Resumo
Trata-se de pesquisa sobre atividades dos ciganos no Rio de Janeiro:
onde moravam? Foram eles
escravistas? Defende-se a ideia de que os verdadeiros traficantes foram
outros e que não apareceram por seus estreitos relacionamentos com a
elite dominante. Na verdade, os ciganos ficaram com o ônus e outros com
o bônus. Não foram grandes, nem pequenos escravistas.
Se alguém diz a
verdade, pode estar certo de ser descoberto cedo ou tarde.
(Oscar Wilde)
O jornal
O Globo de 6/4/04, p.
20, registrou que será traçado o roteiro da escravidão no Rio.
Está para recomeçar a revitalização dos Bairros da Saúde, Gamboa, Santo
Cristo e adjacências. São recantos cheios de história, plenos de
fantasias e marcadamente tristes pelos lamentos dos escravos que ali
chegavam, da mãe África e dali partiam para as Minas Gerais e outras
capitanias, levados pelos comboieiros e comissários dos fazendeiros, ou
ficavam servindo seus senhores na mui heróica cidade de são Sebastião do
Rio de Janeiro.
É chegado o momento de reflexão, a hora de levantar o véu que cobre os
fatos que ocorreram, naquelas paragens, por mais de duzentos anos
(1583-1831). E são muitas as interrogações, nem podemos cogitar de
responder todas. Na verdade, vamos tentar apenas responder uma: A
questão dos ciganos. Qual a participação deles no nefando comércio
escravista? Lendo os livros mais corriqueiros, os autores mais
preconceituosos, aqueles que, de um ou do outro modo, não queriam ou não
podiam dizer a verdade, eles afirmaram que os ciganos foram os
principais comerciantes ou vendedores de escravos, o que é uma
insensatez. Lendo também os livros atuais de pesquisadores desatentos,
seguidores do “artista”francês Debret, ainda encontramos a mesma fábula:
a dos ciganos escravistas. Sobre este assunto já escrevemos muito e
quase tudo está em nosso trabalho
Brumas da história do Brasil, ciganos e escravos, averdade
que,
embora inédito,a primeira versão foi publicada na
Revista do Instituto Histórico
eGeográfico Brasileiro (RIHGB), no
417, p. 11-60, out./dez. de 2002.
É curioso: mais de setecentos e
sessentavisitantes/viajantes estrangeiros que vieram ao Rio, no
Brasil-colônia e império (ainda que excluamos uns 200, por motivos
vários), poucos abordaram o assunto: ciganos x escravos. Podemos citar
os principais: Debret; Saint-Hilaire; Gendrin; Gabert; Jacquemont;
Robert Walsh; Kidder; Johann Pohl; Weech; Thomas Ender; Rugendas;
Chamberlain; Richard Burton; Freycinet; George Gardner; Maria Graham*,
Cunha Matos; Eschwege e James Wells.Alguns dos citados, eu os pesquisei
a fundo e nada encontrei desfavorável aos ciganos; por exemplo: Burton e
Maria Graham. No que diz respeito aGendrin, fizeram uma tradução
capciosa de seu texto e não tem valor, portanto.Gabert, esteparece que
nem existiu. Sobre Jacquemont, encontrei dois trabalhos seus: um na
biblioteca do Itamaraty,outro na biblioteca Nacional. Folheei 4000
páginas e o texto que dizem ser dele (contra os ciganos) não existe.
Chamberlain plagiou Thomas Ender, ou vice-versa, no quadro
cigano vendendo escravo. E
Debret! Este senhor, completamente ignorado na França, sua pátria, como
artista; jamais foi convidado pelo Csar, para ir para São
Petersburgo.Errou em muitas pranchas sobre o Brasil e sobre ciganos. Na
verdade, não retratou o Brasil: caricaturou. Em um artigo de Alfredo
Grieco, Atualizando Debret, que retiramos na internet, lemos : “Completamente
desconhecido na França, onde além de ser aluno brilhante e logo
professor da Politécnica (substituindo Gerard), foi assistente de David,
é bastante mal visto no Brasil, quem sabe por ter sido meio
kitschificado.”
