A VERDADEIRA HISTÓRIA DOS CIGANOS NO RIO ANTIGO,
DEBRET X CIGANOS

por Asséde Paiva
- 18/08/2014

Revisto e ampliado em 20/9/2008
Revisto em 4/8/2014

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Resumo

 

 

Trata-se de pesquisa sobre atividades dos ciganos no Rio de Janeiro: onde moravam?  Foram eles escravistas? Defende-se a ideia de que os verdadeiros traficantes foram outros e que não apareceram por seus estreitos relacionamentos com a elite dominante. Na verdade, os ciganos ficaram com o ônus e outros com o bônus. Não foram grandes, nem pequenos escravistas.

 

Se alguém diz a verdade, pode estar certo de ser descoberto cedo ou tarde.

(Oscar Wilde)

 

O jornal O Globo de 6/4/04, p. 20, registrou que será traçado o roteiro da escravidão no Rio.

 

Está para recomeçar a revitalização dos Bairros da Saúde, Gamboa, Santo Cristo e adjacências. São recantos cheios de história, plenos de fantasias e marcadamente tristes pelos lamentos dos escravos que ali chegavam, da mãe África e dali partiam para as Minas Gerais e outras capitanias, levados pelos comboieiros e comissários dos fazendeiros, ou ficavam servindo seus senhores na mui heróica cidade de são Sebastião do Rio de Janeiro.

 

É chegado o momento de reflexão, a hora de levantar o véu que cobre os fatos que ocorreram, naquelas paragens, por mais de duzentos anos (1583-1831). E são muitas as interrogações, nem podemos cogitar de responder todas. Na verdade, vamos tentar apenas responder uma: A questão dos ciganos. Qual a participação deles no nefando comércio escravista? Lendo os livros mais corriqueiros, os autores mais preconceituosos, aqueles que, de um ou do outro modo, não queriam ou não podiam dizer a verdade, eles afirmaram que os ciganos foram os principais comerciantes ou vendedores de escravos, o que é uma insensatez. Lendo também os livros atuais de pesquisadores desatentos, seguidores do “artista”francês Debret, ainda encontramos a mesma fábula: a dos ciganos escravistas. Sobre este assunto já escrevemos muito e quase tudo está em nosso trabalho Brumas da história do Brasil, ciganos e escravos, averdade que, embora inédito,a primeira versão foi publicada na Revista do Instituto Histórico eGeográfico Brasileiro (RIHGB), no 417, p. 11-60, out./dez. de 2002.

 

É curioso: mais de setecentos e sessentavisitantes/viajantes estrangeiros que vieram ao Rio, no Brasil-colônia e império (ainda que excluamos uns 200, por motivos vários), poucos abordaram o assunto: ciganos x escravos. Podemos citar os principais: Debret; Saint-Hilaire; Gendrin; Gabert; Jacquemont; Robert Walsh; Kidder; Johann Pohl; Weech; Thomas Ender; Rugendas; Chamberlain; Richard Burton; Freycinet; George Gardner; Maria Graham*, Cunha Matos; Eschwege e James Wells.Alguns dos citados, eu os pesquisei a fundo e nada encontrei desfavorável aos ciganos; por exemplo: Burton e Maria Graham. No que diz respeito aGendrin, fizeram uma tradução capciosa de seu texto e não tem valor, portanto.Gabert, esteparece que nem existiu. Sobre Jacquemont, encontrei dois trabalhos seus: um na biblioteca do Itamaraty,outro na biblioteca Nacional. Folheei 4000 páginas e o texto que dizem ser dele (contra os ciganos) não existe. Chamberlain plagiou Thomas Ender, ou vice-versa, no quadro cigano vendendo escravo. E Debret! Este senhor, completamente ignorado na França, sua pátria, como artista; jamais foi convidado pelo Csar, para ir para São Petersburgo.Errou em muitas pranchas sobre o Brasil e sobre ciganos. Na verdade, não retratou o Brasil: caricaturou. Em um artigo de Alfredo Grieco, Atualizando Debret, que retiramos na internet, lemos : “Completamente desconhecido na França, onde além de ser aluno brilhante e logo professor da Politécnica (substituindo Gerard), foi assistente de David, é bastante mal visto no Brasil, quem sabe por ter sido meio kitschificado.

