Que
os ciganos são extremamente musicais não padece dúvida. Que são
exímios violinistas nem se fala! Estivemos analisando nossa
iconografia e verificamos que em cada dez, oito são de ciganos
empunhando ou tocando violinos; outras nô-los apresentam tocando os
mais diversos instrumentos sejam eles de percussão, sopro ou de
cordas. Assim, vemos ciganos com gusla, violão, guitarra, bandolim/mandolim,
violino, contrabaixo, acordeão, sanfona, flauta, tambor, castanholas
e pandeiro. Vamos abordar este último.
Claro que não sabemos se
ciganos criaram os primeiros pandeiros; é impossível de se saber,
provas conclusivas não há. Temos imensa iconografia mostrando
ciganos e pandeiros desde velhos tempos. Garantimos que, no Brasil,
os ciganos foram divulgadores do pandeiro, como o foram do violão de
sete cordas e das castanholas. Aliás, temos desenho de uma estampa
de ciganos tocando “tambores” na Pérsia, por volta de 1519, olhando
criteriosamente, notamos que eram pandeiros.
Comecemos do começo: O que é
pandeiro? O dicionário Aurélio, século XXI, assim o define:
Pandeiro [Do esp. pandero.] S. m. 1. Instrumento de percussão,
composto de um aro circular de madeira, guarnecido de soalhas, e
sobre o qual se estica uma pele, que se tange batendo-a com a mão,
com os cotovelos, nos joelhos e até nos pés; tambor basco. [Dim.
irreg., nesta acepc.: pandeireta. (V. adufe).
Adufe é um pequeno pandeiro de formato quadrado, de procedência
mourisca. O termo é de origem árabe, ligado a
duff, tímpano.
Parece que a definição de pandeiro é bastante clara. Adicionamos que se
bate ou se toca com as pontas dos dedos, riçando os dedos; com os
nós dos dedos; com o pulso, com joelhos e até com os pés. E os
espertos ainda fazem malabarismos com ele. Compõem um pandeiro:
Fuste, aro de madeira ou metal escovado; pele, selecionada de cabra;
conjunto do esticador, peças de aço ou latão, cromadas ou
niqueladas; platinelas ou soalhas, placas abauladas de metal,
sobrepostas; abafador, chapa plana, fina de latão, colocadas entre
as platinelas. Então partamos para sua história.
Quem inventou o pandeiro? Não se pode dizer quem o criou. Na antigüidade
já usavam instrumentos parecidos, similares e cremos que foi
evolução do tambor, smj. Tambores grandes foram sendo reduzidos até
ficarem bem próximos do tamanho do que hoje falamos pandeiro.
Depois, foi colocar guizos e mais tarde metais que nos deram os sons
atuais.
Pandeiro, também conhecido como tamborim, cimbaleto, tamburino, tambour
de basque, foi encontrado em variadas formas na Assíria, Egito,
China, Índia, Israel, Pérsia, Peru Groenlândia, toda Ásia Central e
na pré-história Britânica.
O site
www.capoeiradobrasil.com.br/instrumentos.htm nos informa que o
pandeiro foi introduzido no Brasil pelos portugueses e dá a data e
local; 13 de junho de 1549, na procissão de
Corpus Christi. Não sabemos em que documento se baseou o autor para
informação tão precisa, mas lhe damos crédito, mesmo porque em 16 no
livro de Belmont No tempo dos bandeirantes lemos: “há
na Vila [referia-se a São Paulo]
um homem original: é o soldado Manuel Chaves que possui uma raridade
— o único pandeiro que aparece nos inventários...”
Em La Gitanilla,
de Miguel Cervantes Saavedra, lemos que “Preciosa [uma cigana] en
Madrid fue un dia de Sant’Ana [...] El aseo de Preciosa era tal, que
poco a poco fue enamorando los ojos de cuantos la miraban. De entre
el son del tamborin y castañetas y fuga del baile...”
O romance supra foi escrito
entre 1547-1616, período de vida de Cervantes.
Parece que o pandeiro ou seu
antecessor foi levado à Espanha pelos muçulmanos, quando invadiram a
Península Ibérica, em 711.
O pandeiro é retratado em
lamentações funerárias, em desfiles alegres, em festas, em mãos de
anjos e, nas mais rústicas formas, foi muito popular na Idade Média.
Pouco mudou de lá para cá.
Na internet, <www.timbrelpraise.com/bible.htm > encontramos página
referente ao pandeiro na Bíblia.