Outro documento na internet tem
este título: “Debret: plagiador?
No tomo I de Viagem Pitoresca e histórica ao Brasil, dentre as inúmeras
representações de indígenas, algumas chamam a atenção: eles são
representados com pintura corporais muito semelhantes (para não dizer
idêntica) às de uma imagem de índios de uma tribo de índios
norte-americanos, presente em uma publicação sob o título de
Voyages andtravels en various
parts odthe world: during the years 1803, 1804, 1805, 1806, and1807,
feita décadas antes de Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, pelo
naturalista da antiga Prússia, George Heinrich von Langsdorff.” E para
encerrar transcrevo o que nos informa o site
www.pitoresco.com.br/laudelino/laudelel
que
tem este título: “Época de formação, primeiro período: 1816-1826”.
À página 3/11 lemos: Contratados
ouaproveitados? ‘Dizendo expressamente o decreto acima [referia-se
aos franceses recém-vindos, inclui Debret]: “1oquerendo
aproveitar a capacidade, habilidade e ciência de alguns estrangeiros
beneméritos, que tem buscado a minha Real e Graciosa
Proteção...”evidente que eles vieram para buscar essa proteção e não foi
o governo que os mandou vir, como falsamente asseveram...
Debret vem sendo questionado
hoje em dia. No
jornal O Globo, p. 2, do segundo caderno, de 10 de janeiro de 2008,
lê-se esta manchete: Livro
desautoriza obras de Debret. Atribuições equivocadas e falsificações
estão em coleções privadas e em museus, como a rede Castro Maya. Uma
comissão de estudiosos de arte reunida pelos autores do livro “Debret
e o Brasil” sustenta que 87 obras atribuídas ao pintor francês
Jean-Baptiste Debret podemser ou são de outros artistas [...]. O comitê
de autenticação tem seis integrantes: além de Corrêa Lago e de Bandeira,
há o embaixador e vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, João Hermes Pereira de Araújo; a especialista em arte
europeia do século XIX ZuzanaPaternostro, o marchand Jean Boghici, maior
colecionador privado de Debret e Claudine Lebrun Jouve, especialista em
Taunay [...]. No Museu Histórico Nacional, o livro aponta que um retrato
a óleo de D. João VI não é de Debret, mas provavelmente de José Inácio
S. Paulo, retratista da corte portuguesa. No Masp, a tela “Índios
atravessando um riacho” seria de Augustin Brunias, pintor setecentista
da região do Caribe. Etc., etc.
Tenho certeza (ou quase) de que
Debret se apropriou de estampas de Joaquim Cândido Guillobel
(1787-1859), as que são comparáveis, pela razão singela de que as
estampas de Joaquim são de 1814, e Debret só veio para estas plagas em
1816. Remeto o leitor à excelente tese de mestrado de Eneida Maria
Mercadante Sela (Unicamp, 2001), com o título
Desvendando figurinhas: um olhar
histórico para as aquarelas de Guillobel.Embora defenda a
originalidade de Debret não nos convence e mostra que Chamberlain e
Ender também plagiaram Guillobel.
Portanto, concluo que, em se
tratando de ciganos, Debret não deve ser levado a sério, nem quando
travestido de antropólogo social, pois quando fala de modos e costumes
ciganos está reescrevendo Grellmann. Remetemos os leitores e leitoras à
nossa obra Brumas da história ciganos e escravos no Brasil, in
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. R.IHGB, a.163,
n.417, p.11-60, out. /dez. 2002 e na AmazonkindleBrazil.
Os ciganos, à medida que foram chegando ao
Brasil, especialmente Rio de Janeiro, foram expelidos para o Valongo que
então nada mais era que um local pantanoso e pestilento, no dizer de
Vivaldo Coaracy[1].