 

Outro documento na internet tem este título: “Debret: plagiador? No tomo I de Viagem Pitoresca e histórica ao Brasil, dentre as inúmeras representações de indígenas, algumas chamam a atenção: eles são representados com pintura corporais muito semelhantes (para não dizer idêntica) às de uma imagem de índios de uma tribo de índios norte-americanos, presente em uma publicação sob o título de Voyages andtravels en various parts odthe world: during the years 1803, 1804, 1805, 1806, and1807, feita décadas antes de Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, pelo naturalista da antiga Prússia, George Heinrich von Langsdorff.” E para encerrar transcrevo o que nos informa o site www.pitoresco.com.br/laudelino/laudelel que tem este título: “Época de formação, primeiro período: 1816-1826”. À página 3/11 lemos: Contratados ouaproveitados? ‘Dizendo expressamente o decreto acima [referia-se aos franceses recém-vindos, inclui Debret]: “1oquerendo aproveitar a capacidade, habilidade e ciência de alguns estrangeiros beneméritos, que tem buscado a minha Real e Graciosa Proteção...”evidente que eles vieram para buscar essa proteção e não foi o governo que os mandou vir, como falsamente asseveram...

 

Debret vem sendo questionado hoje em dia. No jornal O Globo, p. 2, do segundo caderno, de 10 de janeiro de 2008, lê-se esta manchete: Livro desautoriza obras de Debret. Atribuições equivocadas e falsificações estão em coleções privadas e em museus, como a rede Castro Maya. Uma comissão de estudiosos de arte reunida pelos autores do livro “Debret e o Brasil” sustenta que 87 obras atribuídas ao pintor francês Jean-Baptiste Debret podemser ou são de outros artistas [...]. O comitê de autenticação tem seis integrantes: além de Corrêa Lago e de Bandeira, há o embaixador e vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, João Hermes Pereira de Araújo; a especialista em arte europeia do século XIX ZuzanaPaternostro, o marchand Jean Boghici, maior colecionador privado de Debret e Claudine Lebrun Jouve, especialista em Taunay [...]. No Museu Histórico Nacional, o livro aponta que um retrato a óleo de D. João VI não é de Debret, mas provavelmente de José Inácio S. Paulo, retratista da corte portuguesa. No Masp, a tela “Índios atravessando um riacho” seria de Augustin Brunias, pintor setecentista da região do Caribe. Etc., etc.

 

Tenho certeza (ou quase) de que Debret se apropriou de estampas de Joaquim Cândido Guillobel (1787-1859), as que são comparáveis, pela razão singela de que as estampas de Joaquim são de 1814, e Debret só veio para estas plagas em 1816. Remeto o leitor à excelente tese de mestrado de Eneida Maria Mercadante Sela (Unicamp, 2001), com o título Desvendando figurinhas: um olhar histórico para as aquarelas de Guillobel.Embora defenda a originalidade de Debret não nos convence e mostra que Chamberlain e Ender também plagiaram Guillobel.

 

Portanto, concluo que, em se tratando de ciganos, Debret não deve ser levado a sério, nem quando travestido de antropólogo social, pois quando fala de modos e costumes ciganos está reescrevendo Grellmann. Remetemos os leitores e leitoras à nossa obra Brumas da história ciganos e escravos no Brasil, in Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. R.IHGB, a.163, n.417, p.11-60, out. /dez. 2002 e na AmazonkindleBrazil.

 