Transcreve-se “Gênesis 31:27 Why didn’t you tell
me, so I could send you away with joy and singing to the music of
tambourine and harps?”
Outras citações estão em Salmos 68:25; 81:2; Êxodo 15:20; Isaias 5:12;
Samuel 6:5 Juizes 11:34; Jó 21:12; 149:3; 150:4; Isaías 30:32;
Ezequiel 29:13; Jeremias 31:4,1; Crônicas.13:8.
Antes de 1500, em Portugal,
entre muitos instrumentos de corda ou de pele já aparecia o
pandeiro, o adufe, o atabal ou atabaque, que foram tocados por
cristãos, mouros e judeus.
Entre 1519-1590, o sultão
Mohammad pintou ciganos tocando tambores muito semelhantes a
pandeiros. Um olhar atento verá que é pandeiro mesmo.
No século dezoito, o
pandeiro foi introduzido amplamente em óperas e, no século dezenove,
tornou-se mais popular ao ser usado por Igor Stravinsky e por
Berlioz.
Esmeralda, a heroína cigana
no livro O corcunda de Notre
Dame, escrito em 1831, tocava um pandeiro enfitado.
Em 1841, G. Wallis Mills ilustrou a capa de
O cigano, de George Borrow,
com uma dança cigana, onde a dançarina agitava um pandeiro.
Em 1897, João Machado Gomes,
o João da Baiana, introduziu o pandeiro no samba.
Gustave Doré, em 1872,
pintou o quadro Gitanos, com uma cigana segurando o pandeiro.
O quadro
Moça cigana/espanhola, foi
pintado por John Phillip (1817-1867).
Sir Richard Francis Burton,
quando passou pelo Egito, pintou ciganas ghawazis tocando pandeiro.
Isto se deu em 1841.
É enorme a iconografia
existente sobre ciganos e ciganas tocando pandeiros o que atesta
visualmente que eles estão entre os primeiros a usarem tal
instrumento.
Em face destas
considerações, é lícito deduzir que ciganos vindos de Portugal,
degredados ou de motu proprio, bem como os calons oriundos de Espanha, para o Brasil,
trouxeram e/ou divulgaram o uso do pandeiro, que depois foi assumido
por negros em batuques, capoeiras e outras manifestações musicais.
Vale relembrar que o primeiro cigano que veio para o Brasil foi João
Giciano, com mulher e quatorze filhos, em 1568.
Luís da Câmara Cascudo, em
seu excelente Dicionário do folclore brasileiro, 2a
edição do I.N.L., Rio de Janeiro, 1962, p.559, nos ensina muita
coisa no verbete PANDEIRO. Permitimo-nos transcrever alguns tópicos:
Instrumento de percussão,
ritmador, acompanhador do canto pela marcação do compasso. Foi
trazido ao Brasil pelos portugueses, que o tiveram através de
romanos e árabes. Os pandeiros mais antigos não tinham pele, e
apenas soavam pelo atrito de soalhas presas lateralmente... O
pandeiro se brande, tange ou vibra. Em Portugal, de sua popularidade
há o registro de Gil Vicente, no
Prólogo do triunfo do inverno:
Em Portugal, vi eu já / Em cada casa pandeiro! Os árabes
conheceram os dois tipos: com pele ou apenas de guizos... Inácio da
Catingueira, que faleceu em 1879, ainda cantava desafio batendo
pandeiro enquanto o colega ponteava a viola, também chamada
‘guitarra’. No seu longuíssimo debate com Francisco Romano, em 1870
este diz: — Inácio, esbarra o pandeiro, / Para afinar a guitarra/.
Silvio Romero registrou uma quadrinha pernambucana que dizia: Quando
eu pego na viola / Que ao lado tenho o pandeiro/... O pandeiro
voltou ao uso intensivo nas orquestras do Rio de Janeiro que deram
prestígio aos conjuntos criados por todo o Brasil... O pandeiro é o
‘tímpanum’ ou ‘timpanon’, das bacantes e dos sacerdotes de Cibele, ‘thof’
ou ‘top’, da Bíblia, ‘douf’', árabe, ‘doeuf’, turco; fontes do
mourisco ‘adufe’ e pandeiro retangular, tocado em Espanha e
Portugal. É o ‘tympanum’, da versão dos Setenta: Summit psalmum et
date tympanum: psalterium jucundum cum cithara. (Psalmus, LXXX, 2).
Pelo que se lê, mestre
Cascudo falou. Tá falado. É o “magister dixit” do folclore.
A seguir, uma poesia
retirada da internet de autoria de Lúcia Silva:
Os ciganos