A cidade ultrapassou a rua da Vala [hoje Uruguaiana] e foi se espraiando
em direção ao Valongo. Novamente os ciganos foram expulsos para outros
pântanos. Isto nos dá a certeza de que não tiveram e não puderam
comerciar escravos, como querem dizer aqueles viajantes que por aqui
passaram nos séculos XVI a XVIII. No Rio antigo, aos ciganos que se
tornaram sedentários, as autoridades lhes designaram para residência os
brejos palustres, então considerados longínquos ao fim da rua do Piolho
[hoje Carioca], isto é, num local que seria depois o Rocio (hoje praça
Tiradentes). Aos ciganos, então, deve-se atribuir a glória ou grande
heroísmo de serem os primeiros habitantes do Valongo e de sobreviverem
em local tão insalubre. Posteriormente, os ciganos mudaram para a rua
dos Ciganos, hoje rua da Constituição. Quanto à acusação de ciganos
serem escravistas, isto de fato é um conto da carochinha de Debret(que
por aqui esteve entre 1816-1831,
aproveitado por dom João VI, já que Debret estava sobrante/disponível
na França). Como ele era empregado do príncipe-regente, depois rei e
evidentemente gozava das benesses da corte, não achou conveniente, ou
teve medo de indicar os verdadeiros escravistas (ele perderia o
emprego); foi mais fácil culpar os ciganos. Esta mentira foi devidamente
refutada, por nós. Apesar disto, estudiosos de história, os mestrandos e
doutorados, com algumas belas exceções, também seguem a trilha de Debret,
o preconceituoso. E são preconceituosos por tabela. Poderão dizer que
existem papéis, relações, ofícios, comprovando o envolvimento de ciganos
com escravos. É verdade, porém não podemos esquecer que somente os
ciganos eram taxativamente excluídos[2]
do comércio escravista; portanto, quando — eventualmente — exerciam este
mister eram perseguidos e presos. Outras etnias: portugueses,
brasileiros, negros (pasmem!
Escravo podia comprar escravo), judeus, americanos, franceses,
ingleses, holandeses, espanhóis, podiam livremente exercer o nefando
escravismo, sem qualquer coerção. Daí não aparecerem jamais como
escravistas, nem eram presos ou perseguidos e não são registrados nas
crônicas policiais. Quem se atreveria enfrentar a ira dos irmãos Antônio
e João Gomes Barroso e de um Antônio Elias Lopes e de mais de 200 outros
traficantes de grosso trato?É,Elias Lopes não dava pontosemnó,
presenteou ao rei uma chácara,
em São Cristóvão...e foi regiamente recompensado[3].
Realizam-se pesquisas no Arquivo Nacional[4]
(ANRJ), sobre a participação dos ciganos no escravismo. Até agora, os
resultados são estatisticamente desprezíveis, levando em conta o
universo: três milhões de escravos, e 300 anos de escravidão.
Em 6/1/2002, no caderno 2 de
O Estado de SãoPaulo, lemos
interessante artigo de Haroldo Ceravolo Sereza, que diz o seguinte:“Debret
coloca em duas pranchas ciganos no comando do negócio de escravos, o que
é um pequeno delírio histórico — ou porque Debret não viu o óbvio, ou
seja, que a elite brasileira comandava o negócio, ou porque o óbvio não
podia ser visto”.
Eu quero subverter a história oficial; quero desmitificar Debret; quero
desconstruí-lo e quero inocentar os ciganos da insustentável,risível e
grotesca acusação de que foram escravistas. Leitores e leitoras, amigos
(as), não se detenham neste pequeno artigo, naveguem em meu site,
indicado no rodapé, vejam que está pleno de argumentos a favor dos
ciganos. Mas de que viviam os ciganos então? Não era só de ar, com
certeza! As mulheres liam a buena-dicha, pela cartomancia, quiromancia,
borra de café, etc.; os homens trabalhavam em cestaria, latoaria,
consertos de alambiques, troca de cavalos (sempre com volta) e
ocasionalmente, só fortuitamente, repetimos comerciavam escravos, quando
alguns destes pobres homens se punham por livre e espontânea vontade à
disposição de cigano, pedindo-lhe que os vendessem para outros. Outros
ciganos eram andadores do rei, isto é entregavam mensagens fazendo papel
de correios e mais tarde alguns se tornaram meirinhos (oficiais de
justiça).