Os ciganos, à medida que foram chegando ao Brasil, especialmente Rio de Janeiro, foram expelidos para o Valongo que então nada mais era que um local pantanoso e pestilento, no dizer de Vivaldo Coaracy[1]. A cidade ultrapassou a rua da Vala [hoje Uruguaiana] e foi se espraiando em direção ao Valongo. Novamente os ciganos foram expulsos para outros pântanos. Isto nos dá a certeza de que não tiveram e não puderam comerciar escravos, como querem dizer aqueles viajantes que por aqui passaram nos séculos XVI a XVIII. No Rio antigo, aos ciganos que se tornaram sedentários, as autoridades lhes designaram para residência os brejos palustres, então considerados longínquos ao fim da rua do Piolho [hoje Carioca], isto é, num local que seria depois o Rocio (hoje praça Tiradentes). Aos ciganos, então, deve-se atribuir a glória ou grande heroísmo de serem os primeiros habitantes do Valongo e de sobreviverem em local tão insalubre. Posteriormente, os ciganos mudaram para a rua dos Ciganos, hoje rua da Constituição. Quanto à acusação de ciganos serem escravistas, isto de fato é um conto da carochinha de Debret(que por aqui esteve entre 1816-1831, aproveitado por dom João VI, já que Debret estava sobrante/disponível na França). Como ele era empregado do príncipe-regente, depois rei e evidentemente gozava das benesses da corte, não achou conveniente, ou teve medo de indicar os verdadeiros escravistas (ele perderia o emprego); foi mais fácil culpar os ciganos. Esta mentira foi devidamente refutada, por nós. Apesar disto, estudiosos de história, os mestrandos e doutorados, com algumas belas exceções, também seguem a trilha de Debret, o preconceituoso. E são preconceituosos por tabela. Poderão dizer que existem papéis, relações, ofícios, comprovando o envolvimento de ciganos com escravos. É verdade, porém não podemos esquecer que somente os ciganos eram taxativamente excluídos[2] do comércio escravista; portanto, quando — eventualmente — exerciam este mister eram perseguidos e presos. Outras etnias: portugueses, brasileiros, negros (pasmem! Escravo podia comprar escravo), judeus, americanos, franceses, ingleses, holandeses, espanhóis, podiam livremente exercer o nefando escravismo, sem qualquer coerção. Daí não aparecerem jamais como escravistas, nem eram presos ou perseguidos e não são registrados nas crônicas policiais. Quem se atreveria enfrentar a ira dos irmãos Antônio e João Gomes Barroso e de um Antônio Elias Lopes e de mais de 200 outros traficantes de grosso trato?É,Elias Lopes não dava pontosemnó, presenteou ao rei uma chácara, em São Cristóvão...e foi regiamente recompensado[3].

 

Realizam-se pesquisas no Arquivo Nacional[4] (ANRJ), sobre a participação dos ciganos no escravismo. Até agora, os resultados são estatisticamente desprezíveis, levando em conta o universo: três milhões de escravos, e 300 anos de escravidão.

 

Em 6/1/2002, no caderno 2 de O Estado de SãoPaulo, lemos interessante artigo de Haroldo Ceravolo Sereza, que diz o seguinte:“Debret coloca em duas pranchas ciganos no comando do negócio de escravos, o que é um pequeno delírio histórico — ou porque Debret não viu o óbvio, ou seja, que a elite brasileira comandava o negócio, ou porque o óbvio não podia ser visto”.

 

Eu quero subverter a história oficial; quero desmitificar Debret; quero desconstruí-lo e quero inocentar os ciganos da insustentável,risível e grotesca acusação de que foram escravistas. Leitores e leitoras, amigos (as), não se detenham neste pequeno artigo, naveguem em meu site, indicado no rodapé, vejam que está pleno de argumentos a favor dos ciganos. Mas de que viviam os ciganos então? Não era só de ar, com certeza! As mulheres liam a buena-dicha, pela cartomancia, quiromancia, borra de café, etc.; os homens trabalhavam em cestaria, latoaria, consertos de alambiques, troca de cavalos (sempre com volta) e ocasionalmente, só fortuitamente, repetimos comerciavam escravos, quando alguns destes pobres homens se punham por livre e espontânea vontade à disposição de cigano, pedindo-lhe que os vendessem para outros. Outros ciganos eram andadores do rei, isto é entregavam mensagens fazendo papel de correios e mais tarde alguns se tornaram meirinhos (oficiais de justiça).

 

Cigano é alegre e gosta de festa. Em 1763, participaram ativamente das festas reais em honra do primogênito de d. Maria I. Os ciganos vieram com d. João VI para o Brasil, em 1808. Animaram as festas do casamento do d. Pedro I com d. Leopoldina e, no período áureo de 1808-1818, foram sempre convidados a participarem das comemorações da corte. Joaquim Antônio Rabelo[5], cigano rico, prestamista, benemérito e humanitário bancou a festa dos ciganos para o rei e chegou ao posto de alferes.

