CANCIONEIRO


Compilado por Asséde Paiva
Revisado por Acir Reis


Quem quiser saber a sorte, vai à tenda da cigana
Cartomante, quiromante, “vê” na bola de cristal
A moderna pitonisa a si mesma não engana
Seu futuro é tela opaca, guarda segredo quiçá fatal.
(in Parque de diversões de Sheila Lejoto)


Postado em 14/05/2015

6248 acessos.

         Após pesquisar mais de cinco anos na Fundação Biblioteca Nacional (FBN), na Fundação Nacional da Arte (Funarte), no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), na Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Museu da Imagem e do Som (MIS), no Arquivo Nacional (ANRJ) etc. e baseando em extensa bibliografia [consultar neste site o arquivo fontes e bibliografia], preparei este documento.

 

        São poesias, trovas, canções, lindas composições musicais, feitas por renomados vates, trovadores, poetas, escritores, prosadores focando o povo cigano, bem como poesias feitas pelo próprio povo cigano, através de seus mais representativos poetas, cancioneiros e músicos de escol.

         As canções, criadas pelos não-ciganos, em regra geral elegíacas, falam das mulheres de olhos pretos, tristes, magnéticos, fosforescentes; dos cabelos negros, longos, trançados, das tiaras de moedas dos dentes de ouro, das saias rodadas e multicores, da cor acobreada da pele, dos poderes místicos, da extrema habilidade em ler as mãos, bater as cartas e dançar. Exaltam a paixão violenta que despertam, falam do acampamento, da partida, do armar e desarmar tendas, da alegria natural, espontânea. Quanto aos homens ciganos, neles se realçam os traços másculos, sensualidade, habilidade com o punhal, a magia instrumental, mormente com violinos. A faculdade de amestrarem animais: ursos, macacos e cavalos. A ciência com os metais. E, claro, não esquecem da magia, do misticismo, do mistério, das fogueiras e dos bandos. Parece até que os ciganos são adorados, entretanto a realidade é bem diferente. Os não ciganos tecem elogios e castigam, dentro do princípio: ‘morder e assoprar’. É paradoxal, mas é isto que acontece: Amam os ciganos e ao mesmo tempo os temem, os detestam, os humilham, os expulsam de todos os lugares.

 

         As poesias escritas pelos próprios ciganos (e por aqueles que os amam irrestritamente e os aceitam tal como são, tal qual como seres humanos), são cheias de tristeza e de desespero. Um lamento, a desesperança e um grito de amor à liberdade, à família, à vontade de viver.

 

         O organizador não é autor de nenhum dos textos que se seguem, apenas fez a colheita e pede que considerem como elogio e respeito aos criadores de tão significantes poemas. Estes, quando conhecidos, são citados imediatamente, logo após cada composição. Desde já agradeço àqueles que me informarem os nomes omitidos por descuido ou ignorância. A semeadura é grande, a messe é preciosa, entretanto, admitimos que muita coisa boa, bonita e valiosa ficou de fora, para futuras colheitas. Que me digam as falhas que cometi e me mandem sugestões; todas serão apreciadas e anotadas, quando pertinentes.

 

 

Introdução

 

Há muito li Pois é de Paulo Rónai (Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1990), onde na Introdução e em muitos artigos, pp 7-39, fala do grande escritor Guimarães Rosa. Na pagina 21, Paulo Rónai nos diz:  “... a grande epopeia cigana de que neste livro [Tutameia] afloram três leves amostras Faraó e a água do rio; O outro ou outro e Zingaresca, provas de atração especial que exercia sobre  o erudito e o poeta esse povo de irracionais, ébrios de aventuras e de cor, refratários à integração social, artistas da palavra e do gesto”. Incluo também o conto Corpo fechado in Sagarana, p.256. Fiquei deveras entusiasmado quando li estes contos, pois me dedicava há mais de 10 anos a estudar os ciganos e tinha escrito alguns textos sobre eles. Resolvi redigir contos também e foram 10 ou doze, bem simples, porque não tenho condições de emparelhar-me a Rosa. Escolhi dentre meus escritos sete, que passo a incluí-los neste opúsculo.

 

Pensamos em titular este trabalho com o verbete ciganidade, como significado de tudo que diz respeito ao povo cigano (origem, língua, costumes etc.) porém, vimos que este termo não existe na língua portuguesa, embora estudiosos o citem com certa frequência. Resolvemos optar por outro verbete também inexistente em nossa língua ou, pelo menos, não citado nos dicionários mais abalizados como o Aurélio e o Houaiss. Trata-se da palavra Ciganíada. Este, portanto, é o título de nossa coletânea, mesmo porque traz em si mesmo, em seu bojo, a ideia povo e sua força singular, quase metafísica, de manutenção de unidade, apesar da adversidade. A saga de um povo insubmisso, libertário e a seu modo feliz. O termo não é meu, foi criado pelo poeta romeno, Ion Budai Deleanu, como explico, a seguir:

 

A Ciganíada (de Deleanu), com 12 cantos, é em ordem cronológica a primeira obra de valor da literatura romena. Budai Deleanu (1870-1820), homem de vasta cultura e poeta de excepcional talento, compôs essa obra em fins do século XVIII, não chegou a vê-la publicada. Somente em 1877 apareceu pela primeira impressa e desde então constitui o mais importante poema épico da literatura do país.

 

A ação se desenrola em meados do século XV. Os principados Romenos viviam sob o terror das invasões otomanas, quando Vlad Tepes (Vlad, o impalador) subiu ao trono da Valáquia. Sabendo que os turcos se preparavam para invadir o seu Estado, e temendo que os ciganos, em grande número, espalhados por toda parte, poderiam servir de espiões em benefício do inimigo, resolveu reuni-los, formar um exército e mantê-los sob sua mira. Sempre desconfiado, porém, simulou uma invasão, no setor em que os ciganos se achavam concentrados. Quando a ciganagem avistou os ‘invasores’ em trajes turcos, virou logo a casaca... In Nelson Vainer, Antologia da poesia romena: Civilização Brasileira, 1966.

 

O poema, joco-sério, ciganíada, não é favorável aos ciganos, pelo contrário, é depreciativo. Todavia, em Cancioneiro romeno, organizado por Stella Leonardos, Edições Portas de Livrarias, série poesia, 15; 1972, p. 100, encontramos A canção do “Bulibacha” (do turco buluk-bachi, chefe cigano), onde se dá a devida resposta ao poeta Deleanu e ressalta o pacifismo cigano. Ciganíada, doravante significará tudo de bom do povo cigano. Leiamos parte da Canção do Bulibacha:

Nos tornaste de comédia,
senhor Ion Budai Deleanu.
Mas num mundo onde há tragédia
rir um pouco fará dano?

Turco ou romeno,
venha vinho,
companheiros,
riso em torno
da fogueira!

Deixaremos epopéias
para cristãos e otomanos:
sobreviver tem seu épico.
Que diga o povo cigano.

Turco ou romeno,
venha vinho,
companheiros,
canto e dança
a noite inteira!

Nem cobiçamos a terra,
nem guerreamos, nós ciganos.
Viva nosso povo, ileso
entre cristãos e otomanos
Capricho cigano

Não sei porque tu és tão vaidosa
cigana má, cruel e caprichosa
gostas de ver minh’alma envenenada,
o teu prazer é me fazer sofrer.

Já fiz tudo prá te dar
vida mais feliz.
Até já quis
te dar o meu lar.

teus caminhos não são meus
és volúvel, anda,
parte... adeus...
(Tango do folclore do Pampa)


***


Cigana linda

Vem
Ó cigana bonita
Ver meu destino
Que mistérios tem.
Tu com olhos de quem vê
No acaso o amor da gente,
Põe nas minhas mãos o teu olhar
Ardente
E procura desvendar no meu
Segredo
A dor
Cigana
Do meu amor
Mas nunca digas ó zíngara
Que ilusão me espera
Qual o meu futuro.
Só aquela por quem vou vivendo
Assim à toa
Tu dirás se a sorte será má
Ou boa,
Para que ela venha consolar-me
Um dia,
A dor
Cigana
Do meu amor.
Almirante

***


Cuidado com essa mulher

Há muito tempo que o meu santo me dizia,
E a cigana cansou de avisar:
Cuidado com essa mulher
Que ela vai te abandonar
Eu fui um bobo
Em não querer acreditar...
Agora vejo
O santo tinha razão
E a cigana foi sincera
Quando leu a minha mão.
Essa mulher não te quer
Essa mulher não te adora,
Essa mulher não te ama
Manda essa mulher embora
Ataulfo Alves e Antônio Almeida

***
Cigana

Preciso encontrar minha cigana,
Eu quero estender-lhe minha mão!
Não pensem que é pra ler minha vida,
Que é perdida
Se ela não me der seu coração!
Cigana, por favor,
Eu quero a esmola do seu amor!

Não quero a baiana,
Não quero a espanhola de Madri!
Ai! Ai! Ai! Cigana!
Quem foi eu viu minha cigana
Por aí?
(Marcha de Jota Junior e Mary Monteiro)

***
Cigano do amor
(Il cuore é uno zingaro)

Havia no meu peito um coração
Sofrido, sofrido
E dentro dele um nada que aumentava
Chorava, chorava
Um dia muito tarde já noite
Fiquei sem ter você junto a mim
Com medo de olhar nos seus olhos
Deixou-me só cantando assim
Que pena que sou cigano do amor
Nada mais consente não há
Para me segurar
Nunca mais e quem me encontrar
A forma de lhe pertencer meu coração
Na certa vai morrer ou se fechará
Quem sabe? Ou se fechará!
(Gravação de Cauby Peixoto)

***
Gitanilla

Mi gitanilla
Que me hace sufrir
Mujer bonita
Sin ti no puedo vivir.

Querida
Tú supiste dominar mi corazon
Pero ahora
Já no passas de una ilusion

Quiera me tanto
Com te quiera a ti
Da-me tus labios
Pues yo los quiero sentir.

No diga que el destino
Para siempre
Fué a nosotros separar
Supiste querer-me
Sin saber amar.
(Samba canção de Paulo de Assis Ribeiro)

***

Cigana
Uma cigana
Ao ler minha mão
Viu tristeza
Dentro do meu coração
Que eu sofreria
Uma desilusão
Que alguém trairia
O meu coração
Que a profecia
Não iria falhar
Que dias tristonhos
Eu teria que passar.




Não, não, não.
Eu não quis acreditar
Cigana igual a essa
Iria me enganar
Vejam só eu comecei a rir
Porque toda cigana
Só sabe mentir...

O meu amor
Que era tudo pra mim
Fazia da vida
O meu sonho sem fim
Ele me dava
Toda afeição
E eu o amava
Com a maior paixão
Logo depois
Que a cigana falou
Meu amor foi embora
Nunca mais ele voltou.

Não, não, não
Eu não quis acreditar
Cigana igual a essa
Não iria me enganar
Vejam só
Eu comecei a rir
Porque toda cigana
Só sabe mentir...
(Getúlio Macedo)

***

Cigana (gitane)
(bolero)
Quero amar e cantar
sob o céu espanhol.
Quero abraçar a Espanha,
que é pátria do sol!
Tu linda flor de lis
que o destino vês,
lê a minha mão!
Cigana, me diz, por favor,
se acharei meu amor!
Cigana, me diz se eu terei
a ilusão que sonhei!
Cigana, me diz
se amanhã poderei ser feliz!
Cigana, me diz se há alguém
para me querer bem!

Coda
Pois se tu me sorris
como o teu país,
sei que sou feliz!

Quero esperar, quero crer
e parar de sofrer!
Se um doce olhar me faltar,
só me resta morrer!
Vê, linda flor de lis!
A chorar eu vim!
Vem! Tem dó de mim!
Cigana, me diz, por favor
que acharei meu amor!
Cigana me diz
que afinal vai findar meu mal!
Cigana, me diz
que há alguém para me querer bem!
Cigana, confessa, porém!
Que és tu mesmo esse alguém!

