Matéria Especial
 
P R E S E N T E   D E   D E U S - 18/12/2013

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Será que aconteceu? Foi em dezembro de 19...

O menino de dez anos ou pouco mais, morava na roça, era filho de sitiantes, quase pobres, mas tinham o suficiente para sobrevivência. Dava para comer carne duas vezes por mês, ovos uma vez, por semana e nos mais só legume, arroz angu e feijão. Isto dava para matar a fome não mais do que isto. Ainda assim o menino já trabalhava: capinava em volta do terreiro, aguava as hortaliças, pastoreava as vacas, cortava capim pros bezerros, em suma, era o moleque do terreiro, pois por ser franzino não trabalhava no pesado: Capina de plantações de milho e arroz; roçado de pasto, fazer valeta e aração de terra. De qualquer maneira, trabalhava sempre todo o dia, e até depois do sol quando então descascava milho e debulhava s espigas para levar o milho ao moinho, em outro arraial, a três quilômetros de sua morada. O verbo trabalhar, sempre no presente do indicativo: eu trabalho; o verbo brincar, de vez em quando, nos dias santos de guarda. Vida dura, né? Divertir, para quê? Nada disso, nem aos domingos e feriados: seja, mourejava os trezentos e sessenta e cinco dias do ano, sendo que na parte da tarde frequentava a escola municipal por três horas. E não tinha merenda escolar não, só água de mina muito boa, por sinal. Amiguinhos, sim, eram três: Chiquinho, o bezerrinho, cria de Figurona; o cavalo, Pretinho e o cachorro, Capim. Na escola, por ser retraído era quase invisível. Seus brinquedos: dois sabugos de milho, jungidos, formavam a junta de bois; caixa de fósforos vazia, sobre duas tampinhas de garrafa, o caminhão, e a bola feita de meia, murcha, mole e sem repique. Pois bem, esse menino tinha um sonho, tal e qual os meninos têm... sonhava com uma pequenina bola de borracha, para brincar nas mínimas horas de folga. E ele, o pobrezinho, certa feita criou coragem, pediu uma bola ao Papai Noel. Que inocência! Ele acreditava em Papai Noel que, até à data, vinha apenas para os meninos e meninas de melhores posses no arraial. No primeiro ano anterior ao anterior que contamos a estória, ele vira caminhãozinho, carrinho, bolas de tamanhos vários, aparelhos de soltar papagaios etc., e não ganhou nada. Ficou decepcionado e perguntou à mãe o porquê da exclusão. A reposta foi o atoleiro... que Noel não conseguira ultrapassar. Ficou a dúvida de como Noel passara o mesmo atoleiro para entregar brinquedos aos outros meninos. Resposta: eles moravam dentro do arraial onde a rua era ensaibrada. A desculpa foi um tanto desacreditada, porque a chuva era para todos. Ele engoliu o engano ou fingiu engolir, era preciso continuar a sonhar. No ano seguinte, nova decepção, desta feita, esquecera-se de deixar um pé de meia na janela. Assim, no ano desta estória, o terceiro sucessivo no calendário dos homens, o menino cumpriu rigoroso o ritual do pé de meia; só não pode parar com a chuva. Era dia e noite: pling-pling-pling... plic-plic-plic. Mas lhe garantiram que Papai Noel não falharia desta vez. Palavra de seus pais, se bem que tinham sorriso maroto quando lhe disseram que Noel viria, sem falta. Ele tinha sido um menino obediente e estudioso. O que ninguém sabia ou se importava é que o menino estava doente, muito doente. Magro sempre fora e ninguém viu que estava mais magro. Ele sofria de uma inflamação nos genitais, um tumor e por vergonha, escondia o fato de todos. Aguentava dores, andava curvado, com mão na virilha; deitava quando possível (aí era chamado preguiçoso), arrastava os pés como se fosse um velho. Naquele dezembro, isto foi há muito tempo, leitores, ele teve calafrios e se soubesse, talvez contasse que estava com febre, muita febre. Tinha medo de confessar, medo ou vergonha ou os dois. Mesmo doente e febril deitou-se cheio de esperança, afinal Papai Noel estava pra chegar; promessa é promessa. O menino tinha de estar dormindo ou o bom velhinho não viria. E chuva miúda caía sem cessar. "Será que Noel atolaria outra vez"? Dormiu cheio de fantasia e expectativa. A bola chegaria de manhã, cedinho. Certo? Papai Noel tem palavra... Pois é, de manhãzinha, ele acordou, molhado de suor, abriu suavemente as pálpebras. No cantinho, semicoberta pela colcha de retalhos estava algo redondo, amarronzado... "A bola, com certeza", levou a mãozinha para apanhá-la; curiosamente, achou-a áspera e dura, sei lá, parecia felpuda. Logo soube: não era a bola, não; era coco-da-bahia. Suspirou, demonstrando imensa tristeza. Pior veio, a seguir: ele pousou a mão em um boneco de louça, com nariz de mentiroso, de Pinóquio; seja, imenso narigão. Simbolicamente representava a mentira dos outros para ele. Humilhação suprema... Era demais para seu coração. Chorou em silêncio, as lágrimas escorreram para a alma, os olhos ficaram secos. E veio a crise: dor excruciante fê-lo dobrar-se e empapar-se de suor. Depois um soluço... e acabou. Sua face refletia paz. Nada mais tinha importância, nada mais... o coco transformou-se em bela e macia bola de borracha, a bola dos sonhos; o boneco abriu os braços, que se tornaram asas. Asas servem para voar. O anjo e o menino segurando a bola, sorridentes foram para o céu; um presente de Deus, Pai.

