C I G A N A
SUAS ROUPAS E ADORNOS
por Asséde Paiva - 15/10/2014

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O que é que a baiana tem?

 

Responderei a esta pergunta no fim deste texto. Agora, vou descrever ciganas. Desde o princípio dos tempos ou desde o ano 1000, para ser mais exato, temos informações e vasta iconografia cigana. Os bons autores descrevem suas roupas que, no geral, são constituídas de alegres estampas, amplas saias, coloridos lenços, corpetes de veludo. Claro que as descrições variam de autor para autor e segundo a geografia em que vive o povo cigano. Concluirei, no fim, por uma hipótese inovadora, extravagante para alguns, mas difícil de contestar. Informo que os ciganos estão no Brasil desde 1568 (João Giciano, foi o primeiro) e em todos os quadrantes da nossa pátria. Foram em tão grande número na Bahia que tiveram um bairro especial designado para eles. O que diz a história:

 

31 de julho, 1718 ¾ No governo de dom Pedro Antônio de Noronha, Marquês de Angeja, 3o vice-rei (1714-1718), chegavam os primeiros ciganos à cidade da Bahia. “Eu, Dom João, pela graça de Deus etc. faço saber a V. Mercê que me aprouve banir para essa cidade vários ciganos homens, mulheres e crianças ¾ ‘devido ao máo e escandaloso procedimento com que tem se portado neste reino’. Tiveram ordem de seguir em diversos navios destinados a esse porto, e tendo eu proibido, por lei recente, o uso de sua língua habitual, ordeno a V. Mercê que cumpra essa lei sob ameaça de penalidades, não permitindo que ensine a dita língua a seus filhos, de maneira que daqui em diante o seu uso desapareça.” Propagaram-se por tal forma os ciganos que se tornou a Mouraria pequena para contê-los pêlo que a Câmara designou também para moradia dos ciganos outro bairro da Freguezia de Santo Antônio d’Alem do Carmo. Apud José Carlos de Macedo Soares, em Santo Antonio de Lisboa, militar no Brasil. E In Resumo chronologico e noticioso da província da Bahia desde seu descobrimento em 1500. De José Alves do Amaral, apud José B. China “Os ciganos no Brasil”, p. 62.

 

Pois bem, a cigana da Bahia e de outras plagas pode assim ser caracterizada: Usa saias longas, rodadas, geralmente estampadas; coletes bordados, com miçangas e lantejoulas coloridas; panos de fita de cores vivas, com quatro ou cinco ordens de folhos (tiras de fazenda pregueada ou franzida); a partir da cintura, o corpete é justo e afogado, a manga curta, franzida ou lisa; superpõe até sete saias o que lhe realça as ancas ou quadris, até parecem exagerados; sob a primeira saia traz um bolso kissi, que funciona como verdadeira caixa forte, pois lá põem moedas de ouro, dinheiro, jóias, talismãs; pende-lhe de uma fita, em regra de seda em torno do pescoço, uma cruz de ouro ou imitativa deste metal; da cintura desce-lhe uma avental de chita com grandes enfeites e fitas; às costas lança pequeno xale de cor variada, com larga franja; das orelhas pendem-lhe brincos de ouro ou ouropel; a cabeça da casada é coberta com lenço de seda de cores vivas; usa sapato, bota branca ou preta, mas também anda descalça; gosta de usar flores: jasmim, cravo, rosa, nos cabelos ou sobre as orelhas o que lhe dá um encanto especial. Os colares de pérolas, pulseiras, talismãs e brincos são muito apelativos; a jovem deve usar lenço de pescoço (écharpe, xale), para esconder sua formosura; saias sempre, sempre longas, Calças compridas são proibidas (atualmente desrespeitam esta norma); com freqüência, moedas de pouco valor colocadas simetricamente formam um círculo, um coração ou uma tiara; os cabelos longos, desnastrados ou em trança, também são enfeitados com fitas e moedas; as jóias em geral são de fantasia, sobretudo em brincos pulseiras e argolas; as blusas são decotadas, mostrando o colo sem malícia, o decote grande é arrematado com babados e rendas, com mangas recortadas em godê ou esvoaçantes. Os dentes são às vezes marchetados ou folheados a ouro, formando estrela, quadrado, flor-de-lis etc. Seja de maneira mais recatada ou extremamente enfeitada, a cigana chama a atenção dos passantes.

 

Agora, voltemos à inicial: O que é que a baiana tem? Muita pompa, andar dengoso e cadenciado e... roupas de origem cigana. O que ela tem em comum com a cigana é decote, atavios e saias. A cigana inspirou a baiana no tocante ao uso de saias amplas, franjadas, bordadas. Ela, a baiana, não trouxe este uso da mãe África. Lá vivia com simples tanga e nua da cintura para cima [Os homens e as mulheres andam nus, com apenas um pequeno pedaço de pano grosseiro em volta das ancas... Rugendas, in Viagem pitoresca através do Brasil , p. 175].