Coda:
Pois se tu me sorris
como o teu país
sei que sou feliz!
(Música de Francis Lopes; versão de Ghiaroni)

***
Cigana
Venha ler minha mão
Para eu saber
Se vou ser feliz ou não
No jogo não dou sorte
Nem tampouco no amor
Meu coração pobre coitado
Sempre foi um sofredor
Cigana, por favor
Diga a verdade
Vê se eu terei
Muita possibilidade
Aqui na minha mão
Eu vejo o traço da nobreza
Mas eu não encontro
A fonte da riqueza.

***

Cigana (Gitane)
Quero amar e cantar
sob o céu espanhol.
Quero abraçar a Espanha,
que é pátria do sol!
Tu linda flor de lis
que o destino vês,
lê a minha mão!
Cigana, me diz, por favor,
se acharei meu amor!
Cigana, me diz se eu terei
a ilusão que sonhei!
Cigana, me diz
se amanhã poderei ser feliz!
Cigana, me diz se há alguém
para me querer bem!

***

Gitano
(Te quiero, te quiero)

Te quiero, te quiero
Quiero tanto mi amor
Y se que sin ti me muero de amor
Por eso es que te pido
Nunca mi dejes, nunca mi amor

Te quiero, te quiero
Y tu lo sabes, lo sabes bien
No quiero sufrir la pena
Penita pena, penita pena no
Por eso es que te pido
Nunca me dejes, nunca mi amor
(M. Smith e P. Ricks. Gravado por Flamenco Group)

***

Cigana
Dê-me a sua mão
Que eu a sorte lhe digo
A sorte ou o castigo
Nas linhas da mão
Um caso de amor
Bem na palma estou lendo
Mulher, estou vendo
Mulata na cor

Gosta de João
Não esconde a cigana
Que engana
A qualquer mortal
Cuja sorte é fatal
Vai ter vida longa
Dinheiro de mais!
Dizer tudo me obriga
O que esta mão traz!

Vai uma viagem
Fazer afinal
Receber uma herança
Na terra natal
Cigana!
Já marchei no dinheiro
Cigana!
Comigo é só no cruzeiro
Cigana!
Olhe que eu sou capaz
De um beijo dar-te, mal não faz..
(Canta: Henriqueta Brieba)

***
Ciganinha
Cigana, cigana
Minha linda ciganinha
Tu és meu amor
Ainda serás toda só minha.

Tu és uma beleza
Doada da natureza
Meu bem
Ninguém ma roubará
Porque direito
Mais do que eu
Ninguém tem.

Ciganinha linda flor
Ciganinha meu amor.
(Baião de F. Melilo)

***

Pelas ruas da cidade encontrei
Toda rota uma cigana a mendigar
Linda jovem de olhos negros tão profundos
Que bailavam suavemente sem cessar,
Simplesmente a toda a gente aproximava
Ler a sorte, que de cor ela trazia
Num baralho esfarrapado já sem cor
Estendendo a mão assim ela dizia:
Fala
Buta denero no meu mão, fala tudo pra senior, passado, presente, futuro, se senior está doente, senior sara logo, se senior está sortero, senior vai casá cum moça muito rica, muito munita, senior muito filiz; se senior está casado, senior vai tirá sorte grande mas gasta tudo, buta cinqüenta mil réis im cima de baralho que eu fais desaparecê pra senior ficá contente.

Canta
Ai cigana ciganinha
Tens a vida tão mesquinha
És pobre maltrapilha porque queres
No entanto nos cativa entre mulheres.

E bem lá no acampamento ela vivia
A cigana de olhos negros tão profundos
Entre aquela gente toda maltrapilha
A sonhar talvez grandezas deste mundo.
E assim passava a vida sempre errante

Tão feliz naquele ambiente sentia
Detestando quem por ela interessava
Linda Rosa que no lamaçal floria.

***

Cigana
Era uma linda cigana
Que vinha toda semana
Tirar sortes na cidade.
E um dia quando a encontrei
Vi que naquela sereia
Palpitava a felicidade.

Ah! Cigana feiticeira!
Tomaste minh’alma inteira
Inteira na tua mão
Sem saber quanta tortura
Essa sua formosura
Me causava ao coração!

O teu olhar cheio de encanto
Pôs um quebranto dentro de mim...
Fiquei te amando... te amando tanto
Eu que não tive amor assim!
Mas tu fugiste para tão longe
Para tão longe sem me falar...
Fiquei sozinho tal qual o monge
Que vive apenas de recordar.
(Tango-canção)

***
Astro vagabundo
Velha estampa na parede,
a toalha no jantar,
na fumaça um anjo negro vai chegar.
Por trás da veneziana,
a cigana vai falar
que o inferno monstruoso vai chegar.
Mas se o astro vagabundo
na verdade vai chegar,
não quero ver o fim do mundo,
vou dormir em teu jardim.
(Raimundo Fagner e Fausto Nilo, in Povo cigano, de Cristina C. Pereira)

***

A cigana
(Gypsy woman)
Um dia ao me ver passar
E mesmo por este lugar sombrio
Só olhando o chão
Alguém me estendeu a mão
Com o olhar luzindo
Fez luzir o meu coração
A vida então viveu
Mas era cigana, mas era cigana
E logo quis ler a mão prevendo meu destino
Então o brilho deixou seu olhar
E a voz parou de me falar
Oh! que triste pensamento eu fiz
Senti que nunca ia ser feliz
Mas ela era cigana, mas ela era cigana
Tive muito que fazer
Pro meu mundo enfim valer
E agora outro eu sou
Tudo ao meu redor mudou
Finalmente sou feliz
Encontrei quem sempre quis
Eu amo, eu amo
E a cigana se enganou e a cigana se enganou
(C. Mayfield; versão Hamilton Di Giorgio; grav. Tony Campello)

***

Pirata cigano

Se viver é navegar
Meu barco lá se foi
Na correnteza da chuva
Numa garupa
Que o vento levou
Pra bem longe do tempo

Cada porto um amor
Em cada amor um adeus
Meu barco segue sozinho
Mero destino
Eu quero avistar
De dia o sol
De noite o farol

Sou pirata cigano
Velho lobo do mar
Gasto tudo que ganho
Pelo prazer de sonhar!

***

Coração cigano
Pena que você
Não sinta que eu te amo
Pena que você
Não saiba que eu te quero
O meu coração cansou de ser cigano
Hoje ‘tou a fim
É de um amor sincero
Não sei o que fazer com tanto sentimento


Quando a gente fica assim
Não é coisa de momento
Me olhe nos meus olhos
Que você vai ver paixão
Quando tem carinho depois de prazer
Não é ilusão

Me deixa ficar na vida com você
Me deixa mostrar o que eu não sei dizer
Gostoso é amar sem tempo pra acabar
Sem ter que ir embora
Me deixa sonhar, dormindo com você
Depois acordar com sonhos pra dizer
Gostoso é passar o tempo devagar
Te amando a toda hora

Pena que você
Não sinta nos meus beijos
Que você pra mim
É mais que um desejo
O seu coração
Não sabe o que é saudade
Você só me quer
Quando o corpo tem vontade
Não sei o que fazer com tanto sentimento
Quando a gente fica assim,
Não é coisa de momento
Me olhe nos meus olhos
Que você vai ver paixão
Quando tem carinho depois de prazer
Não é ilusão.
(Negritude Jr.)

***
Violino tzigano
Oh Tzigano, dall’aria triste e appassionata
che fai piangere il tuo violino fra le dita,
suona ancora, come una dolce serenata,
mentre, pálido, nel silenzio ascolteró
questo tango che in una note profumata,
il mio cuore an un altro cuore incatenó.

Ritornello

Suona solo per me
oh violino tzigano...
forse pensi anche tu
a un amore, laggiù
sotto un cielo lontano...
Se un segreto dolor
fa tremar la tua mano,
questo tango d’amor
fa tremare il mio cuor,
oh violino tzigano...

Tu che sogni la dolce terra d’Hungheria,
suona ancora com tutta l’anima tzigana...
voglio piangere, come te, di nostalgia
nel ricordo di chi il mio cuore abbandonó
come il canto che tu diffonde per la via,
con il vento, la mia passione dilegnó.

Ritornello

Suona solo per me,
ecc, ecc.
.............................
............................
Questo tango é d’amor
ma il mio amore é lontano...
suona, suona per me
pur se piango com te,
oh violino tzigano!...
(Letra original e música de C. A. Bixio e B. Cherubin)

Tradução quase literal
Oh cigano, a ária triste e apaixonada
que fazes chorar teu violino entre os dedos,
soa, ainda, como uma doce serenata,
enquanto, pálido, no silêncio escutarei
esta melodia que, em noite perfumada,
meu coração a um outro coração acorrentou-se.
Estribilho

Toca só para mim
oh! Violino cigano...
talvez penses tu, também,
em um amor, longínquo
sob o céu distante...
Se uma secreta dor
faz tremer a tua mão,
esta melodia de amor
faz tremer meu coração,
ó violino cigano.

Tu que sonhas com a doce terra da Hungria,
toca ainda com toda alma cigana...
quero, chorar como tu, de nostalgia
na lembrança de quem meu coração abandonou
como o canto que tu difundes pela estrada,
com o vento, a minha paixão desvaneceu.

Estribilho
Toca só para mim,
etc. etc.

Esta melodia é de amor,
mas o meu amor está distante...
toca, toca para mim
Pois se choro contigo
ó violino cigano!...
Trad. de José Carvalho

* * *
Zíngaro vagabundo

Já raiou o sol! O dia nasceu!
Põe-te em pé que a noite já passou!
Tens que prosseguir.
Tempo é de marchar...
Teu destino, zíngaro é vagar!

Refrão

Canta a liberdade,
Zíngaro vagabundo!
Busca a felicidade
Onde a puderes achar!
Vaga sem descansar, zíngaro, pelo mundo!
Vive sempre feliz.
O mundo inteiro é teu lar.
Tua caravana alegre irá,
Sem achar fronteiras
E a mulher te dará
Todo amor que tu queiras.
Canta a liberdade,
Zíngaro tu terás
Que onde tu tenhas posto o pé,
Zíngaro, aí reinarás! reinarás!
(Letra de Wolfe Gilbert, trad. espanhola de José Mojica, versão brasileira de Paulo Gustavo; música de D. J. Vecsei)
***
Uma cigana (marcha)
Uma cigana eu vi
a me dizer assim
com esta lua azul
vem o amor
e quem gostar de alguém
que feche os olhos bem

E peça sorte, sorte, sorte,
que a sorte vem.
Lua azul, lua azul
minha oração
lua azul, lua azul
ouça, por favor.

Eu quero o meu amor
eu vou rezar também
pra ter sorte, sorte, sorte,
como o meu bem.

* * *
Cigano

Vem meu cigano
Reviver nosso amor
Tem violino
Traduz tão bem minha dor

Querido
Tu soubeste dominar meu coração
Transformando
Minha vida numa ilusão

Queiras-me tanto
Como quero eu a ti
Dá-me teus lábios
Pois eu quero sentir

Não culpes o destino
Se algum dia
Para sempre eu te deixar
Soubeste querer-me
Sem saber amar.
(Samba canção de Paulo de Assis Ribeiro)

***

Os ciganos
Os sacrifícios e os corações
Tanto mistério para eclodir
No quintal das cidades, no carrossel
E viver de pão e circo noutra civilização
Bronzear os anéis
Pratear os cristais
Padecer
Praguejar
Ninguém mais vai sorrir
Sepultando meu desejo de ferir
Vou descer, subir
Meu caminho pontilhado de degraus
Vou voar, navegar
Vou vagar pelo mundo
Vou andar, andar
Arrancar de outras tendas o beijo, amor
Rendas brancas já sangrando, já rasgando no caixão.
Vou cantar,
Vou dançar
Procurar não sofrer.
Mas a queda é tão difícil de conter
E vou soluçar de paixão
Não vou mais saber dos destinos
Vou lastimar e morrer só
E minha lenda vai se queimar
Vão lembrar, lembrar.
(Renato Murcia e Antonio Jaime; gravado por Maria Alcina)

* * *
A ciganinha
Você a ciganinha
Dona do meu coração
Não tenho sangue cigano
Mas vou pedir sua mão.