Cigano é alegre e gosta de festa. Em 1763,
participaram ativamente das festas reais em honra do primogênito de d.
Maria I. Os ciganos vieram com d. João VI para o Brasil, em 1808.
Animaram as festas do casamento do d. Pedro I com d. Leopoldina e, no
período áureo de 1808-1818, foram sempre convidados a participarem das
comemorações da corte. Joaquim Antônio Rabelo[5],
cigano rico, prestamista, benemérito e humanitário bancou a festa dos
ciganos para o rei e chegou ao posto de alferes.
Recomendamos, como ato de gratidão e de reparação do povo carioca, que
se inaugure (na revitalização dos bairros citados), uma placa, um marco
no Valongo, dedicado aosciganos, e que sejam reconhecidos como os
primeiros desbravadores/povoadores do Valongo; habitantes do Rio de
Janeiro e que ajudaram, de uma forma ou de outra, a colonizar nosso
município: Estabeleceram-se entre outras plagas, no Catumbi, na Lagoa
Rodrigo de Freitas, nas Praças XV e Tiradentes (que já foi chamada de
Campo dos ciganos), Inhaúma e outros pontos de nossa cidade. E, quando
sedentários, foram meirinhos, de reconhecida honestidade.
A título de informação, o primeiro cigano degredado para o Brasil se
chamava João Giciano [egipciano]. Foi expulso de Portugal em 1562, junto
com a mulher e quatorze filhos.
POST SCRIPTUM
Recentemente, a Revista de História da Biblioteca Nacional, publicou em
edição especial, artigos excelentes sobre a chegada da corte portuguesa
ao Brasil (ano 3, no 28,
janeiro de 2008)
Aí fiquei de alma lavada quando vi alguns
doutores defendendo teses que há muito defendo de que Debret foi
plagiador. Eu digo que, além disso, foi mau pintor. Vou pinçar alguns
parágrafos, sem outros comentários, pois que os subscrevo
ipsis litteris.
Em Lilia Schwarcz[6],
pp. 66-68, lemos:
“Eram os franceses missionários?A chamada ‘missão artística’ não ocorreu
como se pensa. Os artistas napoleônicos, subitamente desempregados, se autoconvidaram(grifamos) para servir a uma nova corte [...]O súdito
francês [Taunay] se apresenta, gaba-se de seus 60 anos e alegados
cabelos brancos e oferece serviços ao príncipe de Portugal,
comoconservar quadros, estátuas e tudo que fosse necessário...”
[...] Os antigos aliados de Napoleão sofreram com os reveses dapolítica
e se converteram em exilados — oficiais ou não. [...] No Rio de Janeiro,
os artistas da “missão" francesa’ teriam procurado, cada um por si,
garantir seu emprego. Para aceitar esta versão, é preciso partir do
princípio de que a chamada missão jamais fora, de fato, uma “missão”.
[...] Mas porque a Corte selecionaria justamente franceses?ainda mais
ligados a Napoleão, responsável direto pela transferência da família
real para o Brasil[...] pois havia no mercado artistas italianos,
paisagistas holandeses, retratistas ingleses e pintores portugueses e
nacionais à disposição. Com certeza, trariam menos embaraços políticos
do que os franceses.
“De onde veio então a teoria de uma ‘missão’ convocada por D. João?"
Começou com um membro do grupo, Jean-Baptiste Debret, que no terceiro
volume da Viagem pitoresca e
histórica ao Brasil se refere a um “convite”. [...] Interessante é
que a palavra ‘missão’ pressupõe a noção de obrigação e dever. O termo
tem origem no mesmo campo semântico de ‘missa’, derivado de
minere (enviar), que indica um mandato, uma incumbência. Afonso
Taunay tratou, pois, de conferir um caráter abnegado e sacrificial aos
missionários. Os artistas se transformaram em religiosos da arte,
portadores de uma nova fé: neste caso, a de semear a própria
civilização. Mas outros documentos dos próprios envolvidos põem em
dúvida o caráter oficial da ‘missão’ [...] Escritos de Lebreton,
publicados na Revista do
Patrimônio Histórico eArtístico Nacional, em 1957, pelo historiador
Mario Barata, deixam evidente sua autoria na ideia e na oferta de
serviços.
