Matéria Especial Benficanet - 29/01/2018
 
À NOITE TODOS OS GATOS SÃO PARDOS

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Dias atrás, fui convidado a assistir na Câmara Municipal da cidade, a um encontro de advogados do Sul-Fluminense, onde aqueles doutores, no pináculo, no topo do sucesso e da glória, trocariam experiências entre si e as passariam, ao mesmo tempo, para os mais novos ou iniciantes na profissão. Os ilustres causídicos da região tomariam assento no lugar no alto da tribuna, como de praxe e de lá poderiam conversar sobre os vaivéns da profissão, e “ouvidos” pelos presentes ao encontro. Dei olhada panorâmica no plenário, que para minha decepção estava pleno de vagas; seja, quase totalmente vazio, faltavam os ouvidores. A maioria dos presentes era composta dos familiares; aliás, a coordenadora expressou claramente, duramente seu despontamento com o pessoal do ramo.

Que pena! Sei que é assim mesmo, nós, os brasileiros, somos avessos a encontros de qualquer natureza, mesmo que sejam para banquete de graça. Advogados não se interessam pela experiência alheia, talvez tenham até ciúmes ou inveja dos vencedores na profissão. No caso presente, estava a nata dos advogados da região. Olhando num espelho bem distante, relembrei que só fui à Câmara, em caráter comemorativo, três vezes: uma para assistir ao lançamento de livro de um velho companheiro de labuta na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN); na segunda vez, para assunção do doutor Eto, meu amigo, na Academia de Letras do lugar. Finalmente, para assistir à reunião do momento. Assim, deduzi que sou um cidadão omisso das lides políticas e desinteressado sobre as magnas decisões que os edis tomam para o bem ou para o mal de nossa cidade. Todos, de pé, mão no coração, cantaram o Hino Nacional. Iniciou-se a troca de experiências entre os advogados convidados, através de respostas às questões previamente formuladas pelos coordenadores do encontro. Num intervalo, tocou-se música popular americana para desestressar, aliviar e alegrar o plenário. Um pensamento contraditório me aflorou: “se estamos num local público, formal, numa cidade brasileira, por que não tocar música brasileira?” Aquarela do Brasil, cairia bem. Dizem que somos o povo mais musical do mundo. Aí, eu pergunto: O samba dominou o mundo? Acho que não. A reunião prosseguiu insossa, e eu como não sou da noite retirei-me às dez horas; não à francesa, porque todos viram, e meu amigo deu um sorriso compreensivo, noblesse oblige. Saí na rua principal, que apresentava forte trânsito de veículos; atravessei-a rápida, para evitar acidente. Pretendia pegar um táxi na outra rua, no ponto de táxi de um supermercado. Entrei na rua transversal Desembargador Tal, a qual apresentava zero transeunte, exceto eu; apenas um cansado vigia, em outra rua, bocejava na altura do prédio do SEBRAE. Desemboquei na praça, que dá visão ampla ao palácio da Prefeitura, e o deserto de pessoas continuou. Já na rua do supermercado, olhei “prum” lado, olhei pra outro, nadinha de táxi. Então, decidi ir em direção ao Magazine “R”, onde esperava encontrar o táxi da ansiado. A poucos metros do destino, já sabia que não havia carro algum no ponto e parei indeciso: quê fazer? Nisso, um veículo desgastado pelo uso, com indivíduos duvidosamente mal-encarados, xexelentos, parou ao meu lado e pressenti que me avaliavam se valia ou não a pena me assaltar, sequestrar ou outra coisa. Percebi mentalmente que corria perigo (transmissão de pensamento ou premonição). De norte a sul, de leste a oeste, não se via um guarda municipal, um PM; nem uma patrulhinha da polícia civil, nem um segurança particular. Nós estamos nas mãos de Deus, meu Deus! Pensei. Saquei meu cartão de velhote, o famoso 0800 (o da passagem gratuita) e dei alguns passos, em direção ao ponto de ônibus. Os indivíduos foram céleres ou “celerados”. Um deles desceu, chegou a mim e bateu com a mão no abdômen numa mensagem muda, de que estava armado, e com a cabeça sinalizou que eu entrasse no carro. Mediante a convincente comunicação silenciosa, não tive jeito e entrei. Eram quatro meliantes; bons homens não eram. Tive tempo de, num gesto salvívico, jogar meu 0800 ao chão, antes de entrar no carro. Antes da partida, pude ver um velho se curvar e apanhar o cartão. Meus sequestradores fugiram em alta velocidade; pediram-me o cartão de crédito, respondi que não tinha; pediram-me o cartão do banco; também, não tinha. Dei-lhes meu dinheiro, que era pouco e documentos de identidade e de motorista. Eles estavam indignados com minha pessoa tão inútil tão vazia de recursos. Deram uma volta redonda, na cidade enquanto decidiam o quê fazer comigo. Enfim, fomos para uma “barra pesada” com nome pomposo de Belo Monte. Lá tiraram minhas roupas para evitar minha tentação de fugir. Isto nunca me passou pela cabeça, eu tremia de medo. Logo chegaram mais dois elementos: um, armado, conduzia outro, como refém, e dava-lhe coronhadas. Pois bem, fiquei ciente que o indigitado havia dado um golpe na quadrilha, como “endolador e mula”, subtraindo alguns “papelotes e bagulhos” da gangue. Agora, havia dois, ameaçados: eu e o novato.