Hoje à noite eu vou
Falar com seu pai
E quero saber
Se ele concorda
Com um casamento
Entre eu e você
Mas eu estou pensando
Que ele não vai
Aceitar nossos planos
Só porque não tenho
Sangue cigano.
(Letra e música de Carlos Alexandre e Aarão Bernardo)

* * *

Abre a mão e vem pra Vila, que a
cigana vai ler tua sorte

Vem, vem embarcar no carroção desta magia
Contar a nobre história dos ciganos
Um povo errante, sem pátria e sem fronteiras
Levando a vida a padecer por seus enganos
Mercadores de ilusões abrandam medos
Seduzem fácil com seu jeito de dançar
Reis da alegria pisam o solo que abençoam
Em busca de harmoniosos violinos
Brasas na fogueira a brilhar.

Juntei meu patuá, meu amuleto de cigano
Meu sonho hoje é ler a tua mão
Ouvindo o mar azul, vermelho e branco... uma só voz
Da arquibancada salve a União

Sublime aroma afastando o mau olhado
Exemplo forte de viver e ser feliz
Belas ciganas, riso franco, mesa farta
Tarô da sorte, para o futuro desvendar
Cartomantes, quiromantes e cabalas
Castiçais, ervas cheirosas, meu destino energizar
Místico amuleto nos comboios
A ferradura, sorte vem prenunciar
Vai, povoando o imaginário cortesão
Vendendo adornos, animais, tapeçarias
Bate o martelo, pra fechar mais um leilão.

Sou da Vila amor
A cigana hoje vai ler a tua sorte
Com sua alegria e sedução
Vem fazer a Vila bem mais forte.
(Esc. A.R.C. União da Vila do IAPI. Compositor: Jesse Parodia, Edson Custódio, Nego Izolino. Intérprete: Mauriléia dos Santos Maciel)

* * *
Cigana
Eu te encontrei na minha vida um dia
Num vestido de louca fantasia
Oh! Cigana das tribos vagabundas
Os teus olhos cansados de cismar
Eram duas estrelas a brilhar
Dentro da noite das olheiras fundas.

Infundias terror a toda gente
Desvendando o futuro claramente
Invadindo as paragens do divino
Teu olhar que falava sem sorrir
Mergulhava nas trevas do porvir
E trazia os segredos do destino.

Eu também queria saber da minha sorte
Se era a vida risonha ou se seria a morte
Que iria encontrar na minha estrada
E dei-te a mão e nossas mãos tremeram
Meus olhos nos teus olhos se perderam
E fiquei mudo e não disseste nada.

Depois sorriste e eu te chamei querida
Unimos nossas vidas numa vida
E desfez-se o mistério do teu porte
Mas não perdeste o teu poder divino
Na minha mão não leste o meu destino
Porque está nas tuas mãos a minha sorte.
(Letra de Paulo Roberto, música de Romualdo Peixoto (Nonô)

* * *

Cigana
Ah, ah, ah, cigana
Eu vou te esperar
Eu vou te pegar
Eu vou te beijar
Cigana
Pois você não me engana
Com esse cabelo, sem jeito
Seu sorriso branco
Sua beleza selvagem
Sua pele cor de jambo
Meio feiticeira, meio anjo

Por isso vou te esperar cigana
Eu vou te pegar cigana
Eu vou te beijar cigana
Cigana, cigana, cigana feiticeira
Cigana, um anjo
Cigana, mulher
Cigana você não me engana
Por isso eu vou te esperar
Eu vou te pegar
Eu vou te beijar
Cigana

Ah, ah, ah, cigana
Eu vou te esperar
Eu vou te pegar
Eu vou te beijar
Ah, ah, ah, cigana
Ah, ah, ah, cigana
(Jorge Ben)

***
Cigana feiticeira
Cigana feiticeira
Seu feitiço me pegou,
A luz do seu olhar
Tem tanto fogo e me queimou.
Pela primeira vez
Que você leu a minha mão,
Deixou uma fogueira
Dentro do meu coração.

Cigana feiticeira,
Feiticeira, ai meu Deus,
Eu gasto tudo, tudo,
Pelos carinhos seus.
Me diga só
O que eu tenho a fazer,
Pra virar cigano
E morar com você.

***

O cigano

Um dia
eu em Andaluzia
ouvi
um cigano a cantar
havia
no canto a nostalgia
de castanholas
batidas ao luar.

Mas era
a canção tão sincera
que eu a julguei para mim.
e agora
que minh'alma te chora
ouve bem...
a canção era assim:
Estribilho

O amor tem a vida da flor!
Não sonhe alguém,
do seu sonho a colher (bis)
Pois bem:
como acontece à flor,
meu lindo amor
principia a morrer...
principia a morrer...

Cigano!

Que sabia o engano
porque
me fizeste tão mal.
Não fora
a canção traidora
e o meu sonho
seria eternal!

Quem há de
fugir fugira à realidade
que vem
desmentir a ilusão.
E hoje
que teu beijo me foge
cantarei do cigano a canção!
(Letra de João do Sul, música de Marcelo Tupinambá)

* * *

Cartomante

Nos dias de hoje
É bom que se proteja
(...)

Nos dias de hoje
não lhes dê motivo
porque na verdade
eu te quero vivo.
Tenha paciência,
Deus está contigo,
Deus está conosco
até o pescoço.
Já está escrito,
já está previsto,
por todas as videntes,
pelas cartomantes.
Está tudo nas cartas
em todas as estrelas,
no jogo dos búzios
e nas profecias.
Cai o rei de espadas,
cai o rei de ouros,
cai o rei de paus,
cai, não fica nada.
(Ivan Lins e Vitor Martins)

Os ciganos

_ De onde vens,cigano?
_ Venho da boemia.
_ De onde vens cigano?
_ Venho d’Almeria.
_ E tu, meu cigano?
_ Lá de Andaluzia.
_ E tu, rei cigano, tão amigo?
_ Venho de um país que veio comigo.

Da planície inclemente em cavalos luzentes
Caravanas crescentes de ciganos valentes
A guitarra vibrando em noites de lua
Que na sombra flutua como um lírio no céu.

Canta na noite o pandeiro moreno
E no terreiro pelos campos em flor
Sobe ao ar a canção de um amor sem fronteiras
A oração feiticeira que é uma prece de amor
(Letra de Pierre Cour, música de Hubert Giraud; versão de Vanja Orico)

* * *

Cigana

Cigana,
És feliz somente porque tens beleza,
Cigana,
Tua pátria
É o mundo e a natureza,
Cigana,
Não precisas mais vagar sem fim,
Cigana,
Eu te quero para mim.

Cigana,
Tua vida é diferente,
Cigana,
Não tens pátria nem parente,
Vives a vagar de déu em déu,
Cigana,
Dá-me o amor que dou-te um céu.

***

Cigana dos olhos tristes
Cigana dos olhos tristes
Porque vive sem amor
Não vê que eu também sou triste
Vivo sozinho sem ter ninguém
Cigana se tu soubesses
Como padeço sem ter ninguém
Bis
Veria como é tão triste
Viver sozinho sem ter ninguém

Esperei que os teus olhos tristes
Olhassem só para mim
Esperei que os teus lábios lindos
Cigana, sorrissem só para mim
Cigana leu minha mão
Não é todo seu coração
Bis
As cartas do seu baralho
Não me mostraram
Tanta ingratidão.
(Maurício Reis e José Jorge)


***

O cigano

Sou um cigano há muito tempo na estrada
Tempo, muito tempo, as raízes não as plantei
Não plantei (bis)

Sou jovem e belo e isso irrita
Levo na bagagem
Todos os sonhos que sonhei
Que sonhei, eu sonhei
Compromissos, não os tenho
Pois sou um cigano há muito tempo na estrada

Com certeza só a beleza
Talvez de morrer antes dos trinta

Eu só queria, só queria ter tempo
Pra tocar minha guitarra
Com a liberdade que sonhei, eu sonhei
Posso continuar, sonhando.
(O. Vecchione e W. C, de Noronha)

***

Cigano
Abandonei o meu bando
Só para viver cantando
Pois julguei ser melhor assim
Pensei
Que as barracas modestas
Não continham festas
Que eu ia encontrar neste mundo sem fim
Engano
Quanto tenho chorado
Por ter me iludido, assim
Procuro enganar-me enfim
Porque
Os que vivem chorando
Se disfarçam cantando
E é o que hoje se passa em mim

Canto porque
Eu preciso esquecer o que fiz
Choro por ver
Que jamais poderei ser feliz
Troquei as ciganas de tranças compridas
Por outras mulheres fingidas
Que só sabem mentir
E zombar do que a gente diz.
(Almirante)


***
Violines gitanos (tango)
Los oido en los caminos y sueno en el verano
de un pueblo que blanqueaba del sol al resplandor,
en la cancion errante de aquel violin gitano
que paso por la aldea de mi primer amor.

Venian de muy lejos y alla en el firmamento
el sol que se moria, doraba su cantar,
un cantar mas antiguo que el camino y el viento perdidos
en los trigos maduros al pasar.

En el cielo estaba rojo, dormiase la aldea,
El zingaro bajaba de la vieja carreta
el alma de los campos lloraba en su violin
la zingara miraba mis manos de poeta leia mi esperanza romantica y sin fin.

Llevabase el pampero los canticos de Hungria
y el sol en el camino rimaba outra cancion
la zingara andrajosa mirando me decia vendra la que tu esperas vendra tu corazon.

Esperala, que un dia vendran sus labios rojos
para llenar de tanto, tu ardiente soledad, vendra desde otras tierras y en sus azules ojos
florecera la estrella de tu felicidad.
Mis ultimas monedas caian en sus manos,
partia la carreta com aspero rumor,
alla lejos, mui lejos, en el violin gitano outra voz me decia tu moriras de amor.

Despues en los caminos los campos las ciudades,
escucho los violines gitanos y al rumor, me digo a mis ardientes y oscuras soledades,
que nunca vino ella, ni yo mori de amor.
(Letra de H. P. Blomberg, música de E. Maciel)

***

Canção cigana
Filha, sou da Hungria
Terra d’alegria,
E com meu pandeiro
Eu cantando passo o dia inteiro,
Por ser minha sina
Eu desde menina,
Ando mendicante,
A caminhar pelo mundo errante!

Canta, canta, cigana,
O teu pesar engana,
Tira sorte, adivinha,
Pelo mundo caminha,
Não busque amores, ventura e prazer
Que pranto e dores somente hás de ter!

Na rua esmolava,
A sorte tirava,
E pro companheiro
Sempre arranjava algum dinheiro,
Por culpa da sorte
Fui abandonada,
Sem rumo, sem norte
Eu ando a cantar, desconsolada.

Estrib.: Canta, canta, cigana...

Siendo yo chiquita,
Mis padres me hicieron
Que yo por el mundo
Pidiera limosna,
Hoy que vivo sola,
Sin calor de nadie,
Pido la limosna
Al son del pandero
Y al compas del baile
Estrib.: Canta, canta Bohemia etc.
(Letra de Inácio Munhoz, música de Rafael Gomez. Adap. de Arlindo Leal)

***


Canta para mim, cigana!
(Play to me, gypsy)
Oh, canta, cigana,
Ao luar, para mim
A linda canção do amor
Que não tem fim!
E quando te fores
A tua canção
Eu hei de guardar, aqui,
No coração!
Teu bando vai partir
P’ra longe, além!
E em sonho a te seguir
Eu vou também!
Oh, canta, cigana,
Ao luar, para mim
A linda canção do amor
Que não tem fim!
(Original Lirics BEDA; versão de Oswaldo Santiago. Fox-trot)

***

La gitanilla
Mientras trabajaba
Juan Antonio en su herreria,
La Marchosa le tentaba
Con el cebo de su amor,
Y al oido le mentia:
Desde el dia que te vi
Por tus ojos miro yo,
serrano, dueño de mi via!...