 

Recomendamos, como ato de gratidão e de reparação do povo carioca, que se inaugure (na revitalização dos bairros citados), uma placa, um marco no Valongo, dedicado aosciganos, e que sejam reconhecidos como os primeiros desbravadores/povoadores do Valongo; habitantes do Rio de Janeiro e que ajudaram, de uma forma ou de outra, a colonizar nosso município: Estabeleceram-se entre outras plagas, no Catumbi, na Lagoa Rodrigo de Freitas, nas Praças XV e Tiradentes (que já foi chamada de Campo dos ciganos), Inhaúma e outros pontos de nossa cidade. E, quando sedentários, foram meirinhos, de reconhecida honestidade.

 

A título de informação, o primeiro cigano degredado para o Brasil se chamava João Giciano [egipciano]. Foi expulso de Portugal em 1562, junto com a mulher e quatorze filhos.

 

POST SCRIPTUM

 

Recentemente, a Revista de História da Biblioteca Nacional, publicou em edição especial, artigos excelentes sobre a chegada da corte portuguesa ao Brasil (ano 3, no 28, janeiro de 2008)

 

Aí fiquei de alma lavada quando vi alguns doutores defendendo teses que há muito defendo de que Debret foi plagiador. Eu digo que, além disso, foi mau pintor. Vou pinçar alguns parágrafos, sem outros comentários, pois que os subscrevo ipsis litteris.

 

Em Lilia Schwarcz[6], pp. 66-68, lemos:

 “Eram os franceses missionários?A chamada ‘missão artística’ não ocorreu como se pensa. Os artistas napoleônicos, subitamente desempregados, se autoconvidaram(grifamos) para servir a uma nova corte [...]O súdito francês [Taunay] se apresenta, gaba-se de seus 60 anos e alegados cabelos brancos e oferece serviços ao príncipe de Portugal, comoconservar quadros, estátuas e tudo que fosse necessário...”

 

[...] Os antigos aliados de Napoleão sofreram com os reveses dapolítica e se converteram em exilados — oficiais ou não. [...] No Rio de Janeiro, os artistas da “missão" francesa’ teriam procurado, cada um por si, garantir seu emprego. Para aceitar esta versão, é preciso partir do princípio de que a chamada missão jamais fora, de fato, uma “missão”.

 

[...] Mas porque a Corte selecionaria justamente franceses?ainda mais ligados a Napoleão, responsável direto pela transferência da família real para o Brasil[...] pois havia no mercado artistas italianos, paisagistas holandeses, retratistas ingleses e pintores portugueses e nacionais à disposição. Com certeza, trariam menos embaraços políticos do que os franceses.

 

“De onde veio então a teoria de uma ‘missão’ convocada por D. João?" Começou com um membro do grupo, Jean-Baptiste Debret, que no terceiro volume da Viagem pitoresca e histórica ao Brasil se refere a um “convite”. [...] Interessante é que a palavra ‘missão’ pressupõe a noção de obrigação e dever. O termo tem origem no mesmo campo semântico de ‘missa’, derivado de minere (enviar), que indica um mandato, uma incumbência. Afonso Taunay tratou, pois, de conferir um caráter abnegado e sacrificial aos missionários. Os artistas se transformaram em religiosos da arte, portadores de uma nova fé: neste caso, a de semear a própria civilização. Mas outros documentos dos próprios envolvidos põem em dúvida o caráter oficial da ‘missão’ [...] Escritos de Lebreton, publicados na Revista do Patrimônio Histórico eArtístico Nacional, em 1957, pelo historiador Mario Barata, deixam evidente sua autoria na ideia e na oferta de serviços.

 

[...] Para Lebreton, no entanto, o ministro (Francisco Maria José de Brito) faz questãode sempre lembrar que não existia qualquer instrução da Corte no sentido de garantir a vinda dos franceses nem recursos para tal. [...] Se o príncipe não pagou pela vinda dos artistas, alguns representantes portugueses o fizeram. [...] O importante é que a ‘missão’ não era oficial, nem no Brasil, nem em Portugal e muito menos na França. [...] Hora de juntar cartas: artistas desempregados ou em vias de o ser; a moda francesa nas artes; uma monarquia europeia na América; uma colônia até então fechada aos franceses e com imensas possibilidades de comércio. Com todos essesargumentos reunidos, o mais correto seria pensar que os viajantes decidiram partir. Trabalho não faltaria: enquanto a Academia não virasse realidade, seriam empregados nas festas de Corte.