[...] Para Lebreton, no entanto, o ministro (Francisco Maria José de
Brito) faz questãode sempre lembrar que não existia qualquer instrução
da Corte no sentido de garantir a vinda dos franceses nem recursos para
tal. [...] Se o príncipe não pagou pela vinda dos artistas, alguns
representantes portugueses o fizeram. [...] O importante é que a
‘missão’ não era oficial, nem no Brasil, nem em Portugal e muito menos
na França. [...] Hora de juntar cartas: artistas desempregados ou em
vias de o ser; a moda francesa nas artes; uma monarquia europeia na
América; uma colônia até então fechada aos franceses e com imensas
possibilidades de comércio. Com todos essesargumentos reunidos, o mais
correto seria pensar que os viajantes decidiram partir. Trabalho não
faltaria: enquanto a Academia não virasse realidade, seriam empregados
nas festas de Corte.
Agora vamos pinçar alguns trechos, na mesma
revista,de autoria de Jaelson Bitran Trindade[7]
pp. 70-75.
“Debret não conheceu várias paisagens e cenas que
pintou. Usou como base a obra de desenhista prussiano Sellow, produzida no Sul do país.”
“Em sua obra Viagem pitoresca e
histórica ao Brasil, usou desenhos e narrativas de terceiros para
compor estampas relativas a lugares onde nunca esteve e a situações que
nunca viveu.”
“Debret era um homem de Corte, envolvido com a
Escola de Belas Artes. Não é crível que tenha acompanhado D. Pedro I ao
extremo sul do Brasil.”
E relata esta confissão de Debret:
“Tive a oportunidade de manter constantemente, por intermédio de meus
alunos, relações diretas com as regiões mais interessantes do Brasil,
relações que me permitiram obter, em abundância, os documentos
necessários ao complemento de minha coleção já iniciada.”
Vou incluir uma observação final, que, na verdade, deveria ser a
primeira:
Parecer de Bento da Silva Lisboa
e J. D. de AthaideMoncorvo, sobre o 1º e 2º volumes da
obra intitulada Voyage Pittoresque et HistóriqueauBrésil, ou sejour...
par J. B. Debret
[IHGB, v. 3, tomo 3, 1841, p. 77-79]
Entre as estampas há três que,
se não fosse a consideração de que em geral o autor faz elogios aos
Brasileiros, pareceria que ele queria fazer uma verdadeira caricatura.
Com efeito, a do empregado público passeando com sua família excita o
riso. Ainda que no ano de 1816, em que chegou M. Debret ao Brasil, os
costumes não tinham adquirido aquele grau de civilização que hoje tem,
contudo não temos lembrança de que os empregados públicos saíssem a
passeio, levando suas esposas no último período de gravidez, segundo se
vê na estampa. [...]. A outra estampa é o Tráfico dos Africanos no
Valongo. O Senhor Debret pintou todos esses desgraçados em tal estado de
magreza, que parecem uns esqueletos próprios para se aprender anatomia;
e para levar o riso ao seu auge, descreve a um cigano sentado em uma
poltrona, em mangas de camisa, meias caídas, de maneira que provoca o
escárnio. Bem diferente é o desenho que apresenta a Senhora Maria
Graham* na sua Viagem ao Brasil;
pois que é feito com seriedade e veracidade.
* Maria Graham. emDiário de uma
viagem ao Brasil [1821,1822,1823], p. 286, escreve:
[...] garganta que conduz à
lagoa Rodrigo de Freitas, através da qual um riacho de bela água fresca
corre para o mar. Exatamente na sua foz há um lugarejo habitado por
ciganos, que encontraram o caminho para aqui e preservam muito das
peculiaridades do aspecto e de caráter em seu novo lar transatlântico.
Se conformam com a religião do país em todas as coisas exteriores e
pertencem à paróquia de que o cura de Nossa Senhora do Monte é pastor.
Mas esta conformidade não parece ter influenciado seus costumes morais.
Usam seus escravos como pescadores. Uma parte de sua família reside
habitualmente nos seus dom.