No reniegues de tu ley
Ni te fies de un amor
Que corre como el rio...
Un capricho de mujer
Que há de ser tu perdición
Te roba los cinco sentio-avôs

Sólo yo te quiero bien
Y te he dao un corazón
Que nunca has meresío...

Desperta gitano, desperta,
Y escucha al amor verdadero
Que sigue llamando a tu puerta!...

No reniegues de tu ley
Ni te fies de mujer
Que siempre te há mentio-avô!!...

Bis
Por la gitanilla
Que un cariño le brindaba,
De su negra pesadilla
Juan Antonio despertó;
Y de aquella que buscaba
Por capricho su querer
Poco a poco se olvidó,
Y en otros ojos se miraba...

Alegre con el cariño
De aquella buena gitana,
Al compás de su martillo
En el pecho le gopeaba
La verdá del estribillo:

Se repite el estribillo
(Acervo do Almirante)

* **

Uma cigana me disse
Oh quantas noites a desvanecer,
Sem prazeres conhecer
No meu mundo de ilusões...
Mas, nesta vida tudo tem um fim
E num jardim
Enchi-me de emoções...

Chorus

Uma cigana
Ao ler a minha mão predisse
Que eu talvez um dia visse
O fim da minha dor...
Que alguém um dia
Viria a minha triste vida
Encher de risos de alegria
Do seu imenso amor...
Alguém que tem nos olhos claros
A luz de um luar de maio...
Alguém que tem nos traços raros,
Por quem tanto desmaio
E que
Se é você...
E com meiguice
Você surgiu sorrindo em flor,
Trazendo a glória desse amor...
Feliz, então,
Eu sinto o coração
Com o que a cigana disse...
(Sam Pokrass)

* * *
ZINGARELLA
Certa noite, na Itália, quando eu vinha
para meu quarto, achei-a junto à porta;
Era tão bela mas tão pobrezinha.
De fome e frio estava quase morta!
Ela pálida e franzina,
eu, de sobretudo roto;
_ Buena sera, signorina!
_ Buena sera, giovanotto!

Ofereci-lhe o quarto de estudante,
de minha estreita cama fiz a sua,
e enquanto ela dormia palpitante
eu vagava sem teto, pela rua.
De manhã, voltando a casa,
perguntei o nome dela:
_ Como te chiami ragazza?
_ Io me chiamo Zingarella.

Depois... eu tinha 23 janeiros
ela contava 15 primaveras.
Eram tão juntos nossos travesseiros...
Veio a paixão... amamo-nos deveras...
Foi o quadro mais risonho
desta vida fugidia.
_ Zingarella, séi mio sogno
_ E tu, séi la vita mia.
Mas um dia, ao voltar do meu estudo,
cheio de mágoas, de ânsias e de frio,
não encontrei seus olhos de veludo:
o quarto estava gélido e vazio.
Grito embalde o nome dela
numa tristeza infinita:
_ Dove séi, ó Zingarella?
_ Dove séi, ó mia vita?

E a minha vida prosseguiu inglória.
Fiz coisas de rapaz, não me envergonho
de recordar ainda aquela história,
quase desvanecida como um sonho.
Ela pálida e franzina,
eu, de sobretudo roto:
_ Buena sera, signorina!
_ Buena sera, giovanotto!
Afonso Schmidt

* * *

Cigano

Ah!... meu moreno...
Meu cigano...
Meu homem...
Andando nu pelo quarto...
Te olho pelo espelho...
“Tudo isso é pra mim.”
Ah! Adoro te olhar me comendo
Você vem vindo,
(cara de sacana)
e me toma nos braços...
ah! o peso do seu corpo
sobre o meu...
quero sentir para sempre.
Pra sempre sua pele macia,
O cheiro do seu corpo,
De sua boca faminta de mim inteira
Ah! Esse jeito de me querer
De qualquer maneira...
Me envolve, abraça, aperta,
Com os braços e com o corpo todo
Me possui,
Devagar e profundamente...
Pra durar mais...
Assim vai durar pra sempre...
(Roberto de Carvalho e Rita Lee)

***

A cigana leu o meu destino,
eu sonhei,
bola de cristal, jogo de búzios, cartomante,
eu sempre perguntei.
o que será do manhã,
o que vai ser do meu destino
já desfolhei o mal-me-quer
primeiro amor de um menino...
e vai chegando o amanhecer
vejo a verdade zodiacal
e o realejo diz
que eu serei feliz
Como será? Como será o amanhã?
Responda quem puder
O que irá me acontecer?
O meu destino será como Deus quiser.
(Samba enredo da Escola da União da Ilha do Governador)

***
Cigana linda
Eu quero ir a Copacabana
Buscar um amor que lá deixei
É uma linda cigana
Que eu lá muito amei.

É um bairro de bacana
Mas que eu hei de fazer
Eu quero ver minha cigana
Porque senão vou morrer.

Cigana sem teu amor
Eu não poderei viver assim
Eu já sou um sofredor
Cigana tem pena de mim.
(Isildo da Silva Henriques, 1952)

***

O cigano e o violino


Soluça o violino do cigano,
Tão triste, também fico a soluçar...
Parece que ele vê meu desengano,
Vagando, solitário, sem um lar...

A lua, velha amiga do passado,
Debruça-se no céu para escutar...
E com seu vulto pálido, encantado,
Também na noite azul, põe-se a chorar...
Bis
Choram
O cigano e o violino,
Choram
As estrelas na amplidão.
Choram, porque vejo em meu destino,
O quanto é dolorosa solidão...
(Letra e música de Everaldo Ferraz Piquerobi)

***
A Cigana do Catumbi
Estribilho


Cigana, cigana, cigana
Tem dó de mim
Cigana, cigana, cigana
Não faça assim.

As ciganas são gente boa
Usam saias de babados
Quando passam pelas ruas
Ficam todos admirados.
(J. Rezende)

***

A cigana

Na distância vi seu vulto desaparecer,
Nunca mais seu rosto pude ver.
Uma vez você apareceu em minha vida,
Eu não percebi você de mim se aproximar,
Não sei de onde você veio e nem perguntei
Talvez de alguma estrada que eu ainda não passei.
Seu olhar me disse tanta coisa num momento,
Parecia que podia ler meu pensamento.
E no seu sorriso mil segredos percebi,
Então nos seus mistérios de repente eu me perdi.
Minha mão você tomou nas mãos e conheceu
Minha vida inteira e o seu encanto me envolveu,
Toda estória leu nas linhas que mostrei,
O que estava escrito e o meu amor eu lhe entreguei.
Hoje você anda por lugares que eu não sei,
Vive nos meus sonhos e lembranças que guardei,
Disse tanta coisa quando leu a minha mão.
Você só não previu minha solidão.
(Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1973)

***

Mambembe

No palco, na praça, no circo, num banco de jardim
Correndo no escuro, pisando no muro
Você vai saber de mim
Mambembe, cigano
Debaixo da ponte, cantando
Por baixo da terra, cantando
Na boca do povo, cantando
Mendigo, malandro, moleque, mulambo, bem ou mal
Escravo fugido ou louco varrido
Vou fazer meu festival
Mambembe, cigano
Debaixo da ponte, cantando
Por baixo da terra, cantando
Na boca do povo, cantando
Poeta, palhaço, pirata, corisco, errante, judeu
Dormindo na estrada, não é nada, não é nada,
E esse mundo é todo meu
Mambembe, cigano
Debaixo da ponte, cantando
Por baixo da terra, cantando
Na boca do povo, cantando
(Chico Buarque, 1972)

***
Num tempo, muito distante, em terras mais
longe ainda, falando uma outra língua, de
origem ainda mais remota, pessoas como vocês,
mas que conheciam as leis de voar que nem gaivotas.
Eu me vesti de cigana, pra cantar o sol...
(Oswaldo Montenegro)

***

Merengue

Meu coração mudou da mágoa pro vinho
desde la primeira noche en que te amei
corriam tão calientes teus carinhos
que já não sei mais se fui ou se sonhei.

Tocava no teu rádio um merengue
destes loucos suingues tropicais
Copacabana ardia à luz del fuego
e eu dançava em teus braços sensuais.

E te chamei de Lola. Carmem, Cigana
Dolores, Maria Helena, Clara de Dios,
Teresa, Violetera, Dora Diana,
Dançavam tantas mulheres e eu era eu.
(Abel Silva)
Cigano
Te querer
Viver mais pra ser exato
Te seguir
E poder chegar
Onde tudo é só meu
Te encontrar
Dar a cara pro teu beijo
Correr atrás de ti
Feito cigano, cigano, cigano
Me jogar sem medir
Viajar
Entre pernas e delícias
Conhecer pra notícias dar
Devassar sua vida
Resistir
Ao que pode o pensamento
Saber chegar no seu melhor
Momento, momento, momento
Pra ficar e ficar
Juntos, dentro, horas
Tudo ali às claras
Deixar crescer
Até romper
A manhã
Como o mar está sereno
Olha lá
As gaivotas já
Vão deixar suas ilhas
Veja o sol
É demais essa cidade!
A gente vai ter
Um dia de calor...
(Djavan)

***

Amor cigano

Seus olhos ciganos
Me fizeram sonhar... e eu me tornei
Um nômade... vagando pelos seus montes...
Um pedinte... pedindo os carinhos...
Os beijos... o fogo desse corpo moreno...
Morena jambo... da cor do pecado...
Mas assim como veio o
Amor cigano... ele se foi
Me deixando sozinho... imaginando
Que tudo não passou de
Mais um engano.
(Peninha)

***
Falar de ciganos
muito vos fascina,
mas em breve termina,
pois o racismo cruel,
não vos deixa pensar.

De costumes exóticos e peles morenas,
É o povo das tendas, à beira das sendas,
Que pousam na relva, bem pertinho da selva
Amam a lua, as estrelas e o céu,
Buscam calor, liberdade sem cor.

Lá das bandas do oriente,
Vêm as mulheres videntes,
Lêem nas mãos, a sina das gentes e
Homens astutos e inteligentes,
Que vão pelas ruas, trocando e vendendo pingentes.

Do distante acorde, tristezas fogem
Brilham os olhos, ecoam as vozes, ao Fogo circulam, festejam em doses,
Esquecem os algozes,
Descansam e dormem.

Em novo dia acordaram,
Num giro se levantaram,
Pessoas encontraram
No pó da estrada ficaram
Lembranças dos que passaram.
De curiosos, cercados ficamos,
Perguntando o que buscamos
Nossos mistérios, não revelamos!
Aos estúpidos não falaremos
Pois é de filosofar que vivemos.

Esta é a realidade do cigano:
Zelar por trapos e farrapos;
Levar consigo sua cultura
Para manter sua hegemonia
Perpetuá-la de geração em geração.

* * *
Escute-me... escute-me gadjô...
Crêem vocês que sejamos tão diferentes?
Que não tenhamos o mesmo coração
E as mesmas lágrimas diante da felicidade?

Quero cantar, para que entendam
Que não se julga um cigano, gadjô
Apenas pela lenda que corre...
Acreditem! Um cigano carrega no peito
A dor, amor e a esperança
Que todos os homens de todas as raças trazem!
(Solange de Castro Neves, in Maktub)

* * *

Liberdade (poesia)
Nó, ciganos só temos uma religião: a liberdade.
Em troca dela renunciamos à riqueza, ao poder, à ciência e a sua glória.
Vivemos cada dia como se fosse o último.
Quando se morre, se deixa tudo: um miserável carroção ou um grande império.
E nós cremos que naquele momento é muito melhor termos sido ciganos do que reis.
Não pensamos na morte. Não a tememos, eis tudo.
O nosso segredo está em gozar a cada dia as pequenas coisas
Que a vida nos oferece e que os outros homens não sabem apreciar;
Uma manhã de sol, um banho em uma nascente,
O olhar de alguém que nos ama.
É difícil entender estas coisas, eu sei. Cigano se nasce.
Gostamos de caminhar sob as estrelas
Contam-se coisas estranhas sobre os ciganos.
Dizem que lêem o futuro nas estrelas e que possuem o filtro do amor.
As pessoas não crêem nas coisas que não sabem explicar.
Nós, ao contrário, não procuramos explicar coisas nas quais cremos.