 

A baiana se veste assim: uma saia muito rodada, de várias cores combinadas, medindo geralmente cerca de 2 a 4 metros de roda na bainha, usada bufante e armada por muitas anáguas, ou saias de baixo, muito engomadas [....] muitos colares de coral, búzios ou contas de vidro, às vezes tendo corrente de metal, usualmente prata; brincos de turquesa, coral, prata ou ouro e muitos braceletes de ferro, cobre ou outro metal. (Adaptado de Donald Pierson, apud Câmara Cascudo, in Dic. de Folclore, p. 84). As negras/escravas que foram para Salvador, viram as ciganas, copiaram sua moda. Esta é uma hipótese, apenas. Deixo que a tese seja desenvolvida pelos etnologistas de plantão. Certo?! Mas em minha opinião, as baianas têm roupas e atavios similares aos das ciganas. Uma diferença notável: Cigana usa lenço diklô, enquanto baiana usa torço ou turbante, na cabeça.

 

O brazilianista Stanley J. Stein, professor da Universidade de Princeton, estudou profundamente o município de Vassouras no Vale do Paraíba, enfocando a economia cafeeira e abordou com muita propriedade os usos e costumes dos barões do café e seus escravos, em todos os sentidos: ética, modos, costumes, economia, grandeza e decadência da lavoura cafeeira e muito mais. Neste caso, nos interessa tão-só transcrever o que ele viu sobre os escravos e suas roupas. Assim, às páginas179, 216-220 lermos:

 

P. 179, Maria José fugiu do seu senhor, Bernardino Alves da Cruz. Traz as seguintes marcas: cor clara, idade de 26 anos, altura mediana, cabelo curto, rosto redondo, fala bem, é costureira, usava vestido de chita clara e um xale de algodão colorido...

 

P. 217, ... Não era comum os fazendeiros prestarem atenção no que os escravos vestiam, especialmente na década de 1830 e 1840, quando havia afluência de mão de obra africana suficiente e relativamente barata.... “o clima brasileiro, mais frio e mais úmido que o da África, não faria bem aos africanos, caso mantivessem o hábito de andar sem roupas”... um cronista local ridicularizou um fazendeiro avarento de Vassouras por sua atitude negligente em relação a seus escravos.

 

P. 219 As crianças pequenas usavam apenas camisas compridas até à coxa.... Os sapatos não faziam parte do vestuário dos escravos.

 

Jaime Rodrigues, em seu livro De costa a costa (companhia das Letras, 2005), insere uma estampa à p. 129, mostrando um negro, em algum lugar da África, levando pai e mãe, pobremente vestidos, jungidos pelos pescoços, para vendê-los como escravos. Daqueles pontos longínquos, os negros nos trouxeram comida típica, folclore, misticismo, danças e alegria. Vestes não.

Ciganas de fato ou pessoas fantasiadas de ciganas saracoteavam nos ranchos carnavalescos. Só a partir de 1920, as baianas substituíram as ciganas, nas escolas de samba.

 

É ponto pacífico a influência cigana no folclore e no carnaval. E não estou sozinho, tenho boa companhia, pois o historiador, etnógrafo e escritor, Ático Vilas-boas da Mota cuida deste tema, em Vozes, ano 81, vol. LXXXI, n.5, p 528.

 

Enquanto a questão está pendente, vamos cantar com Dorival Caymi:

 

O Que é que a baiana tem?

O Que é que a baiana tem?

 

Tem torço de seda, tem!

Tem brincos de ouro tem!

Corrente de ouro tem!

Tem pano-da-costa, tem!

Sandália enfeitada, tem!

Tem graça como ninguém.

Como ela requebra bem!

 

Quando você se requebrar

Caia por cima de mim

Caia por cima de mim

Caia por cima de mim

 

O Que é que a baiana tem?

O Que é que a baiana tem?

O Que é que a baiana tem?

O Que é que a baiana tem?

 

Tem torço de seda, tem!

Tem brincos de ouro tem!

Corrente de ouro tem!

Tem pano-da-costa, tem!

Sandália enfeitada, tem!

Só vai no Bonfim quem tem

(O Que é que a baiana tem?)

Só vai no Bonfim quem tem

Só vai no Bonfim quem tem.

 

Um rosário de ouro, uma bolota assim

Quem não tem balangandãs não vai no Bonfim

(Oi, não vai no Bonfim)

(Oi, não vai no Bonfim).

 

Na primeira e na penúltima estrofes, Caymi descreve, na verdade, roupas de ciganas que foram copiadas pelos negros. Eles vinham nus ou quase nus da mãe África.

 
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