Somos
livres como os campos | misteriosos como o mar | andantes como
os rios | secretos como os bosques | ligeiros como os ventos |
ardentes como o fogo | cautelosos como a noite | imprevisíveis
como a estrada | leves como o ar | argutos como a raposa |
sentimentais como a música | verdadeiros como as crianças |
mas…incompreendidos como a verdade | assim somos nós, os
Ciganos.
The
present study is a research on the gypsy activities at Rio de
Janeiro, under suspicion of being slave merchants. We claim the
real slave traders were others who where not made responsible
due to its close relationship with de ruling elite.
See annex at the end of this article.
Estudei e pesquisei o povo cigano mais de
quinze anos, mas não importa o tempo, importa a dedicação, pois
foi neste período que analisei com muito amor e muita
compreensão a saga dos ciganos no Brasil e às vezes pelo mundo.
Posso afirmar que jamais vi tanto sofrimento, angústia, aflição
e exclusão. E como diz o grande poeta Antônio Machado:
O Cristo cigano continua
pregado na cruz. Calvário que parece não ter fim. E o grande
enigma é como este povo ainda existe apesar de tanto
preconceito, repulsa e ignorância? Digo que ao longo da pesquisa
minha seara foi pródiga, pois visitei grandes acervos como os da
Fundação Biblioteca Nacional (FBN), no Rio de Janeiro; o
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), no Rio de
Janeiro; o Arquivo Nacional (ANRJ); o Real Gabinete Português de
Leitura, Fundação Getúlio Vargas (FGV), RJ; Casa de Rui Barbosa,
RJ; Biblioteca de Folclore Amadeu Amaral, RJ; Biblioteca
Estadual, RJ; Biblioteca do Itamaraty, RJ; Arquivo Público da
cidade do Rio de Janeiro; Biblioteca da Diocese do Rio de
Janeiro; Arquivo Público Mineiro (APM); Biblioteca do Clube
Militar, Rio de Janeiro; Biblioteca da Associação Brasileira de
Imprensa (ABI); em todas fui muitas vezes e muito tempo.
Portanto, tenho mais de 10 mil páginas anotadas e mais 10 mil
documentos obtidos em pesquisas na Internet. Tenho, pois, muito
material. Gostaria de repassar alguns dados para os leitores e
leitoras. Não me preocuparei com qualquer ordenação, serão notas
esparsas e abordarei o assunto principal: ciganos e correlatos,
viajantes, escravidão, polícia, tropeiros, mineiros,
comboieiros, portugueses, brasileiros, judeus, ingleses, nobres,
traficantes, comissários, tratantes e outros. A preocupação
minha é informar e darei as fontes para aqueles que quiserem
aprofundar. Vocês irão verificar que anotei pareceres favoráveis
e desfavoráveis aos ciganos. Não censurei nada. Sou
absolutamente sincero, só abomino as pesquisas superficiais que
andam por aí, que partem do princípio de que os viajantes,
artistas, cientistas e outros que vieram ao Brasil de antanho,
são magister dixit.
Por favor, pesquisem um pouco mais, esqueçam os fungos
existentes nos velhos manuscritos, nas listagens de traficantes
e nos boletins da polícia. O Arquivo Nacional, a Biblioteca
Nacional e o IHGB estão cheios de pacotes esperando vocês...
Mas, por favor, sejam seguros e precisos, pois, sou como são
Tomé, gosto de ver para crer e se houver equívoco, denuncio.
Exemplo: Uma pesquisadora, em alentado trabalho (Vida dos
escravos no Rio de Janeiro. Mary C. Karasch) de mais de 600
páginas disse á p.
519, ANJ[1]
IJ6, 163 ibd.,
1822-1824, que o cigano Joaquim José Roiz, suspeito de haver
roubado e vendido em Minas e São Paulo mais de “mil escravos”.
Eu pesquisei e achei o seguinte: ...
consegui devassa prezo na Vila das
Areias o Cigano Joaquim José Roiz que conduzia 14 escravos de
diferentes proprietários desta cidade. Parece-me s.m.j.
que há um erro grosseiro da autora que falou que o cigano
roubara mais de 1000 escravos. Poderia apontar outros, mas vou
guardar como trunfo. Sou contestador, estou seguro de que os
ciganos levaram culpa de muitos delitos que não cometeram. Ao
longo de minha obra, sempre os defendi, ainda que sem
procuração, mas não preciso dela, vale meu senso de justiça.