Nossa vida é simples, primitiva.
Basta-nos ter o céu por telhado,
Um fogo para nos aquecer e as nossas canções quando estamos tristes.
(Vittorio Mauer Pasquale/cigano Spatzo)

* * *


Sou um Sinto
Sou um Sinto,
vivo na prisão,
só,
na minha dor.
Bebo a luz
do sol.

Nos meus sonhos
colho as flores
de todos os jardins.
Trançarei para você uma coroa
com todas as estrelas
do céu,
com todas as estrelas
do universo.

Vida obscura
quando você está sozinho
com tristeza
na miséria.
Chora o meu coração
a vida livre,
choram meus olhos.
Com as lágrimas
escrevi nas asas
de uma andorinha:
Entregue-me a minha vida livre.
Que eu possa morrer
sob um pequeno pinheiro,
como um Sinto.

* * *

Os quatro pregos

Diz a lenda:
Quatro pregos eram forjados
para fazer morrer o Redentor.
Viu-os uma filha do vento
que atravessava a colina
no seu caminhar pelas estradas do mundo.

Um apenas subtraiu,
que o soldado não percebeu.

E Ele assim foi crucificado,
com três pregos somente.

O quarto prego comungou a dor
dos Sintos ao Redentor.

Diz a lenda...

***
Os três ciganos

Um dia encontrei três ciganos
Deitados no prado
Enquanto meu coche em silencioso sofrimento
Rastejava pelo matagal arenoso.

Um deles sustentava
Uma rabeca nas mãos
Tocando, banhado pela luz do crepúsculo,
Uma melodia animada.

O segundo segurava um cachimbo na boca,
Observando o seu fumo,
Satisfeito, como se pedisse
Nada mais na vida para ser feliz.

E o terceiro dormia confortavelmente,
O seu címbalo na árvore pendurado,
Uma brisa soprou sobre seu instrumento
E um sonho atravessou o seu coração.

Os três tinham buracos e coloridos remendos nas suas roupas,
Mas provavelmente viveram como lhes
Apeteceu,
Troçando da cara do destino.

Foram para mim três exemplos
De como, quando a noite começa a cair sobre a vida,
Fuma-se, dorme-se, gasta-se até o fim
E zomba-se dela três vezes.

Não consegui desviar os meus olhos dos ciganos
Das suas caras morenas e escuras
E do seu cabelo preto, encaracolado,
Enquanto seguia o meu caminho.
(Nicolau Lenau; trad. livre de Maria do Carmo Hatton)

* * *
Os Ciganos
(Paráfrase de Nicolau Lenau)
Um dia ao fim de incômoda jornada,
De uma longa jornada por mim feita,
Com perigos, não menos do que danos,
Ao crepúsculo vi, na volta estreita
De sinuosa estrada,
Três farrapudos, míseros ciganos.

Um _ da viola amiga, unida ao peito,
Dedilhava-lhe as cordas, indolente,
Tirava brandos sons... que ar satisfeito!
Que ar de satisfação completa havia
No seu moreno rosto, que o poente
De rubra e vigorosa cor tingia!

Outro _ aspirando o seu cachimbo, ocioso,
Nas espirais de fumo azul deixava
Parecerem-se-lhe os olhos, descuidoso;
E tinha entre farrapos, o ar tranqüilo,
O ar de quem mais nada precisava,
O ar de quem para quem bastava aquilo.

Dormia o último à sombra da ramagem,
E sobre ele, a oscilar _ quadro risonho!
Pendia um par de címbalos que a aragem



Ressoava, ao passar, leve e fugace...
Também a doce aragem de algum sonho
Pelo seu coração talvez passasse...
Os três ciganos míseros... Que digo?
Míseros somos nós; mísero o louco,
Como eu ou tu, amigo,
Que tendo em muito o que eles têm em pouco.
Em pós de um sonho vão em vão se cansa
Qual!! Nem esse apetite imoderado
De glória e de fortuna,
Nem viver da saudade e de esperança;
Nem rever o passado,
Ou prever o futuro, alma conforta.

Antes pela existência andar à tuna
Sono, viola e fumo, e ao Deus dará;
E o que há de vir, por sua vez virá
Para a dor do viver, que nos devasta,
E que o beijo nenhum de amor consola,
Os ciganos fizeram-me sentir,
Que, das três cousas, uma só basta:
_ Tocar viola
fumar cachimbo, ou dormir.
(Raimundo Correia. In Poesias Completas, São Paulo. Cia. Editora Nacional, 1948. vol.1, p. 159)

* * *
Uma trágica noite
Dormia no meu carroção
quando ouvi alguém gritar,
levantei-me pronto para fugir
mas me chamaram pelo nome,
eram os policiais.
Via meus meninos
a dormir docemente,
peguei nos braços o menor,
deixando sua caminha molhada,
precisava escapar. Que fazer?
Não era a primeira vez,
aquele pequenino não chorou,
deitou-se entre meus braços,
abriu as mãos
mas por medo
fez xixi na terra.
No coração senti então forte o peso
do destino dos ciganos.
Pela primeira vez blasfemei
por ter nascido azarado
E por ter nascido cigano.
Spatzo (Vittorio Mayer Pasquale), in Vurdon, internet.

* * *
In vino veritas

No vinho está a verdade
E todas as minhas manhãs
Toda a minha tristeza e a minha sorte
As minhas lágrimas, a minha riqueza,
Os meus amores, a minha saúde.
Não tenho mais ninguém no mundo,
Não tenho amigos,
Me restou só a tenda,
Os meus violinos quebrados,
Os meus ventos matutinos.
Esqueci o tempo
Em que estava sóbrio
A minha razão a levou o vinho.
Quando morrer
Também estarei embriagado.
Para os outros não fica bem,
Mas para mim está bem assim.
(Cigano Spatzo / Vittorio Mayer Pasquale)

* * *

Uma partida de ciganos
Em baixo d’umas mangueiras,
Mui copadas e altaneiras
Distantes da habitação,
Algumas redes armadas,
Presas nos troncos estão.
Nesse sítio-avô, que alvoroço!
O velho, a criança, o moço
N’uma rede aos dois e três!...
Que algazarras diversas,
Uma hora alegres conversas,
Gritos, pragas outra vez!
Na areia o menino rola
Trazendo afagos a um cão.
Toca e canta na viola
Mais adiante o seu irmão.
Um papagaio ensinado
Grita e fala esfomeado,
Tornando a bulha maior!
Alforjes, canastras, selas,




Brides, cilhas e fivelas
Estão esparsos, derredor
Muitas mulheres formosas
De floridas primaveras.
Muitas outras horrorosas.

Avelhantadas megeras!
Com muitas rendas e fitas
Estas se fazem bonitas
No caprichoso trajar!
Aquelas, quase despidas,
No canto estão encolhidas
Ninguém as pôde fitar!
Os homens todos armados,
É um ambulante arsenal,
De prata e ouro adornados
O clavinote e o punhal!
A mor parte está assentada
Na porteira do quintal;
Pasta solta a cavalhada
No meio do capinzal!

Filhos do sol e serenos,
Rostos queimados morenos,
A tropa toda é assim!...
Mas, que caravana é essa,
Que parece não ter pressa
E vem repousar aí?
São os errantes ciganos,
Que enfeitam nosso sertão,
Passam-se anos e anos
E sempre em viagem estão.
(J. Serra, apud J. B. D’Oliveira China, Os ciganos do Brasil, p. 82 e 83)

* * *

Litania fúnebre

Teu ventre não é frio
Sara
Ele explodiu em pequenos sóis
Tua vida continua Sara
No calor dos sóis
Que teu ventre depositou toda a terra
A terra abre teu ventre
Para receber Sara
Tu foste um desses pequenos sóis
Que a terra pariu
Cada qual deve retornar é sua sina
Sara.
(Perre Derlon, Tradições ocultas dos ciganos)

* * *
Os ciganos
Um dia, lá do Oriente,
De onde tudo começa,
Partiu meu povo contente,
Caminhando sem ter pressa.

Quando partiu? Ninguém sabe.
Por que partiu? Ninguém diz.
Partiu quando deu vontade.
Por que partiu? Porque quis.

Então aqui aparecemos,
Sem nunca saber quem somos.
Nosso passado esquecemos,
Só interessa o que somos.

Dizer que pátria não temos
É uma grande insensatez.
A nossa pátria, sabemos
É maior que a de vocês.

Sua pátria é um país somente,
A nossa é toda essa terra,
Que Deus nos deu de presente,
Por nunca fazermos guerra.

Somos um povo que canta
Feliz por saber viver.
O por-do-sol nos encanta,
Amamos o amanhecer.

O ontem, sempre passado
Amanhã sempre futuro
Vivemos despreocupados
O hoje que é mais seguro.

E assim, sempre de partida,
Ora no campo, ora na cidade,
Amamos a nossa vida,
Somos reis da liberdade.
(Zurca Sbano, in JB, 25/10/92)

* * *

Cigano de mal-andar
quem te dá acolhimento?
Procuras pátria e um lar,
filho da estrada e do vento.

* * *


Boêmios
Os boêmios vão cantando
Pelas estradas reais,
Enquanto o sol descambando
Doira as altas catedrais.
Um deles, esfarrapado,
Meneia, ao som da viola;
Outro lívido e esfaimado
Faz tinir a castanhola.

As mulheres e os meninos
Seguem, na frente, a bailar,
Ao som dos estranhos hinos
Dessa orquestra singular.

Desde manhã, todo o bando
As ricas vilas explora,
E vai, cantando, cantando,
Enquanto a fome o devora.

Por vezes uma criança
Põe-se a tremer e a cair,
Mas o pai grita-lhe dança!
Dança! E ela dança a sorrir.

Cobertos do pó da estrada,
Seminus, magros, sedentos,
Lá vão, em turma agitada,
Os miseráveis, aos centos.

E o rubro sol luminoso
Continua a desmaiar
Como um nababo amoroso
Sobre a terra e sobre o mar.

Ó pobres aves sem ninho!
Pobres árabes sem tenda!
Que em vosso negro caminho
A morte não vos surpreenda.

Cantai, cantai, triste bando,
Vossa dorida canção!
Deixai que o mundo execrando,
Vos negue o vintém de um pão!

Sois os poetas da estrada,
Que a eterna fome consome,
Não tendes cama dourada,
Ai, não! nem sequer um nome!

Mas, segui esfarrapados,
Vossos destinos fatais,
Protegidos e amparados
Por secretos ideais.

Quem sabe? Na atroz romagem,
Como celestes visões,
Vos guiam de Homero a imagem
E o fantasma de Camões.

Enquanto o sol descambando,
Doira as altas catedrais,
Os boêmios vão cantando
Pelas estradas reais....
(Luiz Guimarães, apud João Dornas Filho. Rev. IHGB/MG, p143/144)

* * *

Lá vêm os saltimbancos, às dezenas,
Levantando a poeira das estradas.
Vêm gemendo bizarras cantilenas,
No tumulto das danças agitadas.

Vêm num rancho faminto e libertino,
Almas estranhas, seres erradios,
Que têm na vida um único destino,
O destino das aves e dos rios.

Ir mundo a mundo é o único programa,
A disciplina única do bando;
cigano não crê, erra, não ama,
se sofre, a sua dor chora cantando.

Nunca pararam desde que nasceram
São da Espanha, da Pérsia ou da Tartária?
Eles mesmos não sabem; esqueceram
A sua antiga pátria originária...

Quando passam, aldeias, vilarinhos
Maldizem suas almas indefesas,
E a alegria que espalham nos caminhos
É talvez um excesso de tristezas...
Quando acampam de noite, é no relento
Que vão sonhar seu sonho aventureiro;
Seu teto é o vácuo azul do firmamento,
Lar? O lar do cigano é o mundo inteiro.