Houve um julgamento bufo no parlatório, e o “chefe da boca”, que exercia também os cargos de promotor, juiz, e advogado prolatou a sentença com a maior pompa, circunstância e solene:

–– Vocês vão jogar dados. Ao que fizer maior número de pontos será dado uma arma e deverá atirar para matar o outro; que também terá oportunidade de escapar e viver, se for bem esperto. O revólver está carregado com uma só bala. Boa sorte! rárárá.

E os dados foram lançados... Na primeira vez, fiz seis pontos, na segunda, só dois e na terceira, um ponto. Meu adversário fez seis, cinco e quatro pontos. Eu perdi.

Azar meu...

–– Pai vamos colocá-lo no micro-ondas e assá-lo de uma vez, ele perdeu! Disse um comparsa mais açodado.

Outro (com sintoma de larica) sugeriu a serra elétrica.

–– Vamos “partir” em quatro e jogar no rio.

–– Não é o caso, este infeliz merece uma chance, não pisou na bola com a gente.

O viciado em crack ao derredor, numa platitude atroz, viajava e puxava sua fumaça. Era um zumbi no ambiente.

O Smith & Wesson com uma só bala, foi posto sobre uma pedra.

Fui liberado e o chefe decretou:

–– Você tem cinco segundos para correr morro abaixo e desviar do tiro, se puder.

Não precisou segunda ordem: desabalei em carreira alucinante, quase superando um carro da Fórmula um. Escutei um tiro e a bala arrebentou minha orelha, arrancando parte do pavilhão e o lóbulo. Escutei mais vários tiros: pá, pá pá e nada me aconteceu. Talvez, desta vez, não atirassem em mim.

Quando cheguei à planície, com o coração a mil, não aguentei mais e sentei-me num banco, respirando dificultosamente. Ninguém veio atrás de mim.

Aconteceu o inesperado: chegou uma patrulhinha e parou perto. Contei aos policiais o sucedido, e eles me disseram que meu cartão 0800 fora analisado e localizaram minha família. Depois de devidamente abastecidos com dinheiro da minha gente, abasteceram o carro e saíram à minha procura.

Não há vento favorável para quem não sabe aonde vai, mas eles (policiais) sabem que um dos bairros mais perigosos, pelo tráfico intenso é Belo Monte. Foram, então, para lá (sabem das coisas), e me encontraram desolado, assustado e de cueca. Cobriram-me com um capote e me levaram ao hospital para curativo da orelha destroçada.

Tudo terminou mais ou menos bem e olhando para o lado positivo desta dramática experiência, agora sou referência: “Tá vendo aquele homem de meia orelha?”

É alguém apontando para mim.

Quanto aos bandidos, soube que foram para o além numa noite do cerol.

 
  
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