Hoje em dia, alguns pesquisadores estão adotando minha linha,
qual seja: ciganos
ficaram com o ônus e os outros com o bônus. Nós defendemos
a idéia de que os verdadeiros traficantes foram outros que
não apareceram devido ao seu estreito relacionamento com a elite
dominante. Boa leitura, pois!...
Por oportuno, informo que ciganos sempre foram excluídos em
assuntos relacionados com escravos (no Brasil).
José Soares Pinho,
em 4 de novembro, de 1826, fez petição candidatando-se ao cargo
de Avaliador de escravos. Seu processo
não foi deferido,
pois era cigano e não possuía bens[2].
No
livro
The Jew, The Gypsy and The Islam (1898), Richard Francis Burton[3]
antes de iniciar a parte relativa aos ciganos, transcreve este
trecho de Jaubert de Passa (1785-1856), p, 132:
“A people
proscribed by opinion, and doomed by the laws to opprobrium and
ignominy; a race which, driven from all liberal professions, has
been for ages, and still is, robbed of its right to hold landed
property; which, subjected to special and severe regulations,
has learned at once to obey and yet to preserve a manner of
independence; which, despite the contempt that inspires and the
hate that awakes and the prejudices wherewith it is received and
judged, still resists this contempt, his hatred, and finally all
those causes which ought to disunite, loosen, and annihilate the
family, the race, the nation; –– such a people, I say, deserves
the observer’s attention, if only from the fact of its
existence.”
[Um povo proscrito por preconceito e condenado por leis ao
opróbrio e à ignomínia; uma raça excluída de todas as profissões
liberais; tem sido, por séculos, e ainda é roubada de seus
direitos de propriedade e terra; que é sujeito a regulamentos
severos e especiais; aprendeu a preservar enfim uma maneira de
ser independente; e que apesar dos insultos e desrespeitos que
recebe, do ódio que desperta e dos preconceitos; e que onde quer
que esteja é recebido e julgado; ainda resiste a esta aversão;
finalmente, a todas aquelas causas que devem desuni-los,
afrouxá-los e aniquilar a família, a raça, a nação; –– este é um
povo, eu digo, que merece a atenção do observador, ainda que
seja somente pelo fato de sua existência.]
No Dicionário histórico do Brasil-colônia e Império, de Ângela Vianna
Botelho e Liana Maria Reis, lemos à p. 54, esta definição:
Cristãos-novos: indivíduos,
especialmente judeus, convertidos à religião católica. [...] No
período colonial grande número de cristãos-novos veio de
Portugal, fugindo da perseguição do Santo Ofício da Inquisição,
que os acusava de hereges. No Brasil, tornaram-se senhores de
engenho, proprietários de datas, compradores de diamantes e
grandes comerciantes. Muitos adquiriram enormes fortunas com o
comércio de escravos (Tráfico Negreiro), de açúcar e especiarias
coloniais [...]
No livro Viagem do Rio do Janeiro a Morro Velho, p. 149, de Francis Burton,
lemos:
Perto da fazenda do coronel Luiz Gonzaga, encontramos uns doze
ciganos, todos eles do sexo masculino, e descansando, sem
barraca, enquanto seus animais pastavam o capim da beira da
estrada. Esses misteriosos vagabundos são raros em São Paulo e
numerosos em Minas, onde são vendedores de cavalos e ladrões de
galinha, como em todos os outros lugares, de Kent à Catalunha.
São evidentemente, de raça diferente daqueles, e seus cabelos
longos e ondulados são a primeira coisa que se nota. Reservei
para outro volume informações imparciais sobre o “cigano”
brasileiro –– objeto de medo, antipatia e superstição por parte
do povo.
O lugar escolhido para a execução de Tiradentes, que não ouso
chamar de desventurado, foi um lugar abandonado, na parte oeste
do Rio de Janeiro, o Campo dos Ciganos, onde eram enterrados os
ciganos e os negros recém-importados (negros novos). Idem, ib.,
p. 293.
O Dicionário de símbolos, p. 638, registra esta romança cigana:
Quem me pedirá o futuro?
Quem desfará amanhã sobre meu peito
O nó (do xale) que tu acabaste de estreitar?