Às vezes, em vigílias ambulantes,
A noite em fora, entre canções dálmatas
Vão seguindo ao luar, vão delirantes,
Atados ao langor das serenatas.

Gemem guslas e vibram castanholas,
É este rumor de errantes cavatinas,
Lembram coisas das terras espanholas,
Nas saudades das terras levantinas.

E, então, seus vultos tredos envolvidos
Em vestes rotas, sórdidas, imundas,
Vão passando por ermos esquecidos,
Como um grupo de sombras vagabundas.

Lá vêm os saltimbancos, às dezenas,
Levantando a poeira das estradas.
Vêm gemendo bizarras cantilenas,
No tumulto das danças agitadas.

Povo sem fé, sem Deus e sem bandeira!
Todos o temem como terrível gente,
Mas ele na existência aventureira;
Ri-se do medo alheio, indiferente.

E, livres como o vento e a luz volante,
Sob a aparência de infelicidade,
Realizam, na sua vida errante,
O poema da eterna liberdade.
(Raul de Leoni, in João Dornas Filho in Rev. IHGB/MG, p. 144/145)

* * *
Nascimento no acampamento
Nasci entre as velhas tendas,
Em meio ao falar dos ciganos
Que narram à luz da lua
A fábula de uma branca cidade distante.

Nasci na miséria, entre os campos,
Ao longo do Beli Vit, sob plangentes salgueiros,
Onde a angústia aperta os corações
E a fome pesa no saco de farinha.

Nasci num dia triste de outono
Ao longo da estrada envolta em neblina,
Onde a necessidade chora junto aos pequeninos
E a dor destila quente entre os cílios.

Nasci, e minha mãe morria.
O velho pai me lavou no rio:
Por isso é forte hoje o meu corpo
E o sangue me escorre dentro impetuoso.
(Usin Kerim / Senso Avdic, in O Vurdon)

* * *
O alferes (romanceiro gitano)

Do cigano que viu chegar
Não vale muito o rosilho:
mas o homem que vem montado,
traz sinal de desgraçado.
Parece vir perseguido,
sem que se veja o soldado;
deixou marcas no caminho
como de homem algemado:
Fala e pensa como um vivo,
mas deve estar condenado.
tem qualquer coisa no juízo
mas sem ser um desvairado.
A estrela do seu destino
leva o desenho estropiado:
metade com grande brilho,
outra, de brilho nublado;
quanto mais fica um, sombrio,
mais se ilumina o outro lado.

Duvido muito, duvido
que se deslinde o seu fado.
Vejo que vai ser ferido
E vai ser glorificado:
ao mesmo tempo sozinho,
e de multidão cercado;
Correndo grande perigo,
e de repente elevado:
ou sobre um astro divino
ou num poste enforcado.

Vem montado num rosilho.
No rosilho vem montado.
Mas, atrás dele, o inimigo
cavalga em sombra, calado.
Vejo, no alto, o fel e o espinho
e a mão do Crucificado.

Ah! Cavaleiro perdido,
sem ter culpa nem pecado...
_ pobre de quem teve um filho
pela sorte condenado!
Vem galopando e sorrindo
como quem traz um recado.
Não que traga por escrito:
mas dentro de si: _ consumado.
(Cecília Meireles, apud Oswaldo Macedo. Natureza e cultura dos ciganos, p. 62)

* * *

Romance da Guarda Civil espanhola
(romanceiro gitano)
.......................................
.......................................

No portal de Belem
os gitanos se congregam.
São José, todo ferido,
amortalha uma donzela.
Teimosos fuzis agudos
a noite toda soam.
A Virgem cura os meninos
com salivinha de estrela.
Mas a Guarda Civil
avança semeando fogueiras,
onde jovem e desnuda
a imaginação se queima.
Rosa, a dos Cambórios,
Assentada à porta geme
com seus dois peitos cortados
postos numa bandeja.
E outras moças corriam
perseguidas por suas tranças
num ar onde ainda explodem
rosas de pólvora negra.
.........................................
.........................................

Oh! Cidade dos gitanos!
A Guarda Civil se afasta
por um túnel de silêncio
enquanto as chamas te cercam.

Oh! Cidade dos gitanos!
Quem te viu e não te lembra?
Que te busquem em minha fronte.
Jogo de lua e de areia.
(Federico Garcia Lorca)

* * *
Ser cigano
Ser cigano na escola
é sempre ser diferente
queira ou não queira parecer.
É trazer dentro de si
uma carga milenar de
rebelde liberdade
e, ao mesmo tempo, o encanto
do olhar e do sorriso,
o sol na pele morena
e às vezes no cabelo
que pode ser da cor da noite
com um brilho de luar.
É poder dizer:
eu não quero fazer!
É ficar cansado das linhas
compridas que sempre
se tem de escrever...
Podem cantar coisas lindas,
Mas custam tanto a fazer!
Bater as palmas, cantar
é que é bom, mesmo a valer.
Mas escrever as duas linhas
tão fartas e tão compridas
faz tanta dor de cabeça
que até perdeu o encanto
o que dizer.


É preciso repetir,
custa tanto a aprender!
Ser cigano é querer tudo
e no fim nada querer.
Da camisa desfraldada,
gostar de mexer no barro,
gostar de mexer em tinta
e não se encontrar em nada.
É a rua ao pé da casa ,
é a mangueira ao pé da pasta
corre e lava, lava e suja,
a terra, a lama, as pedrinhas
tão boas para brincar.
Estar na escola dos senhores
é estar preso e obedecer,
é não poder dizer tudo
o que apetece fazer.
Fazem-se coisas bem giras
mas só duram uns minutos
e depois o dia inteiro
é só, só trabalhar.
Ficar na cama é melhor,
ficar quietinho a ouvir
a tenda das ciganas
que com voz quente e cantada
lhe aquecem o coração
com a verdade da vida
que ninguém pode entender,
só mesmo elas é que sabem
como é gostoso viver.
(Aurea Gonçalves, na Internet)

* * *

Trovas ciganas
No cemitério

Conheci das próprias flores
A natureza da sorte!
Umas _ a vida respiram,
Outras _ respiram a morte!

Umas nascem para adorno
De ricos salões dourados!
Outras, mais tristes, ensombram
O retiro dos finados.
.........................................
Não admiras portanto
Bons e maus fins dos viventes,
Quando até as próprias flores
Têm destinos diferentes!
(In Mello Moraes Filho)

* * *
Romani
I’ve travelled, travelled long roads,
And stopped with happy rom
Romanies, from where have you
come
With tents set on fortune’s road
Romanies, o fellow Rom

Once I had a great family
The Black Legion murdered them
Now come, all the world’s rom
For the Romani road has opened
The time’s arrived to arise
We shall stand up as one
Romanies, o fellow Rom.
(From Internet, Romani Anthem)

* * *
Levantem-se rom (opré romá)
Viajei ao longo de muitas estradas,
E encontrei ciganos felizes.
Digam-me de onde vêm
Com suas tendas
Nestas estradas do destino?
Oh! Rom.
Oh, jovens rom
Eu também tinha uma grande família,
Mas a Legião Negra a exterminou,
Venham comigo, rom do mundo inteiro,
Percorreremos novas estradas?
É hora, levantem-nos.
É chegado o momento de agir.
Oh, rom,
Oh, jovens rom.
(Conceição Nicolich, in A sabedoria Cigana, p. 68)

Vivi, vivi, vivi e quero viver.
Bato no meu tacho para espantar os demônios
e para chamar Deus.

Bato no meu tacho para que as dores cessem e
os sonhos não acabem.


Bato no meu tacho para que a luz do sol
possa passar, aquecer.

A sombra e a luz fazem parte da mesma estrada.

Bato no meu tacho como sempre fiz
para chamar Deus e espantar os demônios.
Sonhei, sonhei, sonhei...
Nos meus sonhos eu continuo a bater no meu tacho.

A vida e a morte estão nas batidas da minha
Bigorna... juntas...
Bato no meu tacho para espantar os
demônios e falar com Deus.

Bato no meu tacho como as ondas da praia,
como o vento no vale.

Batendo no meu tacho, eu falo com Deus
e reclamo, reclamo...
A Deus também sei agradecer.
Bato no meu tacho porque
Vivi, vivi, vivi e quero viver...
(Solange de Castro Neves. In Maktub.

* * *
Eu sou cigano, porque nasci assim...
Eu falo uma língua, o romani,
Que só quem tenha o mesmo sangue entende,
Eu tenho o mesmo amor para dar e receber,
que qualquer gadjô.

Eu tenho a mesma crença em um Deus supremo
Que está acima da mesquinhez do homem.
Também sinto falta do calor do sol
E, como uma planta, dos pingos da chuva.
Ser cigano é mais do que estar sempre em movimento.

Ser cigano é como se todos os caminhos do mundo me levassem para aonde tudo começou...
Eu sou a curva das montanhas,
O cantar dos rios,
O berro do animal selvagem
E a pureza do riso de uma criança.
(Idem, ibidem p.119)

* * *
Eu sou estátua quebrada,
Sou um quadro sem ter luz;
Sou um fantasma que vaga
Entre o cipreste e a cruz.

Não sou estátua nem quadro,
Até não tenho figura;
Sou espectro que vagueia
Que até nem tem sepultura.
(In Melo Morais Filho)

* * *

Somos magos da liberdade.
Quem, como nós,
Conhece as linhas da mão?
Só queremos caminhar
Tendo Deus por proteção.
(Cristina da Costa Pereira, in Ainda é tempo de sonhos, 1992, p. 9)

* * *

Sou cigana,
Venho de um povo marcado.
De onde viemos
E para onde iremos,
Nada disso nos importa.
O que importa
É o muito que vivemos.
(Esmeralda Liechochi, apud Cristina da Costa Pereira, in Rev. IHGB n. 377 out./dez. 1992)

* * *
O nômade
Nascido numa carroça
Rodo segundo o meu fado
O universo é meu futuro
O que ficou foi passado.

Uns me chamam de andarilho
De pária, de giramundo
Lá vai o judeu errante
O cigano vagabundo.

Das pedras que me atiram
Faço um rosário de dor
E rezo o terço completo
Pedindo força ao Senhor.

Riqueza não me seduz
Nem ambiciono o poder
Haja chão que estou rodando
só paro quando morrer.

Se querem saber quem sou?
Faço parte de uma lenda
O mundo é minha pátria
A minha casa é uma tenda.

Filho de um povo andante
Um povo que sempre passa
Trago em meu peito latente
O orgulho de uma raça.
(Benedito Sbano)


* * *
Ciganos

Se eu fosse cigano,
para que me serviriam as vidraças?

Se eu fosse cigano,
como seria minha geografia?

Se eu fosse cigano,
como a noite
viajaria pelo meu sono?

Se eu fosse cigano,
de que me serviria
o quadro dependurado na parede,
se eu teria a paisagem inteirinha
a caminhar pela retina?

Se eu fosse cigano,
para que um endereço de rua
se eu teria o universo como meu roteiro certo?

Se eu fosse cigano,
para que me serviriam o livro e o mapa,
se eu me aconselharia com a vida, mestra muito mais antiga?

Se eu fosse cigano,
não saberia nada dos gajões
passageiros do mesmo barco,
mal nos conhecemos,
nessa longa viagem
de reticências...
(Ático Vilas-Boas da Mota)

* * *
Começa o choro
Da guitarra.
Rasgam-se as copas
Da madrugada.
Começa o choro
Da guitarra.
É inútil calá-la.
É impossível
Calá-la.
Chora monótona
Como chora a água,
Como chora o vento.
É impossível
Calá-la.
(Garcia Lorca, apud Cristina C. Pereira, in Povo cigano)

* * *

Ciganos (no interior de Goiás)
Meninos
cegamente seguem
o sortilégio das horas.

Atropelados passos nas calçadas,
tilintar de esporas, estalar de chicotes ao vento
(não são tropas, não são romeiros,
mas é gente...)




