusa, o Santo Graal, a Rosa e
a Divina Mãe.
Sophie voltou a visualizar rapidamente o ritual do porão.
— De acordo com o Priorado — continuou Teabing —
, Maria Madalena estava grávida quando Jesus foi crucificado. Para
segurança do filho ainda não nascido de Cristo, ela não teve escolha
senão fugir da Terra Santa. Com ajuda do tio em que Jesus tinha grande confiança, José de
Arimateia, Maria Madalena secretamente viajou para a França, que na
época era conhecida como Gália. Ali encontrou refúgio seguro na
comunidade judaica. Foi na França que deu à luz uma filha. O nome dela
era Sara....
A língua dos ciganos
A liri es ye crayi micobó a liri es calé
= A lei dos reis tem
destruído a lei dos ciganos.
Fincando pé na nossa ideia do círculo (nós o escolhemos porque ele é o
símbolo da roda e dos ciganos no seu eterno devir). O círculo de
dezesseis raios é evidência maior desse povo é símbolo da sua bandeira.
Sua língua, o romani, salvo melhor juízo é o amálgama, o traço de união
entre os ciganos. No mundo inteiro, estejam onde estiverem, no Brasil ou
na Austrália, na África ou na Ásia, os ciganos se entendem através do
romani. Este modo de falar se
derivou do velho sânscrito e vem ao longo de mil anos recebendo
contribuições de todas as línguas por onde este povo passa algum tempo.
Os dialetos ciganos podem ser agrupados assim: Sintos — na
Europa ocidental, com grande influência da língua alemã; Vlax
(ou danubianos) — presentes em toda Europa, América,
Austrália e sul da África; Balcânicos — recebendo influência
eslava e turca. Subgrupo Calom, na Espanha e Portugal. É uma
língua ágrafa, i.é., não tem símbolos para que se escreva. Daí
os estudiosos fazem aproximações e analogias. Todavia, é esta
língua ágrafa que possibilita a manutenção dessa gente unida e
evita sua absorção pelos outros povos com os quais convivem. Não
é incomum a existência de línguas ágrafas. Os índios brasileiros
são exemplos disso. Centenas de outras etnias são também
ágrafas. Poucos não-ciganos dominam este idioma, mesmo porque os
ciganos fazem questão de não transmitir sua língua para os
gadjês (não-ciganos).
A seguir daremos alguns provérbios ciganos em sua língua e depois
traduzidos para o vernáculo.
Vortako tribulame, ane kelimast, ano nasfalimós, ano tiorrimós tai
ane marthia = O amigo é para alegria, brincadeira, doença, miséria e
morte. May misthto les o thud
katar i gurumni kai tordjol = É fácil tirar leite da vaca que fica
quieta. Bibaxt prejéal the nani
yov avel = Azares e má sorte afastem-se e não voltem mais!
O chavorro na biandola dandencar = A criança não nasce com dentes.
CIGANOS EM SOBRADOS E MOCAMBOS
O sociólogo Gilberto Freyre em seu livro
Sobrados e mocambos, 3 vol., José Olympio Editora, 1951, por
diversas vezes referiu-se aos ciganos e em nenhuma delas foi
benevolente, pelo contrário culpou-os de muitos males. (Ver pp. 141,
158, 165, 173, 201, 202, 203, 477, 490, n.134, 491, 631, n.37, 790, 792,
823, n. 76, 77, 78).
Como exemplo: na análise das construções no Rio de Janeiro, ele registra
a insalubridade decorrente dos defeitos de construção assim: “Daí o
brado do higienista como Corrêa de Azevedo contra a indiferença das
câmaras municipais. As câmaras municipais cruzavam os braços diante da
comercialização criminosa da arquitetura pela economia privada, tão
ansiosa de lucros exagerados com a construção de sobrados como com a
importação de africanos, mesmo doentes (134). ‘Ela’ — dizia Corrêa de
Azevedo referindo-se à Câmara do Rio de Janeiro imperial — ‘não diz ao
construtor de casas que exibia documentos de sua capacidade não exige
garantias de inteligência e boa fé daqueles que edificam, não se ocupa
do risco interno, nem da luz e ventilação das habitações...’ Paremos
aqui, porque o autor nos remete então à nota (134, acima epigrafada)
Vamos a ela que nos interessa. Está às pp. 490-1 de
Sobrados
e mocambos, repetimos.
(134) Parece que em nenhum
ponto o interesse privado, cruamente representado no Brasil de economia
escravocrata pelo importador de negros, chocou-se mais violentamente com
o interesse público, representado principalmente pela higiene urbana, do
que neste: a importação de negros doentes. Desembarcados dos negreiros,
eram de ordinário as cidades como Salvador, Rio de Janeiro, Recife, os
pontos mais perigosamente contaminados por eles que também ofendiam a
moral europeia ou o pudor cristão da burguesia ou da fidalguia dos
sobrados, andando nus ou quase nus pelas ruas; fazendo das cidades
brasileiras, aldeias africanas. Aos ciganos ou gringos, quase sempre
encarregados de administrarem esse comércio de homens escravos, pouco
incomodava a ofensa que a nudez dos negros causasse ao moradore cristão
dos burgos por onde se fazia a importação de operários para as
indústrias e de trabalhadores para as lavouras do Brasil. Donde as
reclamações que, ainda nos últimos tempos do Brasil-Reino, foram
aparecendo nos jornais
{Esta é do Diário do
Rio de Janeiro de 21 de março de 1822],
contra o escândalo: ‘roga-se a
alguns dos Senhores Negociantes de escravos da rua do Valongo queiram
ter a bondade de vestirem os escravos que desembarcam para os armazéns;
pois é inteiramente indecoroso
em uma Corte civilizada andarem pelas ruas públicas
indivíduos de um e outro sexo nus e outros quase nus, com tanta ofensa
da modéstia e escândalo das famílias que tem a infelicidade de morarem
naquela rua ... Mas ao problema moral da nudez juntava-se o da doença,
comum como era a importação ou a venda de negros doentes, alguns dos
quais os ciganos tratavam de fazer passar por bons e válidos aos olhos
dos compradores menos meticulosos ou menos perspicazes...’
Não aceitamos as observações do grande
Gilberto Freyre, onde se lê ciganos, leiam-se portugueses, brasileiros e
judeus. Ou se se quiser omitir a etnia/raça, cite-se as ocupações:
negociantes, tratantes, comissários, consignatários, intermediários,
mascates, comboieiros, tropeiros etc.
O Almanak Laemmert nas várias edições publica listas desses
intermediários e sempre são portugueses e brasileiros. Pelo menos são
nomes tipicamente nossos. Ex.: 1852, p 468.
Negociantes de escravos ladinos: Custódio José de Magalhães Bastos,
Joaquim Antônio Bastos, Manoel José Pereira Guimarães e outros.
Escritórios e Casas de Consignação
de Compra e Venda de Escravos: Godinho & Cia., José Antônio dos
Santos Araújo, José Jacintho de Almeida, Victor Lúcio Vieira e outros.
Chega?
Não sou
dessas bandas; / Não nasci aqui.
A roda
da fortuna girando, girando, / Trouxe-me para aqui.
Assim é o povo cigano
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