(Assim que se fala no casamento de ciganos russos)
Estes são os autores mais citados na literatura anticigana:
Debret 1768-1848 esteve no Brasil de 1816 até 1831; suas
pranchas sobre ciganos são as de números 15 –– Retour a la ville
d’un propriétaire de chacra; 23 –– Boutique de la rue du
Val-Longo; 24 –– Intérieur d’une habitation de ciganos.
Freycinet 1779-1842 esteve no Rio de 1817 até 1820;
Gendrin esteve no Rio de
1827 a
1821;
Jacquemont 1801-1832 esteve no Rio de 28/10 a 18/11 de 1828;
De João Ribeiro, in Jornal
do Brasil, de 20 de julho de 1932:
A grande e suntuosa criação de Luís Edmundo não é um livro de
História [...] Falta ao livro a documentação, que não seria
desprezível, dos fatos, para aumentar a veracidade de alguns
deles, contestáveis, duvidosos ou, o que é mais certo, obscuros
e ignorados. Apud Evanildo Bechara, in anais da ABL, ano 2002,
vol.183, janeiro a junho de 2002. [Seja, os livros de Luís
Edmundo são fantasiosos.]
Viana Moog, in
Bandeirantes e pioneiros, à p. 112, nos ensina:
... do fado que outra coisa não é, como já foi notado, senão a
elaboração musical, portuguesa e lisboeta do brasileiríssimo
lundu.
Judeus contrabandeavam o ouro das minas do Brasil para os
Estados Unidos. Id. Ib., p. 147.
O supracitado escritor em
Conquista do Brasil, p. 132:
Juro que não farei nenhum trabalho manual enquanto conseguir um
só escravo que trabalhe para mim, com a graça de Deus e do Rei
de Portugal. Apud Roy Nash.
In Denunciações de Pernambuco, FBN VI-315, 6,53, p. 265:
Abril de 1594, o cigano Diogo Sanches residia em Igaraçu, PE.
“mercador de logea de mercearia” sedentário e rico.
John Luccock, in Notas
sobre o Rio de Janeiro, p. 66:
O veículo melhor que a opulenta colônia brasileira podia
oferecer a sua soberana era pequena sege trazida pelo mesmo
navio em que ela própria viera. Era puxada por duas mulas
vulgaríssimas e conduzida por um cocheiro metido numa libré
velha e desbotada, se não poídas...
Primeira Visitação do Santo Ofício
–– às partes do Brasil pelo licenciado Heitor Furtado de
Mendonça (Confissões da Bahia 1591-1592). Série Eduardo Prado ––
São Paulo, 1922, p. 57, 74, 166:
·
Brianda
Fernandes, cigana, no tempo de graça 20 de agosto de 1591,
natural de Lisboa; idade mais ou menos 50 anos, casada com
Rodrigo Solix, cigano, filho de Francisco Álvares e de Maria
Fernandes, ciganos defuntos, morador nesta cidade na rua do
Chocalho [porque arrenegava Deos]
·
Confissão
de Maria Fernandes, aliás, Violante, cigana no tempo de graça de
20 de agosto de 1591, natural de Sam Felices dos Gallegos, filha
de Francisco Escudeiro, português, cristão-velho e de sua molher
Maria Violante, cigana de idade de quarenta anos pouco mais ou
menos, cigana viúva que foi de Francisco Fernandes, ferreiro
cigano morador nesta cidade que era degredada do reino por furto
de burros para estas partes do Brasil [porque arrenegou Deos].
·
Apolônia
Bustamante, cigana no tempo de graça de 30 de janeiro de 1592,
natural de Évora, filha de Francisco de Mendonça, cigano e sua
molher Maria Bustamante cigana; casada com Alonso della Paz,
castelhano veio degredada por furto.
Primeira Visitação do Santo Ofício
às partes do Brasil pelo licenciado Heitor Furtado de Mendonça
“denunciações da Bahia, 1591-1593, São Paulo,
1925”, p. 269, 285, 303, 308, 323, 385,
388, 400:
·
Contra
Clara Gonçalves ou Fernandes, 2 de agosto de 1591, casada com
Manoel Fernandes [por blasfêmia contra Cristo];
·
Contra
Joanna Ribeiro, 9 de agosto de 1591;
·
Francisca
Roiz, cigana filha de Joamm Moreno, defunto e de Maria Sanches,
ciganos, moradores na rua de São Francisco, desta cidade,
cristã-velha, casada com Bartolomeu Ribeiro, cigano...