São os ciganos cavaleiros
que estão chegando cansados
com seus dentes de ouro,
seus arreios de prata,
seus tachos ensolarados
e seu idioma travado de cobre
nos quatro cantos da língua.
Mais que depressa,
a cidade se encolhe toda
e dá muitas voltas nas suas portas de ferro
e nas suas trancas de preconceitos.

Crianças nos parapeitos das janelas,
olhares espichados pelo feitiço,
viajam nas garupas dos duendes vadios,
da mesma forma que embarcam
nas carruagens dos contos de fadas!
(Ático Vilas-Boas da Mota)

* * *

E se falasses magia, sonho e fantasia,
e se falasses encanto, quebranto, condão,
não te enganarias, não
fossem os ciganos a levantar poeira,
a misturar nas patas
terras de outras terras,
ares de outras matas
e eu, bandoleiro,
no meu cavalo alado,
na mão direita o fado,
soprando sementes nos campos da mente.

E se falasses magia,
sonho e fantasia,
e se falasses encanto,
quebranto e condão,
feitiço, transe, viagem, alucinação...
... miragem.
(Luli e Lucinha Bandoleiro)

* * *

Amor cigano

A um gadjo

Não acabou...
não acabará.
Como pode ter acabado
se dentro de mim pulsa o teu coração carmim?

Somos um só.
Te carregarei aqui dentro
como um troféu
e tu me levarás contigo,
mesmo que não queiras,
mesmo que não possas.

Minha sombra será tua companheira,
te abrigará,
te protegerá.

Guardarei teu sono mais profundo...
Me farei presente
em todos os teus segundos
pois transpiras em meus poros.

O céu derramou sobre nós
todas as estrelas
e nem todas elas juntas
conseguiriam ter mais brilho
do que a felicidade que brilhou em nossos olhos.

Estamos plantados no chão
como duas árvores gêmeas
frondosas,
frutíferas,
com raízes intermináveis e sólidas.

Que esta terra
que abrigou nossos corpos tomados de volúpia
seja tão fértil
quanto foi e será este amor.

Provei o manjar dos grandes deuses
quando sorvi o mel da tua boca de prata.

Nossas mãos crispadas
procuravam ávidas nossos corpos
e o amor ardia qual fogueira.

De repente,
dentro daquela cabana de pedra,
eu podia sentir o universo pulsar
toda a natureza em harmonia,
os pássaros cantavam,
exalávamos perfume de jasmim
e nossas palavras eram como acordes de violinos
em nossos ouvidos.
Leva este coração cigano
como um cravo vermelho
a enfeitar tua lapela.
Que o meu e o teu
batam no mesmo ritmo
incessante marcado caliente.

Amor gitano
não profano,
somarei todas as lágrimas
a jorrar como cascata
banhando o teu corpo
e te deixando intato.

Olés!
Palmas.
Guitarras e pandeiros.
Que repiquem as castanholas
e no tremular de minhas longas saias
sintas a loucura da dança do fogo,
a dança dos ventos.

Que o nosso amor cigano
transcenda universos
e assim poderei levar comigo
e seguirei contigo
paro toda a eternidade.
(Niffer Cortez, apud Cristina da Costa Pereira, Povo cigano)

* * *

Senhor! me dá uma dica

Senhor,
Me dá uma dica
Que me conduza a ti,
À tua paz, ao teu perdão e à tua glória.


Me perdi no caminho que conduz à tua morada.
Sei que teu jugo é suave e o teu fardo é leve.
Sei que os simples herdarão a Terra.
Sei que hoje mesmo o bom ladrão estará contigo no paraíso.
Sei que perdoaste a adúltera e expulsaste os vendilhões do templo.
Sei que ressuscitaste Lázaro e bebeste da água da Samaritana.

Mas
Me ensinaram na infância que, em certo momento,
Tu te sentiste desamparado pelo Pai.

Como teu irmão, peço,
Me dá uma dica.
Não é necessário me mostrares os furos dos cravos, como a Tomé.
Nem me perdoares a pouca fé, como a Pedro.
Basta uma dica, um sinal inda que hermético,
Submerso, suscetível de leituras, múltiplas leituras
E herméticos comunicólogos.
Eu me garanto, decodifico e te acharei.
Basta uma dica.
(Paulo Macedo Verani, Cigano do grupo Catumbi)

* * *

P’ra sofrer prefiro o dia!
Porque ele é quem me diz
que no deserto da noite
sofre em dobro o infeliz.
(Madalena Macedo Verani, cigana do grupo do Catumbi)

* * *
Eu vivo como gadji
Bem contra a minha vontade
Como pode a natureza
Abraçar a desigualdade?
(Guiomar dos Santos)

A mocidade é sublime
Tudo lhe corre a favor
Tem majestade, altura
Tem formosura e valor.

A própria vida nos dá
E ela mesma nos tira
Pois levando as ilusões
Ficam tristes nossos dias.

A vida sem ilusão
Não representa valor
É como um jarro num canto
Que não tem a sua flor.

A ingratidão é tão grande
Pois se fica tão sentida
Mas o amor e a saudade
Botam a gente estremecida.

O amor tem tanta força
Que até se perde a razão
Mesmo sendo ofendida
A gente pensa que não.


O amor é da alma
Nascido do coração
Pelos filhos, pelos netos
E também nossos irmãos.

O amor faz parte da vida
Se gosta de tanta gente
Por não ser correspondida
Não posso viver contente.

Mesmo não ficando contente
Não posso fazer nada
As sementes estão no coração
Não podem ser arrancadas.

Por não poderem ser arrancadas
Continuo com o amor
Com esperança de um dia
Vocês me darem valor.

A palavra amor
É tão funda e tão divina
Que a única palavra que pode
Ser por todos dividida.
(Zaira Guimarães Lisboa apud Cristina C. Pereira)

* * *
Vocês imaginam
Vocês imaginam que eu esteja esperando
a luz e o amor
Diante das portas da cidade.
Mas eu açoito o dorso do vento arquejante
com minhas maldições
e grito até o céu meus lamentos de
Excluído:
Meus dezesseis anos não bastam
para que vocês me recebam,
nem bastam para varrer as teias de
aranha
da humilhação que levo comigo?

Em multidão, esperamos de fora
Que vocês nos deêm moedinhas,
As moedinhas de sua confiança!
(Karoly Baryid)

* * *
Canção do cigano espancado
Vinte e quatro bofetadas.
Vinte e cinco bofetadas;
depois, à noite, minha mãe
por-me-á em papel de prata.

Guarda civil dos caminhos,
dai-me um gole d’água.
Água com peixes e barcos.
Água, água, água, água.

Ai chefe da guarda Civil
que estás longe, na tua sala,
não haverá lenços de seda
para me limpar a cara!
(Federico Garcia Lorca, in Bodas de sangue)

* * *


Boêmios em viagem

A profética tribo, a dos olhos ardentes,
ontem, levando a prole, se pôs pela estrada.
Os filhos vão ao dorso; e a sua gula ansiada
O tesouro vai dar dos mamilos pendentes.

Os homens vão a pé sob armas reluzentes
Junto ao carro em que vai a família agachada,
Passeando pelos céus suas vistas pesadas
Da saudade espectral das quimeras ausentes.

E do fundo do seu leito arenoso um grão,
ao mirá-los passar, vai dobrando o estribilho,
Cibele, que os adora, acrescenta as verduras.

Faz chorar o rochedo e florir o deserto
Para cada viajante a quem sempre está aberto
O império familiar das tênebras futuras.
(Baudelaire, in O povo Cigano de Olimpio Nunes)

* * *

Eram ciganos errantes,
atilados e torcidos,
trocadores de cavalos
com semblantes atrevidos;
causa medo vê-los tantos,
tão astutos e crescidos.

Vinham ladrões de cavalo,
vinham muitos raizeiros,
vinham, do sol abrasador,
nossos bárbaros guerreiros,
bons dizedores de sortes,
muitos e bons cavaleiros!
........................................

Enfim, dizer quantos vimos
não cabe neste papel:
vinham muitas alimárias
_ são roubadas a granel _ e vinha o Alumioso,
montado em branco corcel.
(Gonçalves Dias, in Cristina C. Pereira: Povo cigano)

* * *

O sol requeima a solitária estrada.
Silêncio. Mas, além já chega o bando:
o trom dos cascos vem se aproximando
do galopar d’a estranha cavalgada!

São ciganos, fiéis da onça-parda:
castanhos _ encantados, vão passando!
e as trompas, a soar, vão agitando
o auri-rubro da tarde ensolarada.

E a caatinga se queima e se estremece:
da cavalgada o estrépito que aumenta
cega-se ao gume e às pedras desta serra!

O silêncio, outra vez, fogoso desce:
o sol sagra, do rei, a voz poenta,
e o Aluminoso ao sol-dos-mortos erra!
(Raimundo Correa)

* * *
Gitano Soy
Tu no me llore
No me da pena
No llora nada por mi
Del amor que va acabando
Es el amor igual

Tu no me llore
De se acabando el amor
Pienso a ti
Ya nunca no volvera
El amor verdad

Soy, gitano soy
Gitano soy
Siempre sere

Soy, gitano soy
Gitano soy
Siempre sere

Estoy acercando
Pero te encuentro
En la cama
Y el amor te va acabando
No llora por mi

Estoy pensando
No llore nina
El amor de verdad
Por el amor que no tenemos

Que sera por mi

Soy, gitano soy
Gitano soy
Siempre sere

Soy, gitano soy
Gitano soy
Siempre serei.

* * *



O irmão
Senhor, me sinto irmão desesperadamente!
Fraterno, indissolúvel. Irmão da planta imóvel, irmão da fera,
irmão.
Da estrela e do cigano, irmão do saltimbanco,
Irmão da água, irmão da noite, irmão
Da morte! Sempre irmão! Na carne desolada
Que desce para o chão e curva o seu mistério
Para a noite febril que sopra do passado,
Na carne desolada o mundo se revolve,
Senhor, me sinto o mundo! E é intenso e além do homem
Sentir na própria carne a criação do mundo!
(Alphonsus de Guimarãens Filho)

* * *
A canção que cantam os ciganos

(Lieder, die uns der zigeuner spielt)

Lá na serra a tarde cai!...
Já morreu o sol...
Um cigano cantando vai,
Como um rouxinol!...
Cantando seu desejo!
Recordando o beijo,
Da cigana... linda flor...
Seu maior amor!

Você, tristonho cigano... canta!
Você já teve alguém!
Você sentiu de outros lábios...
Beijos!
Beijos de um doce bem!
Eu que vivi faminto de amor...
Sem conseguir calor,
De uns lábios em flor...
Quero ouvir o seu canto... quero!
Para matar minha dor!
(Texto de C. Amberg; letra de Silvino Netto; música de Franz Doelle, arr. De Walter Borchert)

***
Trovas

Tenho uma saia de chita
Com três barras à cigana:
Sou filha da monarquia,
Trajo à republicana.

Sou cigana, sou cigana,
Sou muito aciganada,
Tenho uma saia de chita
Com a barra encarnada.

Somos ciganos, ciganas
Não se nega a geração;
O cigano que é cigano
Também tem bom coração.

A cigana do Egito
Caminha para Belém,
Dar graças ao menino
E à Virgem o parabém.

***
Ciganos

Tudo o que voa é ave
Desta janela aberta
A pena que se eleva é mais suave
E a folha que plana é mais liberta.
Nos seus braços azuis o céu aquece
Todo o alado movimento.
É no chão que arrefece
O que não pode andar no firmamento.

Outro levante, pois, ciganos!
Outra tenda sem pátria mais a
Desumanos
São os sonhos, também...
(Miguel Torga)

***
Ciganos

Mora no sangue cigano
uma porção de pássaros
expulsos do paraíso.

Só tiveram tempo
de levar consigo,
a música e a dança,
abrigo do espírito,
cobertor de soluços.
Deus logo os chamou de volta
para alegrarem de novo as festas do céu.
(Ático Vilas-Boas da Mota)

***

Kambulins

Sonho contigo dormindo,
Sonho contigo acordado;
Sonho contigo falando,
Sonho contigo calado.