 

Agora vamos pinçar alguns trechos, na mesma revista,de autoria de Jaelson Bitran Trindade[7] pp. 70-75.

 

Debret não conheceu várias paisagens e cenas que pintou. Usou como base a obra de desenhista prussiano Sellow, produzida no Sul do país.”

 

“Em sua obra Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, usou desenhos e narrativas de terceiros para compor estampas relativas a lugares onde nunca esteve e a situações que nunca viveu.”

 

Debret era um homem de Corte, envolvido com a Escola de Belas Artes. Não é crível que tenha acompanhado D. Pedro I ao extremo sul do Brasil.”

 

E relata esta confissão de Debret: “Tive a oportunidade de manter constantemente, por intermédio de meus alunos, relações diretas com as regiões mais interessantes do Brasil, relações que me permitiram obter, em abundância, os documentos necessários ao complemento de minha coleção já iniciada.”

 

Vou incluir uma observação final, que, na verdade, deveria ser a primeira:

 

Parecer de Bento da Silva Lisboa e J. D. de AthaideMoncorvo, sobre o 1º e 2º volumes da obra intitulada Voyage Pittoresque et HistóriqueauBrésil, ou sejour... par J. B. Debret [IHGB, v. 3, tomo 3, 1841, p. 77-79]

 

Entre as estampas há três que, se não fosse a consideração de que em geral o autor faz elogios aos Brasileiros, pareceria que ele queria fazer uma verdadeira caricatura. Com efeito, a do empregado público passeando com sua família excita o riso. Ainda que no ano de 1816, em que chegou M. Debret ao Brasil, os costumes não tinham adquirido aquele grau de civilização que hoje tem, contudo não temos lembrança de que os empregados públicos saíssem a passeio, levando suas esposas no último período de gravidez, segundo se vê na estampa. [...]. A outra estampa é o Tráfico dos Africanos no Valongo. O Senhor Debret pintou todos esses desgraçados em tal estado de magreza, que parecem uns esqueletos próprios para se aprender anatomia; e para levar o riso ao seu auge, descreve a um cigano sentado em uma poltrona, em mangas de camisa, meias caídas, de maneira que provoca o escárnio. Bem diferente é o desenho que apresenta a Senhora Maria Graham* na sua Viagem ao Brasil; pois que é feito com seriedade e veracidade.

 

* Maria Graham. emDiário de uma viagem ao Brasil [1821,1822,1823], p. 286, escreve:

[...] garganta que conduz à lagoa Rodrigo de Freitas, através da qual um riacho de bela água fresca corre para o mar. Exatamente na sua foz há um lugarejo habitado por ciganos, que encontraram o caminho para aqui e preservam muito das peculiaridades do aspecto e de caráter em seu novo lar transatlântico. Se conformam com a religião do país em todas as coisas exteriores e pertencem à paróquia de que o cura de Nossa Senhora do Monte é pastor. Mas esta conformidade não parece ter influenciado seus costumes morais. Usam seus escravos como pescadores. Uma parte de sua família reside habitualmente nos seus dom.

 

Vimos na internet feroz crítica ao “engenheiro” Debret que ao retratar um engenho, desenhou as engrenagens invertidas. Este homem é que se tornou magister dixit para historiadores brasileiros.

 

Conclusão:

 

Debret foi mau pintor e se inspirou em trabalhos de Langsdorff e de Sellow. Gostaria de dizer ainda que no Rio de Janeiro Debret retratou sofrivelmente os costumes. No caso da aquarela em que mostra um magistrado saindo de casa ele o pôs na frente da família, mas não era bem assim, era ao contrário: toda família ia à frente e chefão atrás, para mostrar quem é que manda. E no mesmo desenho pôs um chapéu tipo crista de galo na cabeça do funcionário. É incorreto, na verdade as pontas do chapéu ficavam alinhadas com as orelhas, com se vê em todos demais desenhistas e aquarelistas da época(ver aquarelas de Thomas Ender, Chamberlain, Rugendas e outros). Comparem a roupa da mulher do alto funcionário com a da cigana in Interior de uma casa cigana, prancha 24. São iguais. Mas cigana não veste como não cigana, daí... ele sequer perdia tempo em disfarçar. Convenhamos ser ele artista de segunda linha ou menos.