·
Contra
Tareja Roiz (por negar o dia do juízo) Anrique Roiz e Fernão
Cabral;
·
Contra
Clara Fernandes (por açoitar o crucifixo);
·
Contra a
cigana Maria Fernandes... 21 de agosto de 1591 (clamava contra
Deos pelo excesso de chuva);
·
Contra a
cigana Violante, aliás Maria Fernandes (porque furtou com seu
companheiro Francisco).
Observo que ciganos foram objetos de investigação do Santo
Ofício no Brasil.
Henry Marie Brackenridge 1786-1871, in
Voyage to South América
(1819), p 77 e 154, falando do Rio de Janeiro:
·
Os
portugueses são geralmente de pele muito escura, p. 98;
·
O povo em
geral mergulhado no mais baixo nível de degradação política, p.
116;
·
A
inquisição nunca se estabeleceu aqui, felizmente para os judeus
que são numerosos, p. 121.
Aluísio de Almeida, in
Vida e morte do tropeiro, p. 169, 186-91 e 208 nos diz:
Os ciganos eram também ladrões de animais. Os caipiras teriam
aprendido deles a mania de barganhar em que ‘um ganha e outro
arreganha’, segundo o provérbio. O cigano é nômade como o
tropeiro. Correm também como o tropeiro. Correm também como
este, todas as estradas.
Ambos viveram em barracas. Ambos
consideravam o cavalo o assunto principal de suas cogitações. É
possível que certos aspectos idênticos gerassem efeitos
semelhantes.
Note-se que os ciganos (não os do Rio) usavam as grandes
estradas de tropeiros e justamente entravam também no Brasil
pelo Rio Grande do Sul. Já fiz notar que suas barracas ao
contrário das dos tropeiros, tinham os fundos e não as frentes
para o caminho eram grupos étnicos fechados, e ao contrário dos
viandantes brasileiros, tão hospitaleiros e nada amigos de
lograr, a não ser na barganha de animais: Barganha, um ganha,
outro arreganha. Encontramos no sul de São Paulo assentos de
batismo de ciganos, coisa rara, e em maior quantidade, de filhos
de viandantes sem domicílio, e que parecem de raça cigana. E
vimos pessoas bem parecidas com ciganos, máximo mulheres
caipiras de vermelho e jóias falsas.
Na Coleção folclórica da Universidade Federal de Alagoas, n.
20-32, 1977-1979, encontramos este Pastoril de onde extraímos o
trecho referente à cigana:
Cigana
Sou cigana por noite e um dia
De Belém o caminho procuro,
Quero ver se ao pequeno Messias
É propício ou é mau futuro.
Coro
Toda cigana é ladina
Oh! Meu rico dê-me um vintém
Para dar ao Deus menino
Nascidinho em Belém.
No livro de Dornas Filho,
Os ciganos em Minas Gerais,
pinçamos às p. 139, 140, 142, 146, 151, 155 e 157:
·
... os
ciganos que saíram de Portugal nos primeiros anos após o
descobrimento, à cata de aventuras, os quais aportando em terras
de Pernambuco, traziam grande número de equinos de raça árabe,
infiltrando-se esses animais pelo Piauí e por todo o norte
brasileiro, formando-se as bases ancestrais dos nossos cavalos
nordestinos, que apresentam todos os característicos do sangue
árabe.
·
Dom João
VI pensou e levou a cabo a idéia de povoar com ciganos o vale do
Jaguaribe, de que se origina a introdução do tracoma ou oftalmia
egípcia no Brasil, principalmente no Ceará...
·
Dr. Manuel
Basílio Furtado, tornou-se idólatra de Teófilo Otoni graças a um
cigano que lhe deu um maço de jornais.
·
Ciganos e
judeus são os mais estarrecentes milagres de sobrevivência que a
história conhece.
·
Moradores
do Termo de Mariana e dos distritos de Tapera, Turvo e Calambao
representaram contra a ‘bandeira’ do capitão José Leme da Silva
e seus irmãos acusando-os de acoitadores de ciganos.
·
Assegura
Burton ... que os ciganos
no Brasil tomaram nomes de alimentos, pássaros, animais, árvores
e flores.
·
Entre
1900-1920, os ciganos foram ferozmente perseguidos em Minas.