Minha vida foi qual nuvem
De negras cores cercada,
Hoje é céu onde refulge
Brilhante estrela engastada.

Às vezes choro em silêncio
De mim mesmo condoído,
Quando revivo a lembrança
De quanto tenho sofrido.

Botei-me a chorar saudade
Defronte do meu jardim;
As flores me responderam;
“Cala que tudo tem um fim”.

Todos têm mágoas e penas
Que com o tempo desvanecem;
As minhas, pelo contrário,
Quanto mais tempo, mais crescem.



Saudade, o teu nome é doce,
Parece que nada diz;
No entanto quem te sofre
Nunca pode ser feliz.

Brilha a flor nos teus cabelos
Como o sol nos horizontes...
De te ver e não gozar
Meus olhos são duas fontes.

A honra, a glória , o prazer
Têm o seu devido templo.
A dor, tormento e tristeza
Formam em mim seu exemplo.
A Parca pegou na foice
Para os meus dias dar fim;
Porém não fez porque sabe
Venturas não são pra mim.
(In Mello Moraes Filho – Cancioneiro dos ciganos)

***

Romance de la luna, luna

La luna vino a la fragua
com su polisón de nardos.
El niño la mira mira.
El niño la esta mirando.
En el aire commovido
mueve la luna sus brazos
Y enseña, lúbrica e pura,
sus senos de duro estaño.
Huye luna, luna, luna.
Si vinieran los gitanos
harian com tu corazon
collares y anillos blancos.
Niño, déjame que baile.
Cuando vengan los gitanos,
te encontrán sobre el yunque
com los ojillos cerrados.
Huye luna, luna, luna,
que ya siento sus caballos.
Niño, déjame, no pises
mi blancor almidonado.

El jinete se acercaba
tocando el tambor del llano.
Dentro de la fragua el niño,
tiene los ojos cerrados.
Por el olivar venian,
bronce y sueño, los gitanos.
Las cabeças levantadas
y los ojos entornados.
Cómo canta la zumaya,
ay cómo canta en el árbol!
Por el cielo va la luna
com un niño de la mano.

Dentro de la fragua lloran,
dando gritos, los gitanos.
El aire la vela, vela.
El aire la está velando.
(F. Garcia Lorca)

***

Oh, Deus para onde irei?
O que posso fazer?
Onde encontrar
Lendas e canções?
Não vou à floresta,
Não encontro rios.
Oh, bosque, meu pai,
Meu negro pai!
A era dos ciganos viajantes
Já passou. Mas eles estão diante dos meus olhos,
São brilhantes,
Fortes e claros como água.
Que se escuta
Vagando
Quando quer falar.

Porém, coitada não tem voz...

...Água não olha para trás.
Foge, corre mais longe,
Onde olhos não a verão, a água que vaga.
(Papusza, in Enterrem-me de pé, de Isabel Fonseca)

* * *
Onde a verdade cigana?
Tanto quanto me lembro
Vago pelo mundo com a tenda
Buscando o amor e o afeto
A justiça e a sorte.

Envelheci na estrada
Sem encontrar o amor verdadeiro
Sem escutar a palavra justa.
Onde a verdade cigana?
(Rasim Sedje, apud Rosa Taikon Janush, in A família cigana)

***

Sandra Rosa Madalena
Quero vê-la sorrir
Quero vê-la cantar
Quero ver o seu corpo dançar sem parar

Quero vê-la sorrir
Quero vê-la cantar
Quero ver o seu corpo dançar sem parar

Ela é bonita seus cabelos muito negros
E o seu corpo faz meu corpo delirar
O seu olhar desperta em mim uma vontade de enlouquecer de me perder de me entregar
Quando ela dança todo mundo se agita
E o povo grita o seu nome sem parar

É a cigana Sandra Rosa Madalena
É a mulher com quem eu vivo a sonhar

Quero vê-la sorrir
Quero vê-la cantar
Quero ver o seu corpo dançar sem parar
Quero vê-la sorrir
Quero vê-la cantar
Quero ver o seu corpo dançar sem parar

Dentro de mim mantenho acesa uma chama
Que se inflama se ela está perto de mim
Queria ser todas as coisas que ela gosta
Queria ser o seu princípio e ser seu fim
Quando ela dança todo mundo se agita
E o povo grita o seu nome sem parar

É a cigana Sandra Rosa Madalena
É a mulher com quem eu vivo a sonhar.
(Sidney Magal)

***

Banjaras

Andaremos lado a lado
como andáramos outrora
capaz que ao tocares a rosa
recordes seu nome em sânscrito.

É só mirar teu semblante
que me enredo em imagens e panos
e tilintam-me aos sentidos
sons de pulseiras e tablas.
Ai, antes não me recordasse!
Mas é só te encontrar na rua
em meio a carros e buzinas
que já não diviso essa cidade
nem me perco nessas esquinas.
Ai, antes não me recordasse!
Descubro-te em sorriso de nácar
braços de pele morena
— Mais que isto: acobreada —
e levam-me a outras paragens.


Ai, antes não me recordasse!
Andamos já lado a lado
em verdade entrelaçados
nossos pés chegam juntos
aos véus flutuantes da lua.

Ruído só de moedas
nas ondas dos meus cabelos
quando sopras verbo novo
na concha do meu ouvido.

Clara manhã de elefantes,
cheiro de cravos e almíscar
e ecos de encantamento.

No jogo das três pedras
sobre o tapete estendido
olha-nos o ancião
com seu turbante ocre.

Já não há o que fazer
quando o fato é consumado.
Outra vez viandantes.
(Cristina da Costa Pereira, in Mescolanza)

***
Auto das pastorinhas

solo
Sou cigana do Egito,
que de muito longe vem,
a descer montes e serras,
do Egito pra Belém.
Coro
Ó lê, lê, lê, lê, lê, lê,
Pra ver nosso bem;
Ó lê, lê, lê, lê, lê, lê,
Pra ver nosso bem.
Solo
Ai, ai que dor na minhalma
Ao ver o menino deitado na palha.
....................................................

***
A cigana

De que tela surgiste, ave, seria e flama, toda feita de luz e carne? Os teus olhares
nas olheiras de fogo, acendem a fogueira
do amor e da paixão, da febre e da saudade.

Quando o teu passo acaricia a pedra ardente,
teu colar, que cintila em teus seios morenos, vibra
como uma voz, dentro de uma mesquita,
conectando os fiéis para a oração da tarde.

E teu corpo e teus nervos ágeis de pantera
não lembram imortais danças de bailadeiras,
sob as flutuantes, roxas calças nebulosas?

Em teu véu, uma rosa entreabre-se pareces,
com tua juventude em flor, tão palpitante,
uma chama que baila e que desce do sol.
(Alexandrina Scurtu)

***
Cigana
Era uma vez uma cigana. Um dia
Laura pediu-lhe que lhe lesse a sina
E ela, a cigana, de contente, ria
Ante a mãozinha delicada e fria.

Fita-lhe o olhar e, débil e franzina,
Linha por linha, atentamente, lia
Um futuro de rosas à menina;
Tudo o que Laura desejasse podia...

E disse aos pais: “Três vezes meus senhores,
Aquele ipê se cobrirá de flores
Para a menina se cobrir de um véu”.

Laura riu-se e corou. E um ano corre,
Outro mais... e mais outro... E Laura morre...
— Foi com certeza se casar no céu! —
(Vieira da Silva)

***

Carmen
(Tango brasileiro)
Carmen abandona a tua tribo,
vem por Deus viver comigo,
meu amor de perdição.
Carmen, por tua causa, cigana, acompanho a caravana,
e não sou cigano não.
Buena-dicha
que, revelando o passado,
adivinhando o futuro,
vives vendendo ilusão.
Buena-dicha
deixa o teu mundo encantado
e vem viver ao meu lado.
Lê somente a minha mão.
(Herivelto Martins / Nelson Gonçalves)

***
Os ciganos
Em marchas lentas, estropiadas,
Aos solavancos pelas estradas,

Cheios de andrajos e de lazeira,
De monte em monte, de feira em feira,

Sob as faíscas do sol ardente,
Vão os ciganos, tranqüilamente.

Vão em magotes e caravanas,
Por entre choças e as arribanas,

Pelas charnecas, pelos valados,
Olhos em fogo, rostos tisnados.

Magros fantasmas da vida errante,
Quando eles surgem, perto ou distante,
De toda parte se erguem clamores:
Rogam-lhes pragas os lavradores,

E contra o bando roto e esfaimado,
Ladram, investem os cães de gado.

Mas os ciganos são mais matreiros,
Que os lavradores e que os rafeiros:

Raça dispersa de maltrapilhos,
Passam com bestas, fêmeas e filhos.

Suportam pragas, chufas, maus tratos,
Sofrem insultos e desacatos,

Imploram, gemem, fingem-se doentes,
Tem artimanhas e expedientes,

Até que ao termo de tais canseiras,
À sombra das azinheiras,
Encontram sempre paz e repouso
Sob a ampla benção do céu piedoso.

É dura a terra que vão pisando,
Sentem revoltas, de quando em quando,

Nas incertezas d’um rumo vário,
Contra as agruras do seu fadário...

N’uma penúria faminta e reles,
Olham os campos que não são deles,

Frescas alfombras, nédias mandas,
Vinhedos, hortas, eiras pejadas,

Riqueza em barda, sorte às mancheias
Abarrotando vidas alheias.

E, ó homem rico! tu tens cautela,
Que a ciganagem não se rebela

Alpendres, choças, serras de palha,
Afora o caso que Deus valha,

Hás de ver tudo, se o maltratares,
Lambido em chamas por esses ares.

E ovelhas, cabras, chibatos, anhos,
O melhor que haja nos teus rebanhos,

As tuas éguas, os teus cavalos,
Se te descuidas, hão de roubá-los,

E hão de vendê-los, raça embusteira,
De monte em monte, de feira em feira,
........................................................
........................................................


Almas sem crenças, que andas à toa,
Sem ter no mundo quem se condoa

De vossa sorte rude e mesquinha,
Que ideal, que sonho vos encaminha?

Onde ides, almas desamparadas,
Almas penadas, pelas estradas,

Almas dispersas, almas errantes,
Em corpos toscos e extravagantes?

De que país do extremo oriente
Vindes trazidos pela corrente

Da mais sombria fatalidade?
Qual é, ciganos, a vossa idade?

Ninguém o sabe, em vós sabeis
D’onde é que vindes e onde ireis.

Andais aos tombos, aos solavancos
Pelas charnecas, pelos barrancos,

Incendiando, roubando, e quando
A morte às vezes vos for ceifando,

Tereis na terra paz e repouso,
Sob a ampla bênção do céu piedoso!
(Conde de Monsaraz)

Alpendres, choças, serras de palha,
Afora o caso que Deus valha,

Hás de ver tudo, se o maltratares,
Lambido em chamas por esses ares.

E ovelhas, cabras, chibatos, anhos,
O melhor que haja nos teus rebanhos,
As tuas éguas, os teus cavalos,
Se te descuidas, hão de roubá-los,

E hão de vendê-los, raça embusteira,
De monte em monte, de feira em feira,
........................................................
........................................................

Almas sem crenças, que andas à toa,
Sem ter no mundo quem se condoa

De vossa sorte rude e mesquinha,
Que ideal, que sonho vos encaminha?

Onde ides, almas desamparadas,
Almas penadas, pelas estradas,

Almas dispersas, almas errantes,
Em corpos toscos e extravagantes?

De que país do extremo oriente
Vindes trazidos pela corrente

Da mais sombria fatalidade?
Qual é, ciganos, a vossa idade?

Ninguém o sabe, em vós sabeis
D’onde é que vindes e onde ireis.

Andais aos tombos, aos solavancos
Pelas charnecas, pelos barrancos,

Incendiando, roubando, e quando
A morte às vezes vos for ceifando,

Tereis na terra paz e repouso,
Sob a ampla bênção do céu piedoso!
(Conde de Monsaraz)
 
© direitos reservados desde 2008 -  benficanet.com - contato@benficanet.com