Bem-aventurados os que choram e sofrem, porque serão consolados. (Jesus)

Asséde Paiva
Dez./2013

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Presente de Deus
Asséde Paiva & Geraldinho
Maio/2014
Pág. 1
1
Ó Pai criador do mundo
Venha cá me socorrer
Ilumina minha mente
Neste meu novo entender
Impulsiona meus versos
No que eu quero escrever

2
A história dum menino
Dez anos de inocência
Nasceu e morava na roça
Filho de pobre e ciência
Lavravam naquele sítio
Pra ganhar sobrevivência

3
Carne uma vez por mês
E canjica todo dia
Arroz feijão e angu
Era o prato que comia
Ovos de vez em quando
Se a galinha expelia

4
O café de garapa
Dava muita energia
Precisava trabalhar
Quase todo santo dia
Limpar terreiro e pomar
Sem mostrar a rebeldia

5
Não tinha tempo pra nada
Era triste vê-lo assim
Magrinho como palito
E simples como jasmim
Será que tinha problemas
Só falava ai de mim!

6
Era assim o dia inteiro
Amarrava alho em atilho
Com sol picava lenha
Com chuva moía milho
Rachava pau coresmeira
Deixava bois no gatilho
7
Por ser muito miudinho
Sofria no pegar pesado
No plantio da lavoura
Foi pelo pai descartado
Mandou-o fazer valetas
Derrubar mato a machado

8
Com estrelas inda no céu
Na madrugada gelada
Ele ia para pastagem
Fazer a vaquejada
No alto daquele morro
De sapé e estrepada

9
Quando o sol se escondia
Atrás do horizonte
Tinha que debulhar milho
Dele fazer um monte
E levar para o moinho
Embaixo de uma fonte

10
Escola não tinha não
O tempo era inclemente
Trabalhava dia e noite
E sonhava tão somente
Que um dia viajava
Pra estrela reluzente

11
Tinha três amiguinhos
Chiquinho bezerro pedrês
Mais o cavalo pretinho
O cachorro pequenez
Que veio para sua casa
Quando tinha só um mês

12
Ele criou seus brinquedos
Sabugo junta de bois
Caixa de fósforos carro
E brincava com os dois
De tampas de garrafas
Fez as rodas ora pois
Pág. 2  
13
De meia fez uma bola
Murcha mole sem repique
O menino tinha um sonho
De fazer um piquenique
Com bola de borracha
Muito bonita e chique