Edward Rice escrevendo sobre a vida aventurosa de Richard
Francis Burton assim nos fala à p. 1:
Embora Burton fosse um sobrenome comum na Inglaterra, também era
cigano ou romani, e todos concordavam que R. B. tinha uma
aparência geral semelhante à dos ciganos. Os admiradores que nem
por um momento tolerariam a presença de um verdadeiro cigano,
tomavam suas intermináveis andanças como sinal de seu sangue
zíngaro.
Segundo monsenhor Pizarro, cap. V vol. VII, p. 63:
... em 1808 mantinham comércio nesta capital mais de 126 casas
em que negociavam as fazendas de lei, não só por grosso, mas a
retalhos, ou por miúdo: no tempo presente é o número deles
excessivo, concorrendo para isso a afluência de negociantes
estrangeiros, além dos portugueses que de outros lugares vieram
estabelecer aqui o trato mercantil.
Luiz Gonçalves dos Santos, o padre perereca, fez deliciosa
descrição dos folguedos ciganos in
Memórias para servir à
história do Reino do Brasil, tom II, p. 311:
Finda a dança se retirou o carro, juntamente com seu séquito, e
logo entrou na Praça a célebre dança dos Ciganos, que se
compunha de seis homens, e outras tantas mulheres vestidos todos
com muita riqueza; pois tudo quanto apresentarão de ornato era
veludo, e ouro: precedia-os huma banda de música instrumental; e
sobre hum estrado fronteiro às Reais Pessoas executarão com
muito garbo, e perfeição várias danças Hespanholas, que
merecerão universal aceitação.
Gustavo Barroso, in
História secreta do Brasil diz à p. 46:
A influência dos negociantes israelitas estendia-se ao engenho
produtor, à firma embarcadora, ao intermediário de Lisboa a quem
era consignada a mercadoria, às praças consumidoras do centro e
do sul da Europa.
Carmem Nicias de Lemoine, in
Tradições da cidade do Rio
de Janeiro, tece estas considerações sobre os ciganos, à p.
119:
Quando falamos em raças e influências coloniais por esse Brasil
tão grande. Especialmente no Rio de Janeiro. Não se pode
esquecer o cigano. Raça extraordinária. Classe distinta entre as
demais. Muito próxima moralmente dos judeus. Pelo milagre de
sobrevivência. Pela adaptação espantosa ao meio em que vivem.
Pela capacidade de conservação de seus ritos.
Gente que sempre viveu pelo mundo. Num mundo exclusivamente seu.
Mundo de carroças e ursos domesticados. Senão cabras. A tocar
música temperamental. Esbofeteando com pandeiro de fitas. Aos
beliscões de castanholas...
In História da polícia do Rio de Janeiro 1565-1831, lê-se às p. 40 e
41:
Numeroso grupo de ciganos invade a cidade –– A Ouvidoria pede
providência contra os invasores.
No ano de 1830 moravam no Valongo (ciganos) e na grande área da
cidade Nova. Viviam da compra e venda de escravos, dedicando-se
também ao comércio de animais. De 1840-1850 já se acharam
englobados à população e moravam em boas casas. Reuniam-se nas
imediações da hoje rua Marquês de Pombal. Era lá era o
rendez-vous da elite dinheirosa, o sítio dos seus folguedos e de
seus bródios.
Augusto de Lima Júnior, in
A Capitania de Minas Gerais, cita à p. 155:
Eram os cristãos-velhos e os cristãos-novos, isto é, judeus que,
tinham aceitado o batismo e seus descendentes, até ‘quatro
costados’, No começo os Leões, os Fortes, os Henriques, os
Carneiros, os Campos e outros, chegaram a constituir povoados,
verdadeiros ‘guetos’ que ainda hoje se reconhecem por não terem
capelas em suas ruínas. Encontravam-se, porém, em todos os
pontos, e nas entradas das vilas eram os donos do comércio,
rancheiros à margem das estradas, compradores de ouro de
contrabando, comboieiros de negros e ambulantes, tendo em suas
mãos quase todo comércio de movimento.
Gilberto Freyre, in O
escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX, à
p. 73:
Mas é preciso então alertar contra os anúncios de venda e troca
de escravo. Esse gênero de comércio andou por muito tempo
dominado na Corte como nas mais antigas zonas de engenhos do
Norte a venda e troca de cavalos pelos ciganos. Dominados também
pelos grandes negreiros portugueses e da terra que acumularam
Deus sabe como, fortunas enormes. Um desses negreiros tornou-se
figura socialmente prestigiosa: Pinto da Fonseca.