 

B I B L I O G R A F I A

 

AZEVEDO, Moreira. O Rio de Janeiro sua história, monumentos, homens notáveis, usos e costumes. Primeiro volume,3ª edição, Rio de Janeiro: Brasiliana Editora, 1969.

BERGER, Paulo. Bibliografia do Rio de Janeiro, viajantes e autores estrangeiros, 1531-1900. Rio de Janeiro: SEEC-RJ 2a ed., 1980.

CHAMBERLAIN, Sir Henry. Vista e costumes da cidade e arredores do Rio de Janeiro em 1818-1819. Rio de Janeiro, 1943.

COARACY, Vivaldo. Memórias da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: José Olympio, 1955.

COELHO, Francisco Adolfo. Os ciganos de Portugal. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1995.

DEBRET, Jean Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. 6a ed. São Paulo: Livraria Martins Fontes 1940; Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro INL: 1975. e v. 2 tomos (tradução de Voyage pittoresque et historiqueauBrésil, 1834, por Sérgio Milliet..

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GRELLMANN, Heinrich Moritz Gottlieb. Die zigeuner. Trad.para o inglês, Dissertation on the gypsies, 2a ed. Londres. William Ballantine, 1807.

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MERCADANTE SELA, Eneida Maria. Desvendando figurinhas: um olhar histórico para as aquarelas deGuillobel.(Tese de Mestrado).  São Paulo: Unicamp, 2001.

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¾¾¾Quadros e crônicas. Rio de Janeiro: H. Garnier, Livreiro- Editor, s.d.

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[1] In Memórias da cidade do Rio de Janeiro.

[2]Proibindo o comércio de escravos pelos ciganos, foram numerosas as cartas, resoluções, posturas, leis, alvarás, bandos, portarias, provisões, etc., expedidos pelas autoridades. Exemplo: 1760 ¾¾ Alvará. Recomendava às autoridades da colônia que usassem medidas repressivas contra eles [ciganos]. Proíbe de comerciarem escravos. Os que não respeitassem as diversas disposições estabelecidas no dito alvará deveriam ser degredados por toda a vida para a ilha de São Thomé ou para a do Príncipe. (Registrado a fol. 351 do Lo. X do Registro do Real Archivo. ¾ Antonio Delgado da Silva, Colleção da legislação portuguesa, 1750-1762, pp. 749-750). Apud Adolfo Coelho.

[3] Depois da oferta, foi agraciado com diversos títulos e cargos: Comendador de Cristo (1808), Deputado da Real Junta do Estado do Brasil e Domínios Ultramarinos (1808), Cavaleiro Fidalgo da Casa Real (1810), Alcáide-mor da Vila de São José del Rei (1810), Provedor e Corretor da Casa Adjunta de Comércio (1812), Administrador da Real Quinta da Boa Vista (1808/1813). In O Rio de Janeiro sua história, monumentos, homens notáveis, usos e curiosidades, primeiro volume, 3ª edição, p. 22, nota XIX. Subscreveu listas doando elevadas quantias à Casa Real. (ver Jurandir Malerba, in A corte no Exílio).

[4]Examinamos as ementas (de um grupo de pesquisadores do AN), sob o título O Arquivo Nacional e a História Luso-Brasileira, Império luso-brasileiro: ciganos [IJJ9 24; 70, vol. 23; cód. 342, vol. 2; cód. 542, vol. 2; cód. 329, vol. 2 e 3; caixa 678, pct. 1; cód. 84, vol. 2; cód. 330, vol. 1; AP, 41; cód. 325, vol. 1; cód. 401; cód. 490, pct. 2; Código do fundo: 0E; caixa 678, pct. 1]. A pesquisa abrangeu o período de 1725-1857 (132anos). Dos 22 eventos registrados, cinco eram relativos a escravos (número insignificante em termos estatísticos); outros 14 eram concernentes a furtos, brigas etc; três se deram em Portugal.

 

[5] Ver Alexandre José de Mello Morais Filho, in Os ciganos no Brasil e cancioneiro dos ciganos.

[6] Professora do Departamento de Antropologia da USP.

[7] Historiador do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), doutor pela USP.

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