Vimos na internet feroz crítica ao “engenheiro” Debret que ao retratar
um engenho, desenhou as engrenagens invertidas. Este homem é que se
tornou magister dixit para
historiadores brasileiros.
Conclusão:
Debret foi mau pintor e se inspirou em trabalhos de Langsdorff e de
Sellow. Gostaria de dizer ainda que no Rio de Janeiro Debret retratou
sofrivelmente os costumes. No caso da aquarela em que mostra um
magistrado saindo de casa ele o pôs na frente da família, mas não era
bem assim, era ao contrário: toda família ia à frente e chefão atrás,
para mostrar quem é que manda. E no mesmo desenho pôs um chapéu tipo crista de
galo na cabeça do funcionário. É incorreto, na verdade as pontas do
chapéu ficavam alinhadas com as orelhas, com se vê em todos demais
desenhistas e aquarelistas da época(ver aquarelas de Thomas Ender,
Chamberlain, Rugendas e outros). Comparem a roupa da mulher do alto
funcionário com a da cigana in Interior de uma casa cigana, prancha 24.
São iguais. Mas cigana não veste como não cigana, daí... ele sequer perdia tempo em
disfarçar. Convenhamos ser ele artista de segunda linha ou menos.
B I B L I O G R A F I A
AZEVEDO, Moreira. O Rio de Janeiro
sua história, monumentos, homens notáveis, usos e costumes. Primeiro
volume,3ª edição, Rio de Janeiro: Brasiliana Editora, 1969.
BERGER, Paulo. Bibliografia do Rio
de Janeiro, viajantes e autores estrangeiros, 1531-1900. Rio de
Janeiro: SEEC-RJ 2a ed.,
1980.
CHAMBERLAIN, Sir Henry. Vista e
costumes da cidade e arredores do Rio de Janeiro em 1818-1819. Rio
de Janeiro, 1943.
COARACY, Vivaldo. Memórias da
cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: José Olympio, 1955.
COELHO, Francisco Adolfo. Os
ciganos de Portugal. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1995.
DEBRET, Jean Baptiste. Viagem
pitoresca e histórica ao Brasil. 6a
ed. São Paulo: Livraria Martins Fontes 1940; Rio de Janeiro: Instituto
Nacional do Livro INL: 1975. e v. 2 tomos (tradução de Voyage
pittoresque et historiqueauBrésil, 1834, por Sérgio Milliet..
ENDER, Thomas. Viagem ao Brasil
nas aquarelas de Thomas Ender (1817-1818). Petrópolis: Kapa, 2000.
GRAHAM, Maria. Diário de uma
viagem ao Brasil e de uma estada nesse país durante parte dos anos de
1821-2 e 1823. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1956.
GRELLMANN, Heinrich Moritz Gottlieb.
Die zigeuner. Trad.para o
inglês, Dissertation on the
gypsies, 2a ed.
Londres. William Ballantine, 1807.
LANGSDORFF, G. I.The Expedition of
the academic G. I. Langsdorff and his artists in Brazil, 1821-1829,
p. 40/41: Rio de Janeiro: EdiçõesAlumbramento, 1988.
MALERBA, Jurandir.
A corte no exílio. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
MERCADANTE SELA, Eneida Maria.
Desvendando figurinhas: um olhar
histórico para as aquarelas deGuillobel.(Tese
de Mestrado). São Paulo:
Unicamp, 2001.
MORAIS FILHO, Alexandre José de
Melo. Os ciganos no Brasil e
cancioneiro dos ciganos. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1981.
¾¾¾Festas
e tradições populares do Brasil.
Rio de Janeiro: H. Garnier, Livreiro-Editor, 1904.
¾¾¾Fatos
e memórias,
pp. 95-141. Rio de Janeiro, Paris: H. Garnier, Livreiro-Editor, 1904.
¾¾¾História
e costumes.
Rio de Janeiro: H. Garnier, Livreiro- Editor, s.d.
¾¾¾Quadros
e crônicas.
Rio de Janeiro: H. Garnier, Livreiro- Editor, s.d.
|