Robert Walsh, in Notícias
do Brasil 1828/1829, informa:
When a cargo
of slaves arrives, it generally purchased by people who are
called ciganos, or gypsies, and who nearly resemble, all the
individuals of race which I have seen in different parts of the
world. They have dark olive complexions, black eyes and hair in
common with many Brazilians but they have obliquity of aspect,
and sinister expression of countenance, that at once marks them
as a peculiar race…
Vivaldo Coaracy, in O Rio
de Janeiro no século XVII, nos ensina à p. 232:
Não eram apenas particulares que se faziam negreiros. A própria
Coroa portuguesa exercia o tráfico com grandes lucros para o
erário real, desde meados do século XVI. A carta régia de 16 de
novembro de 1697, onde o rei afirmava que tomava a si introduzir
escravos africanos no Brasil para o bem dos seus povos, fixava
em 160$000 o preço de cada negro vendido pela Fazenda Real.
Maria Graham, em Diário de
uma viagem ao Brasil [1821,1822,1823], p. 286, escreve:
[...] garganta que conduz à lagoa Rodrigo de Freitas, através da
qual um riacho de bela água fresca corre para o mar. Exatamente
na sua foz há um lugarejo habitado por ciganos, que encontraram
o caminho para aqui e preservam muito das peculiaridades do
aspecto e de caráter em seu novo lar transatlântico. Conforma-se
com a religião do país em todas as coisas exteriores e pertencem
à paróquia de que o cura de Nossa Senhora do Monte é pastor. Mas
esta conformidade não parece ter influenciado seus costumes
morais. Usam seus escravos como pescadores. Uma parte de sua
família reside habitualmente nos seus domicílios, mas os homens
vagueiam pelo país e são grandes mercadores de cavalos.
[...] nesta parte do Brasil. Alguns deles dedicam-se ao comércio
e muitos são extremamente ricos, mas são ainda considerados
ladrões e trapaceiros, e chamar um homem Zíngaro equivale a
chamá-lo de velhaco. Conservam seu dialeto particular, mas não
consegui ficar pessoalmente bastante conhecida deles para formar
qualquer juízo sobre o grau em que a mudança de país e clima
afetou os hábitos originais.
Henry Koster, in Viagens
ao nordeste do Brasil, p. 372, 383, prolata:
Resta-me falar de uma raça humana, constituída de indivíduos
cujo número não é vultoso que permita dar-lhe um quadro à parte
entre as grandes divisões humanas que formam a população do
Brasil e não posso colocá-la na fila daquelas que têm
importância maior. São muito falados para que se possa esquecer
os Ciganos. Ouvi assiduamente citar esse povo, mas nunca me foi
possível avistar um só desses homens. Bandos de ciganos tinham
outrora o hábito de aparecer, uma vez por ano, na aldeia do
Pasmado, e noutras paragens dessa zona, mas o último governador
da Província era inimigo deles e tendo feito algumas tentativas
para prender alguns as visitas desapareceram. Descrevem-nos como
homens de peles amorenadas, feições que lembram os brancos, bem
feitos e robustos. Vão errando de lugar em lugar, em grupos de
homens, e mulheres e crianças, permutando, comprando e vendendo
cavalos e ninharias de ouro e prata. As mulheres viajam a
cavalo, sentadas entre os cestos, de mistura com a bagagem. Os
homens são cavaleiros eméritos e quando os cavalos de carga
estão exaustos contentam-se em diminuir a marcha, sem que
descavalguem ou dividam o carreto com os demais componentes do
comboio. Dizem que não praticam religião alguma, não ouvindo
missa nem confessando seus pecados. É sabido que jamais casam
fora da nação.