14
Pediu ao papai Noel
Inocente acreditava
Que ia ganha a bola
O presente que faltava
Pôs tamanco na janela
Esperança não faltava

15
Papai Noel vem não vem
Foi dormir ansioso
Ia mostrar outros meninos
Quão Noel era bondoso
Mas no Natal nada veio
Noel não foi generoso

16
Os meninos e meninas
Vizinhos do arraial
Alegres brincavam todos
Com brinquedos de Natal
Só ele o pobrezinho
Ficou preso no quintal

17
Perguntou pra sua mãe
O porquê da exclusão
Foi o atoleiro filho
Que Noel não passou não
Fingiu que acreditava
Escondeu decepção

18
Manteve a esperança
Em Noelque inda viria
A meia no peitoril
Cheio ela ficaria
Mas a chuva não deu tréguas
Parecia picardia

19
Pling pling dia e noite
Era chuva que caia
Parecia até chorar
O mimo que ele pedia
O lamaçal aumentava
Noite e dia só crescia
20
Sua mãe o animava
O Noel não faltará
Seu presente vai trazer
É dormir e esperar
Você vai ficar alegre
E jamais duvidará

21
Ele estava jururu
Calado nada contente
E sua mãe não sabia
Que o filho ‘tava doente
Talvez fosse muito tarde
Que viesse o presente

22
E todos ignoravam
O drama do menininho
Que se passava com ele
Repiado passarinho
E andava tão curvado
Parecendo bom velhinho

23
Sofria inflamação
Gangrena lá na virilha
A todos que perguntavam
Mostrava na panturrilha
Ele mesmo fez emplastro
Mas da dor não desvencilha

24
No triste mês de dezembro
Ardia com muita febre
Commedo e vergonhoso
Da comida fez a greve
Deitou cedo esperou
Papai Noel para breve

25
Mesmo doente febril
Ainda queria a bola
Afinal papai Noel
Trazia-a na carriola
Quem dizia era a mãe
Sorridente e gozosa

26
Acordou de manhãzinha
Molhadinho de suor
Temia abrir os olhos
Levantar o cobertor
E a colcha de retalho
Manchada com seu tumor

 
Pág. 3  
27
Pela beira do lençol
Pode ver algo redondo
Seria a bola sonhada
Que enfim acabaram dando
Mas o couro era tão áspero
O estavam enganando

28
Suspirou não era bola
Era um coco ressecado
Cruel deboche dos pais
Com presente renegado
Que brincadeira medonha
Com o filho adoentado

29
Não esperava o engano
Teve estremecimento
No momento virou fera
Empurrou o alimento
Mas o que veio a seguir
Aumentou os seu tormento

30
Nem tudo tinha acabado
Ele então pousou a mão
Em um boneco de louça
Um pinóquio narigão
Representava a mentira
Suprema humilhação

31
Lágrimas silenciosas
Brotaram da alma imortal
Daí secaram os olhos
Veio a crise final
Dobrou-se mais um pouco
Enrijeceu-se total
32
A face reflete a paz
Que ele enfim alcançava
E o coco virou bola
E nada mais importava
Tinha a bola de borracha
Aquela sempre sonhada

33
Então se deu um milagre
Que se dá com inocente
O boneco abriu braços
De pena luminescente
Ele e menino voaram
Para o sol incandescente

34
Subiram ao infinito
E foram direcionados
Ao céu das estrelas fixas
E aos mundos agitados
Enfim eles dois chegaram
Na mansão celestial

35
Repousam no paraíso
Onde moram todos santos
Deus esperava por eles
E também demais arcanjos
Chamou-os para jogar
Futebol com outros anjos

 
Comentários:

Silvania Aparecida Ribeiro - Chapéu D'Uvas - 26/12/2013
Achei linda sua história, me emocionou.
  
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