Parecer de Bento da Silva Lisboa e J. D. de
Athaide Moncorvo, sobre o 1º e 2º volumes da obra
intitulada Voyage Pittoresque et Histórique au Brésil, ou sejour...
par J. B. Debret [IHGB, v. 3,
tomo 3, 1841, p. 77-79]:
Entre as estampas há três que, se não fosse a consideração de
que em geral o autor faz elogios aos Brasileiros, pareceria que
ele queria fazer uma verdadeira caricatura. Com efeito, a do
empregado público passeando com sua família excita o riso. Ainda
que no ano de 1816, em que chegou M. Debret ao Brasil, os
costumes não tinham adquirido aquele grau de civilização que
hoje tem, contudo não temos lembrança de que os empregados
públicos saíssem a passeio, levando suas esposas no último
período de gravidez, segundo se vê na estampa. [...]. A outra
estampa é o Tráfico dos Africanos no Valongo. O Senhor Debret
pintou todos esses desgraçados em tal estado de magreza, que
parecem uns esqueletos próprios para se aprender anatomia; e
para levar o riso ao seu auge, descreve a um cigano sentado em
uma poltrona, em mangas de camisa;
meias caídas, de maneira
que provoca o escárnio. Bem diferente é o desenho que apresenta
a Senhora Maria Graham na sua
Viagem ao Brasil; pois
que é feito com seriedade e veracidade.
The
Expedition of the academic G. I. Langsdorff and his artists in
Brazil, 1821-1829, p. 40/41:
Após
permanência
em São João
d’el Rei e São José, os participantes da expedição retornaram a
Barbacena e, a 30 de junho, seguindo rumo leste, começaram a
descer a Serra da Mantiqueira, margeando o rio Pomba, que nasce
perto. Alguns dias depois, chegaram à rica região aurífera
denominada Descoberta Nova. Já de longe ouvimos gritos e ruídos
característicos de grandes aglomerações –– escreveu Langsdorff a
12 de julho. –– Primeiro, vimos a fazenda do proprietário desse
lugarejo e, depois uma longa fila de choupanas cobertas de
palha. Eram as moradas (se é que se pode usar tal expressão) dos
garimpeiros e daqueles que vêm para cá ocupar-se do comércio,
tentando obter toda sorte de lucros. Pedimos abrigo na primeira
casa, na segunda, mas sem resultados. Quando passamos ao lado de
cabanas, vimos mercadorias em velhos e precários abrigos,
bodegas, barracas de mascates [ciganos?] e casas de jogos. Todo
esse lugarejo parece uma fila de tabernas no mercado ––
continuou. –– Aqui, homens deitados em tablados de varas, em
esteiras de palha. Ali, uma mulher ou uma moça. Outro leva um
prato cheio de feijão e toucinho, e perto giram os peões,
decidindo quem ganha ou perde. Mágicos [ciganos?] demonstram sua
arte. Por todo lado bebem vinho, aguardente, rum ou gim. Os
mercadores, ou melhor, os vendedores, abrigam-se nas moitas.
[Ciganos?].
A N N E X
O manuscrito classificado 26-4-112,
encontrado na Biblioteca Nacional (FBN), Rio de Janeiro, é uma
petição para que os escravos sejam desembarcados imediatamente e
foi assinado pelos seguintes escravistas:
José Luís Alves; Francisco Pereira de
Mesquita; Manoel Caetano Pinto; Marcos Martins; Narciso Luís
Alves Pereira; João Gomes Valle; Manoel Gomes Pereira; Frutuoso
João da Cruz; Bento Antônio Muniz; Joaquim Antônio Jussuá; João
Luís Brígido; Manoel Carlos de Carvalho; José Gomes Porto
Carreiro; Antônio Fernandes Torres; Amaro... Barbosa; Francisco
José Hernandez; João e Al... Gomes; Antônio Serra da Rocha; José
Alberto Serra Vidal; João Lopes Batista; João de Araújo Silva;
João Inácio Tavares; Francisco Antônio de Barros; Manoel Paes de
Azevedo; Francisco J. Fernandes Barbosa; Francisco G. da Costa
Campos; Manoel S. Batista; Francisco Luís de Almeida; João
Soares da Silveira; José P. Guimarães; Manoel S... de C...;
Joaquim José da Rocha; Francisco José da Rocha; Custódio de
Souza Guimarães; Antônio Gomes Barroso; Manoel Gomes Barroso;
Fernando Carneiro Leão; João Gomes Barroso; Amaro Velho da
Silva; Bernardo Lourenço Vianna; José Antônio Souza da Silva;
Antônio J. Castelo Barbosa; Francisco José...; João Alves S.
Guimarães; Antônio S. Rocha; José Inácio Tavares.
Nem um deles